São Paulo, domingo, 15 de março de 2009

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+(e)conomia

O PIB solidário

Queda abrupta do produto interno bruto brasileiro recoloca país no contexto internacional

EUCLIDES SANTOS MENDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A compreensão dos fenômenos econômicos passa pela difícil tarefa de prever o comportamento do mercado. Por isso, à complexidade das análises se soma, muitas vezes, a imprecisão das projeções.
A divulgação de que o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro diminuiu 3,6% no quarto trimestre de 2008, mesmo diante do otimismo do governo em meio aos impactos desastrosos do colapso financeiro mundo afora, aponta para a natureza volátil das análises econômicas.
Para o economista e professor da USP Renato Perim Colistete, "é natural que a economia enquanto ciência seja marcada também por um elevado grau de indeterminação, imprecisões e dúvidas, como fica particularmente claro em momentos de crise como o atual". Em entrevista à Folha, Colistete diz que a retração do PIB aponta para a inserção definitiva do Brasil no cenário incerto que aflige o sistema financeiro internacional. "A queda do PIB no último trimestre de 2008 é uma demonstração clara de que, para o bem ou para o mal, o Brasil é parte do sistema econômico global".

 

FOLHA - Qual é o impacto da desaceleração econômica no Brasil?
RENATO PERIM COLISTETE -
O governo e a maior parte dos analistas subestimaram desde o início a gravidade da crise internacional, apesar das evidências que se acumulavam em escala global de que a situação era crítica. E, mais importante, apesar de vários episódios na história econômica mundial que mostraram que situações aparentemente de estabilidade e até euforia podem dar lugar, rapidamente, a mudanças bruscas e profundas na forma de crises.

FOLHA - Além da crise financeira global, que outras causas podem ser apontadas para a queda do PIB?
COLISTETE -
A queda do PIB no último trimestre de 2008 é uma demonstração clara de que, para o bem ou para o mal, o Brasil é parte do sistema econômico global. Não há como o Brasil se beneficiar dos momentos de expansão do comércio e dos investimentos internacionais e esperar que se mantenha isolado dos efeitos negativos quando a economia mundial desacelera e entra numa grave crise como a atual.
Isso não aconteceu, por exemplo, nos anos 1930 e não irá acontecer agora. Também não aconteceu na década de 1970, com o choque do petróleo, e não irá acontecer agora.

FOLHA - No contexto mais amplo da história econômica brasileira, a última década ficou marcada pela estabilização monetária e pelo crescimento econômico. Corremos o risco de recuar aos tempos de inflação alta e instabilidade da moeda?
COLISTETE -
Creio que, pelo menos por enquanto, não há sinais nítidos de que estamos caminhando para o descontrole inflacionário e uma instabilidade macroeconômica do tipo que sofremos desde o início da década de 1980.

FOLHA - A retração do PIB pode indicar que o Brasil foi um dos países mais prejudicados pela crise econômica internacional?
COLISTETE -
Um sintoma de que a situação do Brasil nunca foi privilegiada em meio ao turbilhão da crise internacional é o fato de que, ao contrário de outros países, o Banco Central resistiu em reduzir de forma substancial as taxas de juros. Nos EUA, o governo Obama está não só adotando programas de socorro a bancos e empresas automobilísticas, mas lançou também um amplo programa de gastos públicos em educação. No Brasil, não só parece que a margem para o aumento de gastos sociais é reduzida, como nem sequer foi cogitado utilizar como política compensatória o aumento do gasto público em educação primária, por exemplo, ainda que essa seja uma das áreas mais lamentáveis e carentes historicamente da sociedade brasileira.

FOLHA - Por que razão a percepção dos fenômenos econômicos é tão volátil?
COLISTETE -
A ciência econômica, enquanto ciência social, lida com fenômenos que são, por natureza, sujeitos à intervenção de múltiplas influências sociais, institucionais, ideológicas e psicológicas.
Entender esses fenômenos é algo muito complexo, tarefa que a economia busca enfrentar utilizando modelos formais, raciocínio lógico e o maior grau de precisão possível.
Mas, visto que a natureza do que é estudado é tão imprecisa e indeterminada, como são as atitudes sociais e instituições, é natural que a economia enquanto ciência seja marcada também por um elevado grau de indeterminação, imprecisões e dúvidas, como fica particularmente claro em momentos de crise como o atual.
Previsões quanto ao comportamento futuro da economia são ainda mais precárias, pois elas têm de ser feitas a partir de suposições quanto às atitudes de inúmeros agentes diante de fatos ainda não conhecidos.


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