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+(e)conomia
O PIB solidário
Queda abrupta do produto interno bruto brasileiro recoloca país no contexto internacional
EUCLIDES SANTOS MENDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A compreensão dos
fenômenos econômicos passa pela difícil tarefa de prever
o comportamento
do mercado. Por isso, à complexidade das análises se soma,
muitas vezes, a imprecisão das
projeções.
A divulgação de que o PIB
(Produto Interno Bruto) brasileiro diminuiu 3,6% no quarto
trimestre de 2008, mesmo
diante do otimismo do governo
em meio aos impactos desastrosos do colapso financeiro
mundo afora, aponta para a natureza volátil das análises econômicas.
Para o economista e professor da USP Renato Perim Colistete, "é natural que a economia enquanto ciência seja marcada também por um elevado
grau de indeterminação, imprecisões e dúvidas, como fica
particularmente claro em momentos de crise como o atual".
Em entrevista à Folha, Colistete diz que a retração do
PIB aponta para a inserção definitiva do Brasil no cenário incerto que aflige o sistema financeiro internacional.
"A queda do PIB no último
trimestre de 2008 é uma demonstração clara de que, para
o bem ou para o mal, o Brasil é
parte do sistema econômico
global".
FOLHA - Qual é o impacto da desaceleração econômica no Brasil?
RENATO PERIM COLISTETE - O governo e a maior parte dos analistas
subestimaram desde o início a
gravidade da crise internacional, apesar das evidências que
se acumulavam em escala global de que a situação era crítica.
E, mais importante, apesar
de vários episódios na história
econômica mundial que mostraram que situações aparentemente de estabilidade e até euforia podem dar lugar, rapidamente, a mudanças bruscas e
profundas na forma de crises.
FOLHA - Além da crise financeira
global, que outras causas podem ser
apontadas para a queda do PIB?
COLISTETE - A queda do PIB no
último trimestre de 2008 é
uma demonstração clara de
que, para o bem ou para o mal, o
Brasil é parte do sistema econômico global.
Não há como o Brasil se beneficiar dos momentos de expansão do comércio e dos investimentos internacionais e
esperar que se mantenha isolado dos efeitos negativos quando a economia mundial desacelera e entra numa grave crise
como a atual.
Isso não aconteceu, por
exemplo, nos anos 1930 e não
irá acontecer agora. Também
não aconteceu na década de
1970, com o choque do petróleo, e não irá acontecer agora.
FOLHA - No contexto mais amplo
da história econômica brasileira, a
última década ficou marcada pela
estabilização monetária e pelo crescimento econômico. Corremos o risco de recuar aos tempos de inflação
alta e instabilidade da moeda?
COLISTETE - Creio que, pelo menos por enquanto, não há sinais
nítidos de que estamos caminhando para o descontrole inflacionário e uma instabilidade
macroeconômica do tipo que
sofremos desde o início da década de 1980.
FOLHA - A retração do PIB pode indicar que o Brasil foi um dos países
mais prejudicados pela crise econômica internacional?
COLISTETE - Um sintoma de que
a situação do Brasil nunca foi
privilegiada em meio ao turbilhão da crise internacional é o
fato de que, ao contrário de outros países, o Banco Central resistiu em reduzir de forma
substancial as taxas de juros.
Nos EUA, o governo Obama
está não só adotando programas de socorro a bancos e empresas automobilísticas, mas
lançou também um amplo programa de gastos públicos em
educação.
No Brasil, não só parece que a
margem para o aumento de
gastos sociais é reduzida, como
nem sequer foi cogitado utilizar como política compensatória o aumento do gasto público
em educação primária, por
exemplo, ainda que essa seja
uma das áreas mais lamentáveis e carentes historicamente
da sociedade brasileira.
FOLHA - Por que razão a percepção
dos fenômenos econômicos é tão
volátil?
COLISTETE - A ciência econômica, enquanto ciência social, lida
com fenômenos que são, por
natureza, sujeitos à intervenção de múltiplas influências sociais, institucionais, ideológicas e psicológicas.
Entender esses fenômenos é
algo muito complexo, tarefa
que a economia busca enfrentar utilizando modelos formais,
raciocínio lógico e o maior grau
de precisão possível.
Mas, visto que a natureza do
que é estudado é tão imprecisa
e indeterminada, como são as
atitudes sociais e instituições, é
natural que a economia enquanto ciência seja marcada
também por um elevado grau
de indeterminação, imprecisões e dúvidas, como fica particularmente claro em momentos de crise como o atual.
Previsões quanto ao comportamento futuro da economia
são ainda mais precárias, pois
elas têm de ser feitas a partir de
suposições quanto às atitudes
de inúmeros agentes diante de
fatos ainda não conhecidos.
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