São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2007

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+ Internet

Fora de controle

Para estudioso, abuso é caso de polícia, não de governo

Diretor do Laboratório de Sistemas Integráveis da USP defende investigação de fonte e destino da informação

Associated Press
Rapaz usa internet num cibercafé em Xangai, na China


JULIANA MONACHESI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A novela sobre a proibição do acesso ao site YouTube, determinada pela Justiça no último dia 5, por conta da exibição do vídeo que mostra a apresentadora Daniella Cicarelli trocando carícias com o namorado numa praia espanhola, trouxe novos elementos para o debate sobre os mecanismos de limite à livre circulação de dados na internet e sobre quem deve ou pode exercê-los.
O veto, determinado por liminar do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em decorrência de uma ação movida pelo casal, acabou se transformando num grande imbróglio judicial. A Brasil Telecom bloqueou o backbone (infra-estrutura de rede) de saída para os EUA e as reclamações começaram a chover.
Dias depois, o juiz Ênio Santarelli Zulianio voltou atrás e pediu o restabelecimento do acesso ao YouTube, solicitando que as operadoras informassem à Justiça sobre a possibilidade técnica de bloquear apenas parte do conteúdo do site.
Em entrevista à Folha, o professor titular do Departamento de Microeletrônica da Escola Politécnica, da USP, e coordenador do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) João Antonio Zuffo disse ser contra qualquer ato de censura da internet. Segundo ele, além de o bloqueio de um site não ser uma medida eficaz, já que o conteúdo pode ser redistribuído por meio de milhares de outros servidores, configura um equívoco de atribuição de responsabilidades.
"Eu vejo o caso particular da Cicarelli como um problema de fonte e destino. Você não pode censurar o meio; e o problema todo é que o Judiciário está pensando em censurar o meio de transmissão, o que é altamente condenável. Qualquer decisão judicial deveria recair sobre o autor das imagens ou, por exemplo, em casos mais graves, como os de pedofilia, também sobre os próprios usuários. Acredito que cada pessoa deva escolher o que acessar e cabe a ela assumir essa responsabilidade", afirma.
Zuffo é autor de "A Infoera" (1998, ed. Saber), sobre as tendências decorrentes da revolução na informática, e vários outros livros sobre sociedade e economia no novo milênio.
O pesquisador desenvolveu o primeiro circuito integrado (chip) de alto desempenho e baixo custo da América Latina, em 1971, e é responsável pelo desenvolvimento do segundo supercomputador mais potente do mundo. Atualmente, Zuffo trabalha no projeto, coordenado pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), de desenvolvimento do laptop de 100 dólares, pesquisa pioneira para a democratização do uso das novas tecnologias.
O pesquisador compara a importância da internet nos dias de hoje com a invenção da imprensa durante a Renascença, e prevê que vá revolucionar os relacionamentos sociais em questão de 20, 30 anos: "Trata-se de um instrumento de informação revolucionário porque tende a nivelar mundialmente o conhecimento de toda a sociedade. Estamos frente a uma revolução cuja profundidade poucas pessoas imaginam".
Para ele, como os aspectos da vida humana não acompanham a velocidade alcançada pela tecnologia, por isso surgem novos problemas jurídicos, como o do caso YouTube/ Cicarelli. Nesse novo contexto, afirma, "o uso de conceitos antiquados, de bloquear simplesmente ou proibir, não é racional. A própria proibição do vídeo no caso particular acaba incentivando a visão dele. Eu nunca gastaria bytes do meu hardware para armazenar esse vídeo, mas muitos adolescentes estão fazendo isso, o que é impossível de controlar, a não ser que você proíba totalmente a internet; mas isso equipararia nosso país a um regime totalitário", conclui o estudioso.

Bloqueio de conteúdo
Tecnicamente, de acordo com o professor da Poli, o bloqueio de IP pode ser feito com certa facilidade, mas bloquear o conteúdo do IP, ou seja, bloquear apenas o vídeo da Cicarelli, por exemplo, é muito complexo. "Para fazer bloqueio de conteúdo, você precisa ter um sistema de identificação de conteúdo e esse sistema normalmente é bastante complexo. Os norte-americanos hoje têm supercomputadores que monitoram palavras-chaves em conteúdo, principalmente por causa do terrorismo."
Zuffo tem uma postura contrária também ao controle de conteúdo. "É uma coisa discutível porque envolve a privacidade das pessoas. Existe toda uma discussão filosófica internacional a respeito, por exemplo, dessa atuação do governo americano." O pesquisador não propõe o controle do conteúdo mesmo em casos mais graves, mas sim que, uma vez que esse conteúdo se torna conhecido ou é denunciado, ele seja visto como um caso policial, em que se faz necessário investigar a fonte e o destino de determinada informação.
A regulamentação da internet, se casos como o do bloqueio ao YouTube se repetirem, pode ser catastrófica, na opinião de Zuffo. "Isso irá determinar qual vai ser o futuro da humanidade, que tipo de organização política se vai adotar no futuro, porque, se for controlada a quantidade de informação que circula na internet, nós vamos caminhar para um regime ditatorial, pode ser através de um domínio pelo dinheiro, mas, sem dúvida nenhuma, nós caminhamos para um sistema de perda de liberdade". O professor defende o acesso indiscriminado à internet como fundamental.

Iluminação
Segundo Zuffo, a internet tem que se tornar um bem público como a iluminação, como acontece em cidades como Boston, onde a própria prefeitura provê acesso gratuito à internet como alternativa aos vários canais pagos existentes nos EUA. "Existe o risco de as grandes empresas de telecomunicações tentarem dominar o sistema e é por isso que vemos com preocupação qualquer ação desse tipo de tentar bloquear acesso, mesmo que seja a um microssite", diz ele.


Leia mais sobre o caso Youtube em www.folha.com.br/circuitointegrado


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