São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Trilha da redenção

MÍTICA GRAVADORA DE DETROIT QUE MUDARIA OS RUMOS DA MÚSICA NEGRA A PARTIR DOS ANOS 60, A MOTOWN SINTETIZOU A RESISTÊNCIA ÉTNICA E SOCIAL EM NOMES COMO MARVIN GAYE E STEVIE WONDER

HELOISA PAIT
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A Folha conversou com Suzanne Smith sobre seu livro "Dancing in the Street - Motown and the Cultural Politics of Detroit" [Dançando na Rua - A Motown e a Política Cultural de Detroit], um amplo painel sobre o selo musical de Detroit que influenciaria toda a música que viria depois dele.
O título do estudo da professora da Universidade George Mason (Virgínia) é uma referência ao hit de Martha Reeves, que, juntamente com outros músicos da cidade, como Diana Ross e Stevie Wonder, transformaram a Motown num selo musical de sucesso nacional e internacional.
O selo Motown -redução de Motor Town, apelido por que também é conhecida a cidade- foi fundado em 1958 por Berry Gordy, filho de um empreendedor negro da Geórgia que, temendo a inveja dos vizinhos brancos, decidiu buscar alternativas no norte mais dinâmico e menos racista.
Leitura fascinante, "Dançando na Rua" coloca essas músicas que fazem do imaginário americano, como "Please Mr. Postman" e "Just my Imagination" em seu contexto social.
Centenas de milhares de migrantes negros, atraídos pelos empregos na indústria, chegaram a Detroit em décadas anteriores. Faziam os trabalhos mais duros, concentravam-se em certos bairros e eram alvo de violência policial.
A resistência dos negros veio de várias formas: na afirmação por meio do sucesso individual, na luta contra as barreiras jurídicas e também em confrontos violentos. Na Detroit dos anos 50, os negros tinham negócios próprios, como o de Berry Gordy pai, jornais como o "Michigan Chronicle" e um movimento operário independente. Não apenas um produto de sua época, a Motown também se tornou o fundo musical do movimento negro urbano dos anos 60.

 

FOLHA - Quem eram os artistas da Motown?
SUZANNE SMITH
- Eram em sua maioria jovens fazendo o ensino médio em escolas públicas, de famílias de trabalhadores em linhas de montagem. Viviam em moradias públicas, que eram melhores do que hoje, onde os músicos se encontravam para tocar.
A família de Berry Gordy, com negócio próprio e independência da indústria automotiva, era uma exceção.

FOLHA - Nos final dos anos 1950 foram construídas vias expressas ligando os novos subúrbios ao centro de Detroit. Qual foi o papel desses projetos de renovação urbana para a comunidade negra?
SMITH
- Foi devastador para a região central e para os setores negros da cidade, como escreve meu colega Thomas Sugrue em seu livro "The Origins of the Urban Crisis" [As Origens da Crise Urbana]. As vias expressas dividiram a cidade, e a vida urbana saiu do centro.
Muitos artistas da Motown tiveram sua formação musical em casas noturnas que logo foram destruídas pela construção da Chrysler Freeway.
O começo da desindustrialização também teve um enorme impacto na comunidade negra.

FOLHA - Qual foi o legado da gravadora Motown?
SMITH
- Culturalmente, é muito evidente. A Motown virou a música americana dos anos 1960, apesar de todos os outros sons do período. Representava esperança, tanto na música como na imagem dos artistas.
Trouxe uma imagem positiva da América negra num período turbulento da história.
Já no plano dos negócios foi diferente. O selo foi comprado por grandes gravadoras, e a idéia de que empresários negros independentes poderiam ser bem-sucedidos não deu certo nesse caso. Politicamente, o legado de Marvin Gaye e Stevie Wonder, de que é possível passar mensagens políticas por meio da música popular, foi passado ao hip hop e ao rap.

FOLHA - Qual é o futuro de Detroit?
SMITH
- Sou de Detroit, quero acreditar na cidade, tem muita gente lá lutando por ela. Mas não acho que o plano de ajuda financeira seja suficiente nem que a indústria automotiva ainda possa sustentar a cidade.
Houve muitas oportunidades perdidas, é hora de buscar alternativas econômicas para o século 21, como fizeram outras cidades do Rust Belt [Cinturão da Ferrugem, região desindustrializada do Meio-Oeste].

FOLHA - Após décadas de luta por igualdade e justiça social, qual é o significado da crise em Detroit para os americanos e também para os afro-americanos hoje?
SMITH
- Não se podem culpar os negros que vivem em Detroit pelos problemas da cidade, em grande parte conseqüência das políticas da indústria automotiva. O chavão sobre Detroit é que foi palco de um tumulto urbano violento em 1967, Coleman Young virou prefeito e a cidade virou um caos.
O que é preciso é redefinir a economia da cidade, embora os cassinos que têm sido abertos não pareçam apresentar um terreno muito sólido para isso.

FOLHA - A sra. acha que a eleição de Obama marcou o fim da longa história de racismo nos EUA?
SMITH
- Assim como a Motown, Obama traz uma mensagem de esperança. Acho que a eleição foi algo muito inspirador, mas o perigo é acharmos que não precisamos mais lutar contra o racismo.
É assustador olharmos para os índices de pobreza nas comunidades afro-americanas de Detroit ou de outras grandes cidades americanas.


Texto Anterior: Conheça os gêneros
Próximo Texto: Um lugar difícil de viver
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.