São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2007

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Superproteção traz ainda mais danos

Bloqueio a sites atenta contra a liberdade, diz diretora da entidade internacional que coordena a internet

RODOLFO LUCENA
EDITOR DE INFORMÁTICA

A internet considera perniciosos os controles e as interferências governamentais, e os internautas sempre dão um jeito de contornar as restrições, ensina Susan Crawford, professora de direito cibernético e direito das comunicações na Cardozo Law School, em Nova York, e diretora da Icann, a entidade internacional que coordena a internet. Em entrevista realizada por telefone, na quarta-feira, Crawford, 43, adverte que os prejuízos à liberdade de expressão e de opção provocados pelo supercontrole da rede superam em muito seus eventuais benefícios. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

 

FOLHA - A internet pode ser controlada?
SUSAN CRAWFORD
- A internet, em si, é apenas um acordo para que todos os computadores falem uma determinada linguagem. O acesso à internet pode ser controlado, e os governos podem determinar aos provedores de internet que estão fisicamente baseados em seus territórios que bloqueiem o acesso a determinados sites. A maioria dos países civilizados não faz isso. Nos EUA, uma ação governamental como essa seria considerada ilegal, uma violação à Primeira Emenda, que garante a liberdade de expreessão.

FOLHA - Como os governos devem proceder em relação aos crimes na internet?
CRAWFORD
- Nos Estados Unidos, o governo tem o poder de determinar a retirada de um site do ar se há pornografia infantil ou material obsceno no site. Mas não tem o poder de fechar um site pornográfico, porque isso faz parte da liberdade de expressão. Além disso, bloquear um site não tem sentido, é vão, pois, como aconteceu no caso da modelo brasileira, o vídeo fica aparecendo em outros sites e de outras formas...

FOLHA - Cada ação governamental pode ser burlada de alguma forma...
CRAWFORD
- A internet considera a interferência como algo pernicioso e dá sempre um jeito de contorná-la.

FOLHA - Mas essas infrações não podem ser rastreados?
CRAWFORD
- As agências policiais do mundo todo colaboram entre si para rastrear as origens dos vírus. Muitas vezes, têm sucesso. Depende. Nem sempre prendem o criminoso, mas conseguem rastreá-lo. A mensagem mais importante e profunda aqui é a que os danos causados pela tentativa de proteger as pessoas perfeitamente on-line supera em muito -muito mesmo- qualquer benefício que possamos ter com a suposta proteção que as polícias ou governos possam nos dar contra alguns embaraços ou crimes. Veja bem: se o acesso for controlado tão rigidamente para que o governo possa pegar os bandidos, isso tem terríveis conseqüências para os cidadãos comuns. Eles não terão a liberdade de escolha, a liberdade de opções de que precisam. A resposta deveria ser permitir que as empresas e os indivíduos, que formam a periferia da rede, encontrem formas de se proteger, em vez de a parte central da rede proteger os outros.

FOLHA - Ou seja, cada um deve ser responsável pela defesa de seus arquivos e pelo que faz na rede.
CRAWFORD
- O que precisamos fazer é ajudar as pessoas, treiná-las para que sejam capazes de fazer isso, instalar antivírus, configurar as defesas de seus programas de navegação na internet. Os indivíduos podem fazer isso sozinhos, com alguma ajuda. Isso requer educação e assistência, mas não controle governamental da internet.

FOLHA - Mas, quando um um indivíduo se sente ofendido, ele pode buscar apoio legal.
CRAWFORD
- Pode. Mas também pode simplesmente ignorar a ofensa. Ou responder on-line. Há muitas formas de cada um mostrar o seu lado sem recorrer ao sistema judicial.

FOLHA - Às vezes, a disputa é desigual, de cidadãos contra empresas ou homens poderosos. Os jornais sempre foram alvo de processos...
CRAWFORD
- Nós estamos num mundo muito diferente hoje em dia, uma era em que os jornais já não têm o monopólio da informação, das notícias. A legislação foi projetada para uma era em que havia um único megafone, um único amplificador, que era o grande jornal da cidade. Se, naquela época, um jornal dissesse algo que era falso ou difamatório, um cidadão comum não tinha aonde ir, porque os jornais eram tão poderosos. Hoje é muito diferente. No mundo on-line, há muitas formas de responder, de mostrar às pessoas que você foi ofendido ou tratado de forma incorreta. Nada disso exige o recurso à Justiça, porque hoje em dia cada um pode ser um editor.


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