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Uma conversa muito séria
Encontro
de Lula e Obama pode reescrever
a influência
do Brasil na América Latina
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Seis anos depois de ter
entrado pela primeira
vez na Casa Branca,
Lula volta a Washington para se reunir
com o novo ocupante da sede
do governo americano.
Na primeira vez, em dezembro de 2002, Lula ainda não tinha sido empossado na Presidência, usava um distintivo do
PT na lapela e ninguém sabia
como ia ser seu início de governo. George W. Bush, há dois
anos na Casa Branca, reconfigurava a política externa após o
11 de Setembro.
Desprendendo-se da ONU,
Washington impunha uma hegemonia solitária sobre o resto
do mundo.
Num artigo escrito na época,
o historiador Paul Kennedy, da
Universidade Yale, recapitulava os desafios das superpotências precedentes-da Roma
Antiga ao Império Britânico,
no século 19- para concluir
que nunca existira uma supremacia tão completa como a
exercida pelos EUA no começo
do século 21. Um termo novo
passou a designar esse estatuto
inédito: hiperpotência.
Ontem, quando Lula conheceu Obama, o encontro de
2002 com Bush recuou mais no
passado: mudou o ocupante da
Casa Branca e mudou o mundo. Um termo novo surgiu para
definir a atual crise econômica:
a "grande recessão".
Afora as incertezas globais,
quais são os pontos que aproximam ou separam o Brasil e os
Estados Unidos?
Na conversa de Obama com
Lula havia temas onde existia
acordo prévio, como o repúdio
ao protecionismo e a luta pela
preservação ambiental, tema
prioritário na agenda da atual
administração americana.
Outros pontos eram controversos, como o etanol. Obama
apoia as tarifas sobre a importação de etanol, tendo declarado no Senado, em 2007: "Não
faz sentido para nossa segurança nacional e econômica substituir o petróleo importado pelo etanol brasileiro".
Contudo, seu ministro da
Agricultura, Tom Vilsak, e seu
ministro da Energia, Stephen
Chu, são contra essa barreira
tarifária.
Venezuela e Cuba
Havia ainda na pauta questões delicadas, como as relações entre Washington e Caracas e o fim do embargo comercial a Cuba. A conversa sobre a
Venezuela pode ter sido aleatória, dado o lado imprevisível de
Hugo Chávez.
Ao contrário, a questão cubana poderá ter avançado. De fato, há uma conjuntura favorável, mas faltam intermediários
para resolver o contencioso
americano com Cuba.
Bem mais traumáticas, as relações entre os EUA e o