São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

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+ cultura

O filme de terror "Candidato Maldito", que sai nesta semana em DVD no Brasil, ataca a política do governo Bush

Zumbis de todos os EUA, uni-vos!

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Às vezes eles voltam. E nem sempre estão carregados só de más intenções. O retorno dos zumbis (ou mortos-vivos, como também são chamados) é um sintoma de recalque ou de sede de vingança. Sintomaticamente, a era pós-11 de Setembro vem sendo marcada pela disseminação dessas estranhas criaturas.
"Monster Island", um romance sobre zumbis que ocupam Nova York, acaba de chegar às livrarias americanas. Nos próximos meses, Max Brooks, especialista no assunto, lança uma edição atualizada de seu "Zombie Survival Guide - Complete Protection from the Living Dead" [Guia de Sobrevivência a Zumbis -Proteção Completa contra Mortos-Vivos, ed. Random House, US$ 13,95, R$ 29].


Numa cena já antológica, os zumbis deixam seus caixões embru-lhados em bandeiras dos Estados Unidos


Ambos seguem a trilha de sucesso de "The Rising" [Ascensão, Leisure Books], romance de Brian Keene sobre mortos-vivos inteligentes, e do novo thriller do cultuado Stephen King, "Cell" [Celular, Simon & Schuster], no qual habitantes de Boston são transformados em zumbis depois de sofrerem estranhas radiações de seus telefones celulares.
Mais que sua proliferação de ocasião, o poder simbólico da espécie é o que mais assombra. Eterna metáfora dos excluídos, a atual invasão de zumbis na cultura popular já ganhara contornos políticos em "Terra dos Mortos", o manifesto revolucionário dos mortos-vivos lançado por George Romero em 2005.
Agora, volta ainda mais explícito com "Candidato Maldito", episódio dirigido por Joe Dante para a série Mestres do Terror e que chega ao Brasil em DVD nesta semana.

Batalha de mortos-vivos
Nunca totalmente mortos nem completamente vivos, os zumbis atacam em filmes de horror desde os anos 30. Importados da mitologia do vodu haitiano, foi nessa época que as monstruosidades tiveram uma de suas primeiras aparições no cinema, em "Zumbi Branco" (1932), com Bela Lugosi.
Mas, depois de uma gloriosa reencarnação em 1943 no clássico B "I Walked with a Zombie" ("A Morta-Viva"), de Jacques Tourneur, os malcheirosos cadáveres ambulantes passaram um tempo esquecidos. Até serem trazidos de volta, em 1968, com o filme dirigido por George Romero, "A Noite dos Mortos-Vivos".
Mais que assustar, Romero investiu na simbologia de seus monstros, transformando-os em ácidos comentários ideológicos sobre a "evolução" da sociedade norte-americana. Assim, após cutucar a ferida da integração racial no primeiro filme, retomou os monstros a cada momento em que julgava necessária uma nova intervenção: para criticar a sociedade de consumo, em "Madrugada dos Mortos" (1978), a militarização da era Reagan, em "Dia dos Mortos" (1985), e a sociedade do ultracontrole pós-11 de Setembro, em "Terra dos Mortos".
Na mesma vertente, os mortos-vivos de Joe Dante em "Candidato Maldito", numa cena já antológica, deixam seus caixões embrulhados em bandeiras dos Estados Unidos para questionar a política dos falcões do governo George W. Bush, os argumentos falsos usados para a invasão do Iraque e o desequilíbrio do jogo democrático por meio da manipulação midiática.
Desta vez, os zumbis não estão interessados em atacar os vivos e comer sua carne fresca. Os primeiros a ressurgirem são os mortos no Iraque, que querem apenas "voltar para casa" (idéia contida no título original do episódio, "Homecoming").
Mas não só. Antes de alcançarem o descanso perpétuo, precisam votar e querem fazê-lo contra o presidente que os mandou para a guerra. Do outro lado, um grupo de políticos e assessores republicanos, apresentadores de TV e fundamentalistas cristãos fazem o papel de verdadeiros vilões da história.
Depois de traídos, os pelotões de zumbis recém-desembarcados do Iraque convocam os mortos de outras guerras para a batalha. E de seus túmulos saem os veteranos do Vietnã, da Guerra da Coréia e da Segunda Guerra Mundial.
A idéia bizarra surgiu a partir de uma troca de e-mails entre Dante e o roteirista Sam Hamm, autor de panfletagem virtual anti-Bush em seu blog. A oportunidade para alcançar uma audiência maior veio quando uma rede de TV a cabo convidou Dante para ser um dos 13 diretores da série Mestres do Terror.

Horror subversivo
No projeto, os criadores, que incluem nomes como Dario Argento, John Carpenter, Larry Cohen, Tobe Hooper e John Landis, tiveram total liberdade para contar sua história (dos 13, só o japonês Takashi Miike sofreu censura, e seu episódio, "Imprint", teve a exibição recusada pela emissora, temerosa da reação pública à extrema violência característica do estilo hiperbólico de Miike).
Mas só Dante e, em parte, Hooper exploraram politicamente a oportunidade. No lançamento da série, Dante explicitou sua intenção. "Os filmes de horror são subversivos por natureza. Quem quiser descobrir o que se passa em qualquer país num determinado momento, assista a seus filmes de horror", declarou.
Seu "Homecoming" é uma cruel vingança.


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