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NOVOS AUTORES
Elaboração da transparência
BERNARDO AJZENBERG
Secretário de Redação
"Surtos Urbanos", livro de
contos de Vera Albers, possui uma
textura e uma transparência trabalhada que lembram a da seda:
leveza, sutileza, abordagens indiretas, sugestões, suavidade.
Apesar de ser ainda um segundo
livro (o primeiro é de 81), não há
dúvidas de que inexiste, nele,
qualquer traço de inocência autoral. Ao contrário: estamos diante
de uma coletânea que expressa
maturidade, conhecimento do ofício de elaborar ficção e, ainda, um
quê de memorialística paulistana
(num certo sentido, assumidamente "uspiana"), que só o acúmulo de muitos anos -ou uma
experiência equivalente- pode
proporcionar.
O tributo à tradição de uma família de figuras femininas ilustres
é também um traço evidente, em
particular na linhagem de Clarice
Lispector e de Katherine Mansfield. Albers produz um intimismo
feminino que não exclui os homens, mas lhes dá um tratamento
claramente distanciado.
Os 18 contos aqui reunidos dividem-se, basicamente, em três tipos, conforme seus protagonistas:
os da adolescência, os da maturidade (conturbada) e os de traço
social/regionalista. É sem dúvida
nos da segunda categoria que encontramos uma autora vigorosa,
senhora de seu passado. Aqui estão os enredos mais interessantes
do livro.
Em "Tentativas", por exemplo,
Albers relata a estranha história de
uma mulher que, do dia para a
noite, mordida, como ela diz,
"pelo demo da emulação & aventura", resolve trabalhar como
corretora de imóveis e não é aceita
pela imobiliária.
A mesma elegante esquisitice
aparece no conto "Doutor Fortuna", um velho ginecologista com
"inclinações" para a psicologia,
com quem a narradora (mais uma
vez o foco em primeira pessoa) se
envolve de maneira inusitada.
Dá-se nos contos do primeiro tipo -os da adolescência-, porém, a presença de um estilo mais
refinado, próximo, às vezes, de
uma prosa poética, na qual o obscuro tem a função de fazer brotar
o sonho do leitor. Aqui, as meninas-moças são comumente golpeadas, vítimas de sua situação
transitória de vida. E talvez não seja por acaso que a narrativa seca de
antes ceda lugar, agora, ao tom
nebuloso. Pois não é a adolescência um tempo de trevas?
Leia este parágrafo de "Parque
Dom Pedro": "Passavam-lhe pelos olhos cerrados os laivos
cor-de-rosa dos lírios desfolhados
(o pai teimava em cultivá-los, apesar das taturanas) e, pelo nariz, o
perfume anêmico do jasmim celeste, que não tinha perfume".
Os últimos quatro contos
-"Relato de Ismerina", "No
Cocoruto da Serra", "Adrián
León en América" e "A República" -dão a impressão de ser depoimentos, mais do que obra ficcional. Destoam do restante; cumprem seu papel, como certas "histórias reais", mas não trazem a riqueza autoral, literária, dos precedentes.
O melhor de Vera Albers está no
trato do passado, numa espécie de
jogo de tempo e visão, em que a
autora monta o tabuleiro -assim
escreve a narradora de "Anapla
Kilala": "Depois dizem que a memória retém as imagens privilegiadas. Então, de mim ela zomba: dissipa a contingência em benefício
do pretexto"- e o leitor se obriga
a lançar os dados.
A OBRA
Surtos Urbanos - Vera Albers.
Editora 34 (r. Hungria, 592, CEP
01455-000, SP, tel.
011/816-6777). 96 págs. R$
15,00.
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