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"Anatol on the Road" traz as primeiras impressões sobre
o Brasil de Anatol Rosenfeld, que comporia a nata da
intelectualidade européia exilada no país em fuga do nazismo
A vida atribulada do caixeiro-viajante
JOSÉ MINDLIN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Anatol "On the Road'" é um
livro que se lê com prazer,
formado por um conjunto
de textos avulsos, aparentemente sem coerência entre si, escritos num português absolutamente
correto, não obstante seu autor,
Anatol Rosenfeld -um segundo
Paulo Rónai ("Como Aprendi o Português e Outras Histórias", ed. Globo)- só ter aprendido nosso idioma quando chegou ao Brasil, aos 25
anos de idade, como refugiado da
perseguição nazista.
O livro foi organizado e apresentado por Nanci Fernandes e Jacó
Guinsburg, editor da Perspectiva,
uma de nossas mais importantes
editoras culturais, com seu empenho em trazer aos leitores o máximo
possível do acervo deixado por Rosenfeld. Chama desde logo nossa
atenção o senso de humor com que
foi escrita a maioria dos textos, de
natureza múltipla: narrativas pessoais, lendas medievais fictícias
(classificadas pelo autor de "adaptações") e um conto extenso sobre um
episódio de tradição judaica.
"On the Road" começa com as experiências de Anatol Rosenfeld como caixeiro-viajante na região mato-grossense, em que cabe ressaltar
sua aguda capacidade de observação
de tudo quanto encontrava, tanto
em relação ao ambiente quanto a
seus habitantes. Mato Grosso nos
aparece como um interior bucólico,
cheio de encanto e boemia. Basta ver
o capítulo "As Amazonas de Cuiabá", em que o título já é suficientemente sugestivo.
Emigração forçada
Em seguida vem a chegada de Rosenfeld a São Paulo, com destaque
para o Juca Pato [colunista e personagem criado por Belmonte], que
desde logo chamou sua atenção.
Daí por diante, dá largas a sua fantasia, com uma coletânea de artigos
feitos para um jornal imaginário e
que foram publicados na "Crônica
Israelita". Nesse trecho, a parte três,
chama a atenção o artigo "Entusiasmo e Ironia", em que ressalta a importância do entusiasmo, especialmente na mocidade.
Também não podem deixar de ser
destacados os "Dezenove Princípios
para a Crítica Literária" e "Como Fazer Amigos para Melhorar os Negócios". Finalmente, nas partes quatro
e cinco, Anatol chega à ficção com
três saborosos artigos supostamente
medievais e com o conto "O Mínien
Manco".
"On the Road" ressalta a importância da fase brasileira da vida de
Rosenfeld, dando bem idéia de como as voltas que o mundo dá são
surpreendentes e imprevisíveis. Às
vezes produzindo o bem, às vezes o
mal, acontece também ao sabor das
circunstâncias que um desses efeitos
se transforme no outro. Isso se aplica à história de Rosenfeld, história
que, por meio desse livro, se lê com
prazer.
Nascido na Alemanha, em 1912, já
no início da década de 30 começou a
conquistar, nos círculos intelectuais
alemães, uma reputação lisonjeira.
Estava se doutorando em literatura
em 1934, o que, aliás, mais tarde teve
que interromper. Tudo ainda lhe parecia favorável: tinha sua biblioteca,
muitos amigos e admiradores, o que
prenunciava um futuro brilhante.
Com o advento do nazismo, no entanto, sua vida se desestruturou.
Forçado a emigrar de um momento
para outro, alvo, como judeu, da
perseguição do regime de Hitler,
viu-se obrigado a abandonar tudo
quanto tinha conquistado, partindo
para o Brasil em 1937, sem recursos e
sem conhecer nosso idioma.
No cabo da enxada
Para nós, brasileiros, judeus ou
não, que tivemos o privilégio de uma
vida estável, é difícil imaginar como
nos sentiríamos numa situação como aquela -provavelmente, acabrunhados pelo desânimo, sem ver
perspectiva de reconstruir o passado
perdido. É bem possível que essa tivesse sido, de início, a reação de Rosenfeld, mas o desânimo, se existiu,
durou pouco.
Sua estada no Brasil começou como colono de uma fazenda, com as
mãos no cabo da enxada. Tornou-se
depois caixeiro-viajante, passando a
conhecer o Brasil melhor do que
muitos brasileiros e tendo sucesso
em seu trabalho.
Após algum tempo, veio para São
Paulo e aqui pôde retomar uma vida
intelectual, colaborando com artigos
para a imprensa brasileira e alemã,
inclusive com críticas teatrais. Seus
estudos anteriores de filosofia e literatura permitiram-lhe ambientar-se
nos círculos intelectuais paulistas
com razoável rapidez, alcançando,
em pouco tempo, uma posição de
destaque. Passou a publicar livros,
fazer conferências, conquistando o
respeito e a admiração geral.
Morreu em 1973 e, não fossem os
esforços da Perspectiva de publicar
seguidamente seus trabalhos, provavelmente já teria caído no esquecimento -triste destino de tantos
bons intelectuais.
"On the Road" é o mais recente esforço da editora para manter viva a
memória de Rosenfeld -e consegue isso com muito brilho. A leitura
desse livro, como disse há pouco, será certamente fonte de prazer.
José Mindlin é empresário e bibliófilo, autor de "Uma Vida entre Livros" (Edusp).
Anatol On the Road
272 págs., R$ 40
de Anatol Rosenfeld. Organização de
Nanci Fernandes e Jacó Guinsburg. Ed.
Perspectiva (av. Brigadeiro Luís Antônio, 3.025, São Paulo, SP, CEP 01401-000 tel. 0/xx/11/ 3885-8388).
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