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Videocacetadas
BIOMETRIA, CARTÕES DE COMPRAS, CÂMARAS DE VIGILÂNCIA E INTERNET MONITORAM
INDIVÍDUOS E EXTINGUEM IDÉIA DE ANONIMATO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
A vigilância hoje abrange quase todas
as nossas interações
com o mundo
e todos
os nossos sentidos
Desaparecer ainda é possível,
mas é preciso saber
o que isso representa
em termos
de esforço
Quando recorremos
ao Yahoo!,
revelamos
811
informações pessoais
ao mesmo
tempo
JÉRÔME FENOGLIO
Satélites de observação, câmeras de vigilância, passaportes
biométricos, arquivos
administrativos, policiais ou comerciais, chips movidos a freqüência de rádio,
GPS, celulares, internet: o cidadão moderno vive no centro de
uma rede de tecnologias cada
vez mais aperfeiçoadas e cada
vez mais indiscretas.
Cada uma dessas ferramentas, criadas supostamente para
nos oferecer segurança e conforto, nos classifica ou até mesmo nos observa. Ao mesmo
tempo cúmplices e inconscientes, somos enredados em uma
sociedade de vigilância.
Será que ainda é possível escapar desses dispositivos múltiplos que nos cercam por todos os lados?
Quem tenta responder a essa
pergunta é Thierry Rousselin,
consultor de observação espacial e ex-diretor do programa
de armamentos da Direção Geral de Armamentos da França,
que, com François de Blomac
(especialista em novas tecnologias de informação), lança
"Sous Surveillance" [Sob Vigilância, ed. Les Carnets de l'Info, 252 págs., 16, R$ 41].
O livro traz uma visão geral
dessas tecnologias, procurando
diferenciar entre os temores irracionais e os riscos reais de
desvios.
PERGUNTA - Quais são hoje os
grandes domínios da vigilância tecnológica?
THIERRY ROUSSELIN - Podemos
traçar círculos concêntricos. O
primeiro são os "pedaços" de
nós mesmos -tudo o que diz
respeito à biometria. Vamos
progressivamente entregando
um certo número de elementos
que nos pertencem, que nos
identificam.
Essa história começou com
nossas impressões digitais. Hoje, chegou ao DNA, à íris, à palma da mão; dentro em breve,
será nosso modo de andar ou
nossos tiques.
O segundo círculo é aquele
formado por todos os captadores que nos cercam -aqueles
que nos observam, como videovigilância, webcams, aeronaves
de espionagem não tripuladas,
aviões, helicópteros, satélites.
Há também a escuta, em todos os sentidos do termo. Não
se deve esquecer nunca que o
primeiro método de escuta é
uma pessoa ao nosso lado.
Também podem ser usados
nossos próprios objetos, especialmente o telefone. Comprei
um GPS ou um telefone celular.
Será que é possível me seguir
graças a esses aparelhos? Será
que os vários cartões -de crédito, de fidelidade, de assinante- que carrego na carteira revelam coisas a meu respeito,
em tempo real, a cada vez que
os utilizo?
Os formulários que preenchi
nos últimos 30 anos traçam
uma imagem de mim que é
mais precisa que minhas próprias recordações?
O último ponto diz respeito
ao computador, e já há alguns
anos se vêem policiais levando
o computador de suspeitos.
Depois, há a internet. Será
que minha sede de fazer amigos, de me fazer conhecer, não
me leva a revelar coisas demais,
que algum dia poderão ser usadas contra mim?
Logo, os domínios de vigilância hoje abrangem quase todas
as nossas interações com o
mundo externo e praticamente
todos os nossos sentidos. Os receios são mais fortes na medida
em que percebermos que teríamos muita dificuldade em viver
sem muitas dessas tecnologias.
Essa situação é bastante representativa de nossa ambivalência diante dessas questões.
PERGUNTA - O interesse financeiro
pode também exercer um papel?
ROUSSELIN - Evidentemente! Se
aceito um cartão de fidelidade,
receberei presentes em troca
de alguns dados pessoais.
No Reino Unido, várias empresas oferecem seguro mais
barato a motoristas que se
comprometam a não usar seus
carros em determinados horários considerados "de risco".
Para verificar se o fazem, elas
têm o direito de acessar todas
as informações sobre deslocamento contidas no aparato eletrônico do veículo. Os clientes
trocam uma economia substancial pela perda de confidencialidade quanto a seu ir e vir.
