São Paulo, domingo, 14 de outubro de 2007

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A era da inocência

"Virgens - Uma História Cultural" traça um panorama do tema e discute o retorno do preconceito hoje

LIONEL SHRIVER

Em "Virgins - A Cultural History" [Virgens -Uma História Cultural, ed. Granta, 232 págs., 18,99, R$ 70], a acadêmica Anke Bernau, da Universidade de Manchester, demonstra que, mesmo no Ocidente mundano, a questão da virgindade está longe de resolvida. Em parte uma situação clínica, em parte uma metáfora, a virgindade continua vaga em sua definição. O sexo homossexual, anal ou oral "contam"? Se uma virgem é violentada, continua pura? De modo igualmente primitivo, o pensamento ocidental dominante há muito hesita sobre se a virgindade é uma coisa boa ou ruim, um debate que ocupa grande parte da história envolvente e legível de Bernau.
Apesar da ênfase histórica no Ocidente para que as mulheres sejam "invioladas" até o casamento e as terríveis conseqüências sociais impostas às mulheres que se desviam, corroborar a virgindade vaginal é até hoje medicamente impossível. Um hímen "intacto" não é um indício seguro, quando tantas mulheres rompem a fina membrana na infância ou mesmo nunca tiveram uma.
Isso não impediu, ao longo da história, uma profusão de teorias sobre como distinguir - na gíria contemporânea - as "piranhas" das "santas".
Mas "Virgens" não apenas critica a ignorância do passado em comparação com o esclarecimento do presente. Enquanto a condição do hímen é virtualmente insignificante, a "restauração de hímen" é uma forma de cirurgia plástica cada vez mais procurada.
Além disso, a virgindade continua em destaque na agenda da direita americana, e a abordagem de "abstinência total" silenciosamente tomou conta da educação sexual convencional nas escolas públicas dos Estados Unidos. Estudos sugerem que os currículos que promovem a virgindade até o casamento quase não adiam a atividade sexual dos adolescentes, e a recusa a dar informações médicas pode estar ajudando a disseminar doenças venéreas.
Mais reflexiva que didática, Bernau explora a atual ambivalência ocidental sobre preferir mulheres lascivas ou puras.
"Os conceitos de prostituta e virgem vêm a ser dois lados da mesma moeda", supõe Bernau. "Um não tem sentido sem o outro, e uma virgem certamente está sempre sob a suspeita de se transformar em prostituta -ou de já ser uma, mesmo que só em pensamentos."
"Virgens" não é um libelo feminista. Calmo, às vezes meditativo, deixa os fatos falarem por si, mesmo que em trechos sobre a educação sexual de "abstinência total" se possa sentir uma raiva pulsante.


A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


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