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Trilha da redenção
MÍTICA GRAVADORA DE DETROIT
QUE MUDARIA OS RUMOS DA MÚSICA NEGRA A PARTIR DOS ANOS 60,
A MOTOWN SINTETIZOU A RESISTÊNCIA ÉTNICA E SOCIAL EM NOMES COMO MARVIN GAYE E STEVIE WONDER
HELOISA PAIT
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A Folha conversou
com Suzanne
Smith sobre seu livro "Dancing in the
Street - Motown
and the Cultural Politics of Detroit" [Dançando na Rua - A
Motown e a Política Cultural
de Detroit], um amplo painel
sobre o selo musical de Detroit
que influenciaria toda a música
que viria depois dele.
O título do estudo da professora da Universidade George
Mason (Virgínia) é uma referência ao hit de Martha Reeves,
que, juntamente com outros
músicos da cidade, como Diana
Ross e Stevie Wonder, transformaram a Motown num selo
musical de sucesso nacional e
internacional.
O selo Motown -redução de
Motor Town, apelido por que
também é conhecida a cidade-
foi fundado em 1958 por Berry
Gordy, filho de um empreendedor negro da Geórgia que, temendo a inveja dos vizinhos
brancos, decidiu buscar alternativas no norte mais dinâmico e menos racista.
Leitura fascinante, "Dançando na Rua" coloca essas músicas que fazem do imaginário
americano, como "Please Mr.
Postman" e "Just my Imagination" em seu contexto social.
Centenas de milhares de migrantes negros, atraídos pelos
empregos na indústria, chegaram a Detroit em décadas anteriores. Faziam os trabalhos
mais duros, concentravam-se
em certos bairros e eram alvo
de violência policial.
A resistência dos negros veio
de várias formas: na afirmação
por meio do sucesso individual,
na luta contra as barreiras jurídicas e também em confrontos
violentos. Na Detroit dos anos
50, os negros tinham negócios
próprios, como o de Berry
Gordy pai, jornais como o "Michigan Chronicle" e um movimento operário independente.
Não apenas um produto de
sua época, a Motown também
se tornou o fundo musical do
movimento negro urbano dos
anos 60.
FOLHA - Quem eram os artistas da
Motown?
SUZANNE SMITH - Eram em sua
maioria jovens fazendo o ensino médio em escolas públicas,
de famílias de trabalhadores
em linhas de montagem. Viviam em moradias públicas,
que eram melhores do que hoje, onde os músicos se encontravam para tocar.
A família de Berry Gordy,
com negócio próprio e independência da indústria automotiva, era uma exceção.
FOLHA - Nos final dos anos 1950
foram construídas vias expressas ligando os novos subúrbios ao centro
de Detroit. Qual foi o papel desses
projetos de renovação urbana para
a comunidade negra?
SMITH - Foi devastador para a
região central e para os setores
negros da cidade, como escreve
meu colega Thomas Sugrue em
seu livro "The Origins of the
Urban Crisis" [As Origens da
Crise Urbana]. As vias expressas dividiram a cidade, e a vida
urbana saiu do centro.
Muitos artistas da Motown
tiveram sua formação musical
em casas noturnas que logo foram destruídas pela construção
da Chrysler Freeway.
O começo da desindustrialização também teve um enorme
impacto na comunidade negra.
FOLHA - Qual foi o legado da gravadora Motown?
SMITH - Culturalmente, é muito evidente. A Motown virou a
música americana dos anos
1960, apesar de todos os outros
sons do período. Representava
esperança, tanto na música como na imagem dos artistas.
Trouxe uma imagem positiva
da América negra num período
turbulento da história.
Já no plano dos negócios foi
diferente. O selo foi comprado
por grandes gravadoras, e a
idéia de que empresários negros independentes poderiam
ser bem-sucedidos não deu certo nesse caso.
Politicamente, o legado de
Marvin Gaye e Stevie Wonder,
de que é possível passar mensagens políticas por meio da música popular, foi passado ao hip
hop e ao rap.
FOLHA - Qual é o futuro de Detroit?
SMITH - Sou de Detroit, quero
acreditar na cidade, tem muita
gente lá lutando por ela. Mas
não acho que o plano de ajuda
financeira seja suficiente nem
que a indústria automotiva ainda possa sustentar a cidade.
Houve muitas oportunidades perdidas, é hora de buscar
alternativas econômicas para o
século 21, como fizeram outras
cidades do Rust Belt [Cinturão
da Ferrugem, região desindustrializada do Meio-Oeste].
FOLHA - Após décadas de luta por
igualdade e justiça social, qual é o
significado da crise em Detroit para
os americanos e também para os
afro-americanos hoje?
SMITH - Não se podem culpar
os negros que vivem em Detroit
pelos problemas da cidade, em
grande parte conseqüência das
políticas da indústria automotiva. O chavão sobre Detroit é
que foi palco de um tumulto urbano violento em 1967, Coleman Young virou prefeito e a
cidade virou um caos.
O que é preciso é redefinir a
economia da cidade, embora os
cassinos que têm sido abertos
não pareçam apresentar um
terreno muito sólido para isso.
FOLHA - A sra. acha que a eleição
de Obama marcou o fim da longa
história de racismo nos EUA?
SMITH - Assim como a Motown, Obama traz uma mensagem de esperança. Acho que a
eleição foi algo muito inspirador, mas o perigo é acharmos
que não precisamos mais lutar
contra o racismo.
É assustador olharmos para
os índices de pobreza nas comunidades afro-americanas de
Detroit ou de outras grandes cidades americanas.
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