PERGUNTA - Nas cidades do Reino
Unido, os sistemas de vigilância já
utilizam 25 milhões de câmeras em
lugares públicos. A que se deve esse
interesse?
ROUSSELIN - É algo muito irracional, pois não existe trabalho
de pesquisa que confirme a eficácia das câmeras.
Por trás dos sistemas tecnológicos de vigilância, o que há é
uma incapacidade do governo
de oferecer respostas reais aos
problemas colocados. Instalam-se câmeras porque são
muito visíveis, e isso custará
menos que contratar pessoas e
realizar um verdadeiro trabalho de campo.
No Reino Unido, os resultados dos programas de videovigilância são muito incertos.
O efeito é fraco em termos de
prevenção e dissuasão, sobretudo no tocante aos ataques a
pessoas (brigas, estupros etc.),
freqüentemente cometidos por
pessoas de comportamento impulsivo, que não dão a mínima
ao fato de serem filmadas, ainda que estejam cientes disso.
Com os terroristas acontece
o mesmo: os "loucos de Deus"
ou de uma causa qualquer ficariam até satisfeitos em poder
passar para a posteridade dessa
maneira.
Quanto aos pequenos delitos,
como os cometidos por batedores de carteiras no metrô, são
rápidos demais para serem registrados, e seus autores os cometem em lugares freqüentemente extensos, com múltiplas
saídas. A videovigilância é uma
ajuda preciosa principalmente
para a solução de investigações,
a posteriori.
PERGUNTA - Ainda é possível "desaparecer" em nossas sociedades?
Isto é, ainda é possível escapar do
controle da tecnologia?
ROUSSELIN - Desaparecer ainda
é possível, mas é preciso saber o
que isso representa em termos
de esforço, sobretudo se você
ainda vive na legalidade, sem
falsa identidade ou cirurgia
plástica.
A opção "ilha deserta" aparentemente é a mais simples de
concretizar. Você vai viver em
algum lugar na zona rural onde
possa praticar um modo de vida
que minimize as trocas comerciais -sem computador nem
telefone celular.
Você fecha sua conta bancária e paga tudo em dinheiro vivo. Será preciso não sair do
país, especialmente não ir aos
EUA, para evitar a necessidade
de obter documentos que usem
a biometria. É claro que será
impossível escolarizar seus filhos no sistema de ensino oficial. E a maior limitação será
relativa à saúde pública.
O problema é que esse afastamento da sociedade vai parecer
sobretudo uma viagem ao passado, um retorno às formas antigas de controle social.
Em seu pequeno vilarejo perdido, não haverá quase ninguém, mas todo mundo num
raio de dez quilômetros saberá
tudo sobre seus hábitos cotidianos, suas particularidades.
Os séculos anteriores à tecnologia moderna estavam longe
de serem épocas sem vigilância.
Para evitar isso, você talvez
prefira mergulhar fundo na selva urbana. As multidões das cidades ainda podem garantir o
anonimato. Nesse caso, porém,
a margem entre a saída do sistema e a exclusão é perigosamente estreita. Você passará
despercebido, mas seu modo de
vida será cada vez mais próximo ao de um sem-teto.
PERGUNTA - Sem ir tão longe assim, ainda é possível pelo menos
controlar as informações a nosso
respeito que permitimos que sejam
registradas?
ROUSSELIN - Se você decide permanecer na sociedade, as informações a seu respeito vão necessariamente circular. Você
paga impostos ao fisco, que,
conseqüentemente, sabe coisas
a seu respeito, assim como sabe
seu empregador etc. Mas você
pode evitar dar informações a
seu respeito que ninguém o
obrigue a revelar.
Você pode evitar preencher
todos os questionários aos
quais geralmente não presta
atenção. Podemos sobreviver
muito bem sem cartões de fidelidade e sem precisarmos informar nosso estado civil para
comprar uma torradeira.
Alguns desses arquivos circulam livremente se você esquece de fazer um xis no quadradinho na parte inferior do
documento, proibindo seu interlocutor de ceder seus dados
a seus "parceiros".
Portanto, quando preenche
questionários não obrigatórios,
não é de maneira alguma forçado a dar informações reais. Nada o impede de "enganar-se"
sobre seu próprio endereço ou
número de telefone.
PERGUNTA - Os telefones celulares
são cada vez mais vistos como potenciais delatores. Ainda é possível
limitar esse risco?
ROUSSELIN - A partir do momento em que seu aparelho está ligado, sua operadora pode
de fato colocar em andamento
toda uma série de mecanismos
de espionagem, atendendo ao
pedido de algum "vigilante".
