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Dicionário histórico lançado na Alemanha discute os rumos da teoria da arte e da ciência da percepção
Origens da estética moderna
Willi Bolle
especial para a Folha
O estético tornou-se um fenômeno-chave do
nosso tempo. Suas manifestações estão onipresentes: na política, na publicidade, no consumo, na comunicação, nas mais diversas situações do dia-a-dia. A profusão de termos como "homem estético" (Ferry, 1990), "ideologia estética" (De
Man, 1996), "estética ecológica" (Böhme, 1995), "comportamento estético" (Leroi-Gourhan, 1965), "experiência estética" (Jauss, 1977), "esteticismo", "estetização", "estética do cotidiano" etc. é sinal de uma verdadeira "aesthetic turn" (Richard Shusterman, 1989), uma
virada estética.
Nessa situação, é muito bem-vindo esse sofisticado
instrumento de informação sobre as atuais funções da
estética que é o dicionário "Conceitos Básicos de Estética", organizado pela equipe de Karlheinz Barck, do
Zentrum für Literaturforschung de Berlim. O primeiro
volume saiu em 2000 e os seis restantes estão sendo publicados em ritmo semestral, de modo que a obra ficará
completa em 2003.
O objetivo do "Dicionário Estético", com 170 verbetes
elaborados por 150 especialistas do mundo inteiro, é explorar o saber estético contemporâneo numa obra de
referência interdisciplinar e internacional. Os conceitos
básicos são investigados a partir do interesse atual de
conhecimento. Isto é: as novas formas estéticas -mídia, indústria cultural, publicidade, design, pós-modernidade- fornecem a perspectiva para reestudar a origem das teorias estéticas modernas, entre 1750 e 1830.
Dentre os verbetes -arquitetura, barroco, corpo, comunicação, dança, erotismo, estilo, exotismo, fotografia, gosto, imagem, imaginação, mímesis, moda, retórica, simulação, teatralidade, vanguarda etc.-, o artigo-guia "Estética/Estético", de quase cem páginas, é o mais
apropriado para uma introdução aos problemas.
A estética filosófica alemã
No cenário do Iluminismo europeu, que promoveu a emancipação burguesa no plano cultural e político, destaca-se Alexander
Gottlieb Baumgarten, professor da Universidade de
Frankfurt/Oder, com a publicação de um tratado, em
dois volumes e em latim, intitulado "Aesthetica" (1750 e
1758). A palavra é derivada do grego "aisthesis" (percepção, sensação, sentimento).
Da perspectiva da recriação moderna, as invenções
antigas aparecem como "proto-estéticas": a estética de
Platão, que focalizou a idéia do belo, e a de Aristóteles,
que organizou as sensações e emoções. O feito pioneiro
de Baumgarten consistiu em criar, com a "aesthetica",
uma disciplina científica autônoma para o estudo das
formas do conhecimento sensorial e sensitivo. Sua proposta "pegou": a partir do final do século 18, a estética
foi incluída no currículo das universidades alemãs.
Para o sucesso da nova disciplina contribuiu decisivamente seu redimensionamento por Kant. Na "Crítica
do Juízo" (1790), ele distingue entre o "juízo estético dos
sentidos", referente ao sensualismo empírico, e o "juízo
estético da reflexão", que trata do belo
como idéia filosófica e categoria científica. Com Kant, a estética deu uma guinada transcendental, distanciando-se da
antropologia das percepções sensoriais.
Até hoje, sua concepção "desinteressada" do belo constitui um contraponto
crítico às estéticas comprometidas com
interesses particulares; e a importância
dada ao "belo natural" faz com que a estética kantiana seja mais afinada com as
indagações do nosso tempo que a hegeliana.
Publicadas no intervalo entre as "grandes" estéticas de Kant e de Hegel, as cartas de Friedrich Schiller, "Sobre a Educação Estética do Homem" (1795), são um
dos escritos mais instigantes de todos os
tempos sobre a relação entre estética e
ética. Schiller, que considera como a
mais perfeita de todas as obras de arte a
construção de um estado de justiça e liberdade, propõe a formação do "homem
estético" por meio da arte.
O despertar da "disposição estética"
abriria caminho para a construção de
um "Estado estético".
Com G.W.F. Hegel ("Preleções de Estética", 1817-1829), a estética limita-se à filosofia da arte. O ideal do belo artístico,
segundo ele, realiza-se historicamente
por meio das grandes formas de arte
(simbólica, clássica e romântica) e os gêneros artísticos correspondentes: arquitetura, escultura, pintura, música, poesia. Em contraponto à estética filosófica,
constituiu-se, desde meados do século
19, uma estética organizada segundo o
paradigma das ciências exatas: uma
"ciência do comportamento" baseada
em pesquisas de fisiologia, psicofísica e
psicologia experimental.
Entre seus inventores estão alemães
como Gustav Fechner e Theodor Lipp,
franceses como Charles Henry, ingleses e
americanos como Herbert Spencer e
Henry Marshall.
Nas primeiras décadas do século 20,
institucionalizou-se e popularizou-se
nos EUA, com Max Dessoir, Thomas
Munro, George H. Mead e John Dewey,
uma estética prática, não-especulativa,
voltada para as necessidades do convívio
social. Nesse contexto nasceu a teoria semiótica de
Charles W. Morris (1939), com seus desdobramentos,
por exemplo, em Max Bense (1964).
Com a "estética industrial" ocorre uma
volta à teoria da "aisthesis". Marx propõe
fundamentar o estético no trabalho do
homem. Sua declaração "a educação dos
cinco sentidos é trabalho de toda a história universal até agora" repercute entre
nós na poesia de Haroldo de Campos
(1985). A postura de Nietzsche de que "a
existência e o mundo se legitimam apenas como fenômeno estético" (1872) foi
contestada por Walter Benjamin (1928),
em meio à crise econômica e política da
República de Weimar: "Abre-se o abismo do esteticismo, no qual esse intuitivo
genial acabou perdendo todos os seus conceitos". Com a arte fascista surgiu o que Benjamin (1936) chamou de "estetização da política". As propostas do futurista italiano Marinetti, de
um espetáculo das máquinas e da guerra, e as encenações dos nazistas alemães de uma "arte de massas", perante e com as massas, com a finalidade de
dominá-las, são ainda capazes de fazer escola.
Embora a estética científica tenha se tornado nos
EUA, depois da Segunda Guerra Mundial, a forma
de trabalho predominante, o determinismo é contestado no próprio meio das "hard sciences". Num
projeto realizado nos anos 1970 no MIT sobre "Aesthetics in Science and Technology", surgiram reflexões do tipo: "Estamos descobrindo que uma visão
kantiana (ou mesmo schilleriana) da força estética
pode desempenhar uma função social mediadora,
unificadora e centralizadora". Na mesma linha, o
biólogo chileno Humberto Maturana (1992) considera "a maneira biológica natural de viver" como
"constitutivamente estética". Com o desenvolvimento das pesquisas de informática, genética e neurologia, nos dias atuais, travam-se discussões sobre
uma nova ordem do saber, em que as antigas categorias do "estético" entram em jogo sob uma nova
perspectiva.
Willi Bolle é professor de literatura na USP e autor de "Fisiognomia da Metrópole Moderna" (Edusp).
Ästhetische Grundbegriffe
198 marcos (cada volume)
Karlheinz Barck e outros (orgs.).
Ed. Metzler (Alemanha).
Onde encomendar
Livros em alemão podem ser
encomendados, em São Paulo,
na livraria Bücherstube (r. Bernardino de Campos, 215, Brooklin, CEP 04620-001, tel. 0/xx/
11/5044-3735).
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