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Materialismo UNIVERSITÁRIO
Adversário teórico de Roberto Schwarz, Luiz Costa Lima elogia, com restrições, coletânea sobre o autor de "Ao Vencedor as Batatas"
LUIZ COSTA LIMA
COLUNISTA DA FOLHA
Pelo livro que se resenha, Roberto
Schwarz recebe uma
apreciação que nenhum outro crítico
brasileiro jamais conheceu.
Qualquer que seja o grau de divergência teórico-analítica que
se tenha com o autor, há de reconhecer que é justa a sua homenagem.
Das três partes que compõem o livro, sou obrigado a
tratar apenas da primeira
-tão-só se ressalve que as contribuições de R. Kurz e R.
Scholz não devem passar despercebidas a quem se interesse
pelo horizonte aberto ao mundo contemporâneo.
O ensaio de Leopoldo Waizbort impõe-se em primeiro lugar, pois aborda uma questão
central à obra de Schwarz: o legado de Lukács, Adorno e
Auerbach. É certo que uma
obra que ofereça a reaproximação daqueles três autores
quanto a uma análise socioistórica das formas terá de ter alguma singularidade, se outra não
fosse a de lidar com orientações tão diversas. Waizbort
tem o mérito de acentuar que
essa reaproximação não se
cumpre mecanicamente.
Assim, referindo-se à leitura
de "Iaiá Garcia" por Schwarz,
assinala que, "no Machado da
primeira fase, o princípio do
decoro/paternalismo dá certa
apresentação da sociedade brasileira, mas o faz preservando o
estilo elevado".
Com isso, evitando os temas
"baixos", Machado tanto se
afastava da ênfase na vida popular, própria ao realismo privilegiado por Lukács, quanto
do auerbachiano, com sua quebra da separação entre os estilos elevado e humilde.
A diferença, continua Waizbort, resultava da própria distinção da sociedade brasileira,
onde "o decoro diz mais sobre a
vida concreta dos homens que
o papel determinante do dinheiro (como era o caso da Europa)", sendo pois também
adequada a manutenção da separação dos estilos.
Já no Machado da maturidade, a diferença quanto a Lukács
resulta de a apreensão realista
da sociedade realizar-se com
"os de cima", e não com "os de
baixo".
Ao mesmo tempo, a mistura
de estilos se cumpre, mas por
motivo completamente diverso do apontado por Auerbach:
em vez de influência do cristianismo contra a tradição greco-romana, ela decorre de que,
nos termos do próprio Schwarz
em "Ao Vencedor as Batatas",
"a freqüentação alexandrina e
mercurial de todos os estilos
acaba sendo o nosso único estilo autêntico" .
Esses são momentos analíticos preciosos, pois mostram
concretamente, não de modo
apriorístico, a contribuição do
homenageado ao entendimento de Machado.
A lamentar
Por isso mesmo é de lamentar que Waizbort não tenha estendido seu exame à comparação interna dos autores privilegiados; o que teria sido tanto
mais necessário porque é sabido que a Lukács não só o marxismo de Adorno era detestável
como descartável o que Auerbach entendia por realismo.
Adorno, de sua parte, não faria por menos; sua separação
valorativa das obras do jovem
Lukács, anteriores à sua "conversão", deveria deixar furioso
o autor húngaro.
Já quanto a Auerbach, nada
de explícito pode-se dizer, pois
seu ceticismo irônico-melancólico o mantinha afastado de
polêmicas com os contemporâneos (com a exceção do amigo-inimigo Spitzer e de seu antípoda, E.R. Curtius). Mas seu leitor
reconhecerá a enorme reserva
que deveria ter tanto de Adorno como de Lukács.
Na falta de um exame específico, talvez seja justo pensar em
um deslocamento: Lukács, absoluto na obra de estréia, cede
progressivamente o lugar ao
marxismo "ocidental" de Adorno, embora com recaídas, presentes, por exemplo, no louvor
ao "Cidade de Deus", de Paulo
Lins. De todo modo, é inconteste que a mímesis é a categoria
pela qual Adorno, Auerbach e
Lukács são aproximados.
