São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2007

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+ King nas telas

O ILUMINADO
(The Shining, 1980)
direção de Stanley Kubrick

Stanley Kubrick é um mestre das adaptações literárias no cinema. Basta lembrar de "Lolita" (a partir do livro de Vladimir Nabokov), "Barry Lyndon" (do romance de Thackeray) ou "Laranja Mecânica" (da novela de Anthony Burgess) -obras difíceis de serem vertidas às telas. No entanto, foi de romances literariamente menores que Kubrick extraiu seus filmes mais extraordinários: "2001 -Uma Odisséia no Espaço", baseado na ficção científica de Arthur Clarke, e "O Iluminado", a partir do livro de Stephen King.
"O Iluminado" é o ponto mais alto já alcançado por um filme de terror. As principais obras do gênero têm uma fervorosa vocação intelectual, sendo paradoxalmente muito físicos, como se o melhor modo de extrair o pensamento no cinema fosse por meio do sangue e das deformações.
Kubrick compreendeu como poucos os conflitos que o terror busca representar entre cérebro e corpo, inconsciente e matéria, espírito e natureza. E também, no caso desta história (e da posição do espectador), entre o imaginário infantil e a solidão neurótica dos adultos. Do ponto de vista do adulto, "O Iluminado" é um filme perverso e terrível sobre o núcleo familiar, com seus fantasmas e traumas. Do ponto de vista da criança, é como um conto de fadas. (ALCINO LEITE NETO)

CONTA COMIGO
(Stand by Me, 1986)
direção de Rob Reiner

Exceção notável na filmografia baseada em obras de Stephen King, não há nada de sobrenatural nem de aterrorizante nesta sensível, quase doce aventura de quatro amigos adolescentes (maravilhoso desempenho de Wil Wheaton e River Phoenix) que se embrenham, por um dia e uma noite, nas matas do Oregon.
Corre a notícia de que há um cadáver na região, e os meninos querem encontrá-lo antes da polícia e de um grupo de meninos rivais.
Mais do que uma história de adolescentes, o que se narra aqui, com muita delicadeza, é o fim da meninice: os personagens ainda se entregam a brincadeiras bobas, a desafios gratuitos de coragem, mas aos poucos, conforme vai chegando a noite, chega também a hora das confidências, das angústias, do amadurecimento da amizade. Nem todos estão no mesmo grau de desenvolvimento emotivo, e entre um ou outro susto esporádico (um trem em alta velocidade, um ataque de sanguessugas), o que a turma encontra não é nem o terror nem o sobrenatural, mas a grandeza e o mistério da idade adulta.
(MARCELO COELHO)

CEMITÉRIO MALDITO
(Pet Sematary, 1989)
direção de Mary Lambert

Nunca tive coragem de assistir a este filme do começo ao fim. Na primeira vez -é verdade que o ar-condicionado do cinema estava ligado ao máximo-, comecei a tremer de forma incontrolável lá por volta da metade da história, e preferi sair da sala.
Confessei meus pavores a um amigo, na semana seguinte, que então se interessou pelo desafio. Não resistimos a cinco minutos de projeção. Mais do que aterrorizante, há algo de aziago, de agourento em "Cemitério Maldito". A grafia do título, propositalmente incorreta em inglês -"Pet Sematary" em vez de "Pet Cemetery"-, indica a presença de crianças na história; os caminhões gigantescos que passam pela estrada, interrompendo o silêncio idílico de um lindo bairro rural na Nova Inglaterra, logo mostram a que vieram. Um gatinho de estimação é atropelado; num velho cemitério indígena, é possível realizar rituais capazes de ressuscitá-lo.
O resultado é próximo do monstruoso, mas isso não dissuade um amoroso pai de família de voltar ao cemitério, quando seu filho loirinho e encantador, bem... você sabe. Só anos mais tarde, em vídeo, agüentei saber o que foi feito da criança. Mas prefiro não lembrar. (MC)

CARRIE, A ESTRANHA
(Carrie, 1976)
direção de Brian De Palma

Um dos menos metalingüísticos filmes de Brian De Palma, "Carrie" é uma ode macabra às pulsões incontroláveis da adolescência. Pouco depois de receber de forma traumática sua primeira menstruação, a feiosa Carrie (Sissy Spacek, no papel que a consagrou, mas também a aprisionou), reprimida pela mãe carola (Piper Laurie) e desprezada pelos colegas de escola, sofre uma horrenda humilhação pública na festa de formatura do colégio. Seu ódio, até então contido, vem à tona e liberta seus poderes telecinéticos, desencadeando uma formidável apoteose de vingança e destruição. É um bizarro rito de passagem. A adolescência, pelo menos segundo Stephen King e Brian De Palma, é uma idade das trevas. Embora o filme descambe para uma certa leviandade no final, com direito a golpes baixos e sustos cuidadosamente programados, suas imagens apocalípticas são poderosas a ponto de acompanhar o espectador durante anos. Poucas vezes no cinema a profusão de sangue na tela fez tanto sentido. (JOSÉ GERALDO COUTO)


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