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livros
O dono da orquestra
"Arte da Regência" detalha o surgimento
e a evolução da função de maestro e o marketing em torno de sua figura
JAMIL MALUF
ESPECIAL PARA A FOLHA
A
editora Algol está
lançando o livro
"Arte da Regência",
de Sylvio Lago.
Dividido em três
grandes blocos que tratam da
história e da técnica dessa arte,
bem como dos maestros, o livro
introduz o leitor num universo
complexo e, por vezes, controvertido. Mas quando, como e
por que a figura do maestro
apareceu? Lago busca esclarecer essa trajetória de
forma bastante minuciosa, descrevendo a evolução da direção
de orquestra do século 18 até os
dias atuais.
Os spallas (chefes do naipe de
primeiros violinos) foram os
primeiros a exercer a função
ainda embrionária de maestro,
atribuição que, nas pequenas
orquestras do século 18, podiam ser divididas com o músico ao cravo/órgão ou até exercidas concomitantemente!
Mas foi só a partir do século
19 que o ofício de reger começou a assumir contornos mais
definidos. Compositores/regentes como Spohr introduzem
importantes inovações, como o
uso da batuta (até então o arco
do violino era usado para tal finalidade).
Lago descreve com muita
propriedade o aparecimento
dos grandes maestros que, da
segunda metade do século 19 ao
princípio do 20, estabeleceram
os conceitos básicos de interpretação e técnica da regência.
Com personalidades como
Hans von Bülow, Arthur Nikisch, Arturo Toscanini, Wilhelm Furtwängler, o regente
se torna um intérprete, com
pleno conhecimento e domínio
de seu instrumento: a orquestra. Destaque especial é dado ao
capítulo que trata da "Arte e
Técnica do Maestro". Mas o
que é a técnica de um maestro?
O que significam aqueles desenhos abstratos que as mãos do
maestro fazem no ar?
Magnetismo pessoal
Na realidade, a técnica de bater figuras de compasso e desenhar frases e dinâmicas com as
mãos é muito simples, apesar
de extremamente importante
para a limpeza da execução em
conjunto.
Alguns maestros são dotados
da habilidade de indicar sua linha de regência com gestos de
grande precisão. Toscanini foi
um deles. Outros compensam a
falta dessa habilidade com
grande magnetismo pessoal.
Foi o caso de Furtwängler, com
seu gestual desajeitado, mas de
irresistível força expressiva.
Porém a arte da regência significa muito mais que mera coreografia. É a soma de bagagem
cultural, preparo musical e
imaginação sonora que distingue um simples "marcador de
compasso" de um verdadeiro
regente.
Lago envereda também pelo
campo da regência de ópera,
um métier específico que nem
todos os maestros dominam.
Ele alerta para o fato de que o
público muitas vezes não avalia
corretamente a enorme responsabilidade que recai sobre o
trabalho do maestro que está lá,
meio escondido, no fosso de orquestra. É ele quem dá a linha
interpretativa que emana da
orquestra, dos solistas e do coral. É também o responsável
pelo correto balanço das vozes
com a orquestra, bem como pela difícil precisão de conjunto,
requisitos que, infelizmente,
nem todos possuem.
Considerações sobre grandes
cantores e encenadores de ópera, bem como o capítulo dedicado à polêmica sobre as chamadas interpretações "autenticistas", desviam desnecessariamente o foco do livro.
Comparações entre tempos
de execução de uma mesma
obra por diferentes maestros
também poderiam ser evitadas.
Afinal, a música é uma arte que
se recria a cada nova interpretação, ao contrário do que as
gravações, com suas repetições
sempre iguais de um mesmo
momento, induzem o ouvinte a
acreditar.
Brasil Colônia
O livro, porém, retoma sua
interessante perspectiva no capítulo dedicado aos maestros
representativos da direção de
orquestra nos séculos 20 e 21.
Lago não se esquece também
dos especialistas em música coral (afinal, música é canto!), das
mulheres regentes, bem como
dos maestros brasileiros desde
o Brasil Colônia até nossos dias.
No capítulo final de "Arte da
Regência", o autor lança a pergunta: "Fim de uma Era?".
Considerações pertinentes
sobre maestros fabricados pelo
mercado e a mesmice de interpretações que se copiam à
exaustão podem dar a falsa impressão de que a arte da regência está em plena decadência.
São argumentos que não se
sustentam ante um repertório
tão rico de grandes obras a propor sempre novos desafios aos
intérpretes. Desafios só vencidos por maestros que se dispõem a colocar sua arte a serviço da comunicação sensível de
idéias, e não de um mero exercício de poder.
Em plena era do marketing
pessoal, quantos se dispõem a
tanto?
JAMIL MALUF é diretor artístico do Teatro Municipal de São Paulo.
ARTE DA REGÊNCIA
Autor: Sylvio Lago
Editora: Algol
Quanto: R$ 95 (832 págs.)
Cinco grandes regentes, por
Jamil Maluf
Sergiu Celibidache,
romeno (1912-96)
Pierre Boulez,
francês (1925)
Carlos Kleiber,
alemão (1930-2004)
Claudio Abbado,
italiano (1933)
Michael Tilson Thomas,
norte-americano (1944)
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