E aí a questão se torna mais
acesa: o realismo sob constante
metamorfose com que Auerbach opera era uma maneira
refinada de manter a concepção da mímesis como "imitatio", que, de sua parte, era afirmada sem problemas pelo Lukács pós-conversão, enquanto
a posição de Adorno se punha
na antípoda de ambos. Como
Schwarz se comporta diante da
discórdia?
Ataque e resposta
Lamento que o exemplo mais
direto me envolva pessoalmente. Silvia López cita a passagem
do ensaio "Adequação Nacional
e Originalidade Crítica": "A divisão imaginada por Luiz Costa
Lima se poderia formular da
maneira seguinte: de um lado,
no partido do atraso, a mímese
da realidade histórica, ausência
de inquietação formal, redundância ideológica, ilusão da linguagem transparente, sem tração própria; de outro, o partido
avançado, a produção literária
do novo, a ruptura antimimética, a consciência de eficácia específica da linguagem, bem como o desligamento da antena
referencial".
O artigo fora originalmente
publicado na revista "Novos
Estudos-Cebrap" nš 32 (março,
1992). Como o próprio Schwarz
me abriu as páginas para que
lhe respondesse, o fiz em seu
número seguinte, sob a forma
de um curto comentário.
Pareceu-me que seria um
abuso fazê-lo de modo mais extenso porque já escrevera todo
um livro a respeito da questão
da mímesis e da necessidade de
revisá-la ("Mímesis e Modernidade", 1980, reeditado em 2003
pela ed. Graal).
O argumento básico consistia em afirmar que, só quando
confundida com a "imitatio", a
mímesis supõe que a obra de
qualidade tenha de ter um cunho realista. A mímesis por certo implica um relacionamento
entre o social e a forma. Entendida como "imitatio", essa relação se torna entre termos desproporcionais: o social guarda o
traço determinante, que se estabelecerá na forma da obra,
cujo valor se comprova por essa
reinstalação.
Como daí Schwarz extraíra a
concepção que me atribui? A
explicação plausível seria a de
que não lera o livro e se deixara
guiar por falsas pistas. Mas
Schwarz republicaria seu artigo
em "Seqüências Brasileiras"
(Cia. das Letras, 1999), quando,
nesse entretempo, eu já editara
outro livro que desdobrava a
questão da mímesis ("Vida e
Mímesis", ed. 34, 1995). Era
pouco verossímil que não tivesse tido a curiosidade de verificar o que diziam os dois livros.
A explicação havia então de
ser outra.
De duas uma: ou Schwarz
concluiu que minha busca em
resgatar a mímesis de sua secular associação com a "imitatio"
era descabida na prática, concordando com Lukács e afastando-se de Adorno -que já
procurara aquele resgate- ou
devemos levar a sério a advertência de Luís A. Fischer.
Embora Fischer seja um admirador de Schwarz, não deixa
de apontar para o que chama de
tendência à aporia, que "muitas
vezes encerra e restringe o pensamento materialista da esquerda paulista e uspiana". A
inclinação para a aporia poderia ser formulada noutros termos: a tendência autoritária de
um grupo que interpreta toda
discordância como manifestação de incompetência. Por isso
mesmo é deplorável que a justa
homenagem não seja mais rigorosamente analítica.
LUIZ COSTA LIMA é crítico e professor da Universidade do Estado do RJ e da Pontifícia Universidade Católica (RJ). Escreve regularmente
na seção "Autores", do Mais! .
UM CRÍTICO NA PERIFERIA DO CAPITALISMO
Organização: Maria Elisa Cevasco e Milton Ohata
Editora: Companhia das Letras
(tel. 0/ xx/11/3707-3500)
Quanto: R$ 59 (408 págs.)
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