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Jogo dos incluídos
DESEJOS COBIÇADOS
PELA PARCERIA
CALHEIROS/VELOSO
E PELA SIMETRIA
HUCK/ASSALTANTES PERDERAM SUA SINGULARIDADE E CAÍRAM
NA VALA COMUM
DAS BANALIDADES
ELIANE ROBERT MORAES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há alguma simetria
entre os protagonistas das duas notícias que mobilizaram a imprensa
brasileira nas últimas semanas.
De um lado, o casal Renan
Calheiros e Mônica Veloso, que
vem disputando a atenção dos
leitores com o escandaloso
thriller no qual sexo e política
se fundem em prol da corrupção. De outro, o embate entre o
apresentador Luciano Huck e
dois ladrões de rua, que vem semeando dúvidas sobre quem é
o mocinho e quem é o bandido
da história.
Aparentemente, o que aproxima todos esses personagens é
a disputa por um objeto do desejo. No caso dos assaltantes de
Huck, por estar no pulso de um
"bacana", mais que um relógio,
o objeto em questão aparece
como um equivalente geral que
pode dar acesso a outros objetos, cuja demanda pode ser
motivada tanto pela necessidade quanto pelo desejo.
Crack ou remédios?
Armas ou alimentos? Pedras
de crack ou remédios? Tênis de
grife ou aluguel de barraco?
Não se sabe, pois aos que estão
à margem do tecido social não é
dada a oportunidade de se manifestar.
No caso do famoso apresentador, o objeto também parece
ser mais que um simples relógio, já que se trata de um caríssimo Rolex.
Presente de sua mulher, a
igualmente famosa apresentadora global Angélica, um relógio desse calibre é sinal de prestígio, indicando um lugar social
que, no Brasil, costuma "abrir
portas" raras vezes franqueadas à maior parte da população.
Como não recordar, por
exemplo, que Luciano Huck é
proprietário de uma pousada
cinematográfica num parque
nacional como Fernando de
Noronha, cuja legislação é tão
restrita para a hotelaria?
Mais afinado com as tradições patriarcais de seu Estado
natal, Renan aparece nos noticiários por conta de um objeto
tradicional, bem de acordo com
a chamada "preferência nacional" dos anúncios de cerveja.
Escolha por certo incentivada
pelo reconhecimento de que,
desde a época dos coronéis, os
velhos políticos gozam junto ao
público machista quando exibem seus casos extraconjugais.
Ora, em perfeita simetria
com o desejo do senador alagoano, Mônica Veloso também
parece desejar exatamente o
que Renan podia lhe dar, a saber: dinheiro no bolso e um lugar ao sol no mundo das celebridades.
Daí que não seja possível, em
ambos os episódios, associar os
casos em questão àquele "obscuro objeto do desejo" que dá
título a um dos mais instigantes
filmes de Luís Buñuel. Tratava-se, para o cineasta, de mostrar
como um desejo singular, único, podia engendrar um objeto
de grande opacidade.
Em direção oposta, tanto na
parceria Calheiros/Veloso
quanto no confronto Huck/assaltantes, há uma espécie de
exibição ostensiva dos objetos
em jogo, como que marcando a
coincidência de desejos que
perderam sua singularidade
para cair na vala comum das
banalidades.
Nascidos um para o outro,
Renan Calheiros e Mônica Veloso formam um par perfeito.
Político experiente, o senador
de Alagoas não poupou manobras para conseguir a presidência da casa.
Da mesma forma, Mônica
mostrou-se ambiciosa o bastante para desistir da volumosa
pensão alimentícia de R$ 12 mil
-fora o aluguel no valor de R$
4.500- para sair da sombra do
senador e conquistar um espaço próprio, não sem antes mostrar seus dotes na habitual sessão de fotos para uma revista
"masculina".
As duas mônicas
Com efeito, comparada a ela,
talvez a colega americana Monica Lewinsky não passe mesmo de uma estagiária.
Ora, o que chama a atenção,
em todo esse processo, é o insistente desejo de exposição.
Figurinha carimbada, Renan
faz questão de tornar públicas
as ameaças aos adversários e
aliados, visando a salvar sua pele mais uma vez. Enquanto isso,
a Mônica tupiniquim faz de tudo para conseguir o almejado
emprego como apresentadora,
não poupando esforços de
qualquer ordem.
Assim também, as reiteradas
manifestações de Luciano
Huck desde a ocorrência do assalto não fazem outra coisa senão reforçar seu espaço, já nada
desprezível, na mídia.
Nessa economia, ser sujeito
significa antes de tudo ser visto.
Ganha quem consegue aparecer. Perde quem fica fora do jogo. Já não é possível estabelecer nenhuma simetria entre os
pólos das duas histórias. Diante
das ostensivas figuras de Renan, Mônica e Huck, os dois
anônimos assaltantes sem nome nem voz próprios não podem mesmo ser outra coisa senão excluídos.
ELIANE ROBERT MORAES é professora de estética e literatura na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e no Centro Universitário Senac-SP. É autora de "Lições de Sade" (Iluminuras), entre outros livros.
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