Existem procedimentos diferentes que permitem localizar
alguém com margem de erro de
mais ou menos 50 metros, fazendo uma triangulação com as
três antenas de telefonia celular mais próximas de seu telefone. Os telefones de nova geração, os "top de linha" atuais,
contêm um chip GPS e serão localizáveis com muito mais facilidade e precisão.
Para a escuta, não há apenas
a possibilidade de interceptar
um telefonema, algo que já se
tornou muito simples.
Uma operadora também tem
a possibilidade de fazer um celular funcionar como microfone de ambiente. Juridicamente, a polícia pode, sob certas
condições, pedir que a operadora transforme o telefone em
microfone, ouvindo tudo o que
é dito em volta da pessoa que
carrega o aparelho.
Em todos esses casos, porém,
tanto para a localização como
para a escuta, é preciso que o
telefone esteja ligado.
Portanto, se você quiser evitar ser permanentemente localizável, faça como fazem policiais ou criminosos: desligue
seu celular quando não o estiver usando.
PERGUNTA - A maior porta para a
invasão de nossa vida privada ainda
é o computador ligado à internet?
ROUSSELIN - Com certeza.
A maioria dos computadores
nos é entregue com sistemas
operacionais que dão direito legal à Microsoft ou à Apple de
colocar em nossas casas espiões que supostamente estão
ali por boas razões.
A partir do momento em que
somos conectados à rede, independentemente de qualquer
decisão autônoma de nossa
parte, um pequeno tráfico começa a se desenrolar, nos propondo atualizações, pedindo
para não usarmos edições piratas e coletando informações sobre nossa estação de trabalho.
Recentemente, o Estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália votou um projeto de
lei autorizando a polícia a colocar vírus espiões nos computadores de suspeitos.
O problema se agrava mais a
partir do momento em que se
navega na web.
A cada vez que visitamos um
site, este registra o número de
páginas vistas, o tempo de consulta em cada uma, os links seguidos, o percurso integral do
cliente antes da transação, assim como os sites consultados
antes e depois.
Imagine os mesmos métodos
aplicados à revista que seus leitores têm nas mãos: será que os
leitores concordariam que você
conhecesse sistematicamente
o tipo de poltrona em que estão
sentados, a espessura de seus
óculos, suas horas de leitura, o
jornal que leram antes dela?
Certamente não.
No entanto é isso o que se
passa, à nossa revelia, cada vez
que navegamos.
O "New York Times" publicou no final do ano passado
uma pesquisa constatando que,
quando recorremos ao Yahoo!,
revelamos 811 informações
pessoais simultaneamente.
O computador é uma verdadeira janela sobre o mundo
-uma janela sem cortinas.
Desde já, se quero ter certeza
de passar despercebido, não
devo ir à internet. Mas isso
equivale, cada vez mais, a dizer
"estou fora do jogo social".
PERGUNTA - Isso será possível dentro de 15 ou 20 anos, quando tudo
tiver se desmaterializado, especialmente as formalidades administrativas? Neste novo "jogo social", por
que o sr. é tão crítico com as redes
sociais e a prática dos blogs?
ROUSSELIN - Porque, para mim,
o risco maior está aí, especialmente no que diz respeito aos
adolescentes. Milhões deles
mantêm blogs ou participam
de fóruns em que deixam uma
quantidade enorme de informações, sem dar-se conta das
conseqüências.
Já vimos diversos casos: jovens que, em seus blogs, fazem
críticas massacrantes às empresas em que fizeram estágio e
que, dois anos mais tarde, se
surpreendem ao descobrir que
os recrutadores lêem esse tipo
de coisa.
Fazer besteiras e querer se
exibir é algo próprio da adolescência. O problema é que os
adolescentes difundem suas
besteiras em sistemas tecnológicos privados que vão guardar
sua memória.
Cerca de 90% das pessoas
que se cadastram numa rede
social não estão mais nela dois
meses mais tarde. Fazem todo
o processo de admissão, mas
acabam se cansando. Deixam
para trás uma quantidade
enorme de informação pessoal.
Acabo de fazer um experimento revelador sobre esse
ponto, no contexto profissional. Eu estava num centro de
informações militares. Para
uma auditoria, estava visitando
as unidades de produção.
Quando redigi meu relatório,
me dei conta de que não tinha
anotado o nome do responsável. Recorri a uma ferramenta
que me permite procurar quem
está em qual rede social.
