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Um lugar difícil de viver
GUITARRISTA
DO MC5,
BANDA
DE DETROIT
DECISIVA PARA
O PUNK,
WAYNE KRAMER
DIZ QUE
MONTADORAS
DESTRUÍRAM
O SISTEMA
DE TRANSPORTE
DOS EUA
IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Wayne Kramer
cresceu em
uma cidade
chamada Detroit, onde fabricavam-se carros, havia
abundância de empregos e moravam 1,7 milhões de pessoas.
Trinta anos depois, menos de 1
milhão de moradores resiste à
fantástica queda da indústria
automobilística.
Wayne Kramer não é um deles. Após alcançar o respeito
com sua banda cult MC5, o guitarrista morou em Londres,
Nova York e está em Los Angeles há mais de 15 anos.
"Em 1979, saí de lá. Havia
muita violência, armas, drogas,
maus elementos e nada de trabalho para músicos. Não havia
mais trabalho para ninguém",
contou à Folha, por telefone.
Leia a entrevista a seguir.
FOLHA - Além do nome do grupo
-os "Cinco de Motor City"-, como
o MC5 foi influenciado pelo entorno
socioeconômico de Detroit?
WAYNE KRAMER - Durante a Segunda Guerra, Detroit foi um
centro bélico de fabricação de
tanques, jipes, caminhões,
aviões etc. Com o fim da guerra,
essa grande capacidade industrial foi transformada para a
economia dos tempos de paz.
Passou-se a fabricar muitos
automóveis ali. O lado bom é
que se criou um clima positivo,
de muito trabalho. Soldados
podiam voltar da guerra e conseguir um bom emprego ali.
Pessoas podiam vir de outros
Estados, muitos brancos e negros do sul vieram.
Um homem podia criar uma
família, ter um carro, talvez
dois, pagar seguro-saúde, mandar seus filhos para a escola e tirar férias. Era o sonho americano, e ele fez sentido por algum
tempo.
Havia abundância em Detroit nos anos 50 e 60, e isso
permitiu que garotos como eu
tivessem uma guitarra elétrica.
FOLHA - Esse era o lado bom. E o
ruim?
KRAMER - A indústria automobilística queria vender carros,
estava no negócio pelo lucro.
Por isso, conspirou com a indústria da borracha e com as
companhias de petróleo para
destruir o sistema de transporte existente. Os EUA tinham
uma grande malha ferroviária,
grandes sistemas de bondes
nas cidades -como ainda há
em São Francisco. Muitos deles
eram elétricos, não poluentes.
Mas as Big Three [Três Grandes: GM, Ford e Chrysler], as
indústrias de pneu e as Sete Irmãs [Esso, Shell, Texaco e outras companhias de petróleo]
compraram esses sistemas e os
destruíram para que pudessem
vender mais carros. "Veja os
Estados Unidos em seu Chevrolet" era o anúncio da época.
Tudo isso funcionou até que
a primeira crise do petróleo
acabou com a festa.
FOLHA - Vocês ou os pais de vocês
trabalhavam na indústria automobilística?
KRAMER - Sim, os pais de todos
os membros da banda trabalhavam em empresas relacionadas
à indústria automobilística de
Detroit. Tudo vem dos empregos. Emprego é a chave; é a cola
que mantém a sociedade unida.
E, quando os empregos começaram a ir embora de Detroit, a
sociedade começou a ruir.
FOLHA - Em 1969, quando o MC5
lançou seu primeiro álbum, Detroit
ainda funcionava bem, certo?
KRAMER - Sim, você podia comprar das Três Grandes esportivos de 400 cavalos. A gasolina
custava US$ 0,35 o galão.
FOLHA - Mas vocês já criticavam...
KRAMER - Sim, porque, com as
grandes empresas, apareceram
os sindicatos. Cresci numa cidade e numa época em que os
sindicatos eram vistos como
nossos líderes.
Era a época da Guerra do
Vietnã, e começamos a aplicar
os princípios do sindicalismo à
nossa frustração com os caminhos que o país seguia.
Quando vi como as grandes
companhias faziam as coisas,
como a polícia agia, como o governo tratava os assuntos, eu
não podia ficar quieto.
FOLHA - Como vocês se colocavam
ao lado de bandas de sucesso que
não eram tão políticas, como Byrds
ou Doors?
KRAMER - Bem, todos nós queríamos fazer sucesso. O MC5
queria fazer sucesso, mas nós
também queríamos falar sobre
o mundo em que realmente vivíamos, e não sobre um mundo
idílico. Estava mais interessado
em cantar sobre o que realmente acontecia. Era como fazer
canções sindicais.
FOLHA - Quando você era adolescente, a cidade era dividida em guetos sociais ou raciais?
KRAMER - Detroit era muito
bem integrada. Cresci com
amigos negros. Não percebia
que em outras cidades dos EUA
os brancos viviam num bairro e
os negros em outro.
Só vi isso quando comecei a
viajar com a banda, aos 19 anos.
FOLHA - Como o colapso desse sistema em Detroit afeta o imaginário
do norte-americano médio?
KRAMER - Há uma espécie de
confusão. Hoje, o americano
não pode pagar por casa, seguro-saúde, carro e férias, como
seu pai pôde. Ele está pensando
no que deu errado. Há um pouco de incredulidade no ar.
FOLHA - E hoje qual é sua ligação
com a cidade?
KRAMER - Detroit ainda é meu
lar espiritual e cultural. Minhas
raízes estão lá. Mas é uma nova
cidade. Quando cresci, havia 1,7
milhão de pessoas lá. E agora
está abaixo de 1 milhão.
É um lugar radicalmente diferente, uma cidade de pequena para média. Um lugar difícil
de viver, mesmo para quem
tem a pele grossa como eu.
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