Digitei as informações de que
dispunha (seu primeiro nome,
sua nacionalidade e seu empregador atual). Encontrei o sujeito na [rede de relacionamento]
LinkedIn. Estavam no site sua
biografia, que ele próprio digitara, e todos os cargos e locais
nos quais já trabalhara como
militar. Fiquei pasmo.
Assim, o Google e o Yahoo!
tornaram-se os maiores detentores de informações sobre
nossos comportamentos e nossos hábitos de consumo. São
empresas que, dez ou 15 anos
atrás, não existiam. Quem pode
prever o que será feito delas daqui a 20 anos?
Acabamos de ver que ainda
restam algumas margens de
manobra para quem deseja escapar da vigilância tecnológica.
Mas como será isso quando
todos esses sistemas estiverem
interligados, quando for instaurada a "convergência" de arquivos, computadores, meios
de observação, coisa que alguns
autores vêem como inevitável
antes mesmo de 2050?
Não sei se podemos ser tão
categóricos assim quanto ao
surgimento de tal metassistema. Existem diversos fatores
difíceis de medir que podem
atrasar essa evolução ou até
mesmo impedi-la, bloqueando
o sistema.
O vigilante é por definição
um paranóico. Conseqüentemente, existem muitos inimigos entre os que supostamente
estão a seu lado. Antes de chegar a um sistema que poderia
dispensar os humanos, ainda
haverá pessoas que brigam,
serviços que não se comunicam, chefes que escondem informações uns dos outros.
O beabá da administração há
5.000 anos consiste, entre os
diferentes serviços de inteligência, em esconder informações uns dos outros.
Em todos os assuntos ligados
ao terrorismo, percebe-se que a
lógica é o FBI roubar informações da CIA e que esta as rouba
da NSA etc. É também por essa
razão que o mulá Omar [líder
do Taleban] e Osama bin Laden
ainda estão livres.
É isso que às vezes acho excessivo nos panfletos sobre a
vigilância: sempre há um exagero, a tendência a pensar que
aquele que vigia não erra, que
não se afasta no meio do vídeo
para tomar um café etc. Como
se não fosse humano. Na realidade, ocorrem muitas imperfeições que prejudicam o potencial de eficácia da vigilância.
O outro parâmetro a levar
em conta é que cada uma dessas tecnologias cria seus próprios contrapoderes.
Para a observação (videovigilância ou satélites), percebe-se
que a grande dificuldade está
no excesso de imagens, comparado ao número de analistas
existentes e às capacidades técnicas de análise disponíveis.
Dezenas de milhares de amadores que decodificam imagens
se tornam tão poderosos quanto os poderes constituídos, que
dispõem de meios limitados.
Isso foi constatado com o furacão Katrina [que atingiu os
EUA em 2005], quando, olhando as imagens disponíveis, os
internautas chamaram a atenção para a impotência das autoridades americanas.
Os cidadãos também podem
voltar certos meios contra seus
criadores, vigiando os vigiadores. Um dos aspectos de nossa
pesquisa que nos deixou otimistas é a efervescência criadora que está crescendo em torno
desse assunto.
Diversas formas de resistência, artísticas ou associativas,
estão sendo criadas. Podem retardar ou impedir o pior, sensibilizando o grande público.
PERGUNTA - Em lugar de passar
despercebida, a solução seria continuar ativo para subverter o sistema?
ROUSSELIN - Sim, ainda restam
muitas áreas de nossa vida pessoal em que nem tudo está decidido. E cabe a cada um de nós
fazer com que a vigilância não
se amplie. Estamos assistindo
ao surgimento de ativistas, vemos artistas, pessoas que têm
comportamentos sadios.
Mas então topamos com nosso próprio comodismo, nossos
pequenos interesses momentâneos. É contra isso que é preciso lutar. Contra nós mesmos?
Sim! Porque gostamos do que é
moderno e simples.
A força do Google ou da Apple é a dessas interfaces incrivelmente fáceis e intuitivas,
que nos seduzem.
Todos nós temos amigos que
nos fazem a demonstração de
seu mais novo objeto "super-high-tech", que se gabam interminavelmente das qualidades
de seu novo telefone etc.
O que fazem não é nada mais,
nada menos que promover o
novo instrumento que os vigia.
E sentem muito orgulho disso.
Somos todos um pouco assim. Isso mostra que somos
modernos. Em alguns momentos é preciso mostrar-se um
pouco antiquado e aceitar que a
vida nos seja um pouco menos
simplificada.
A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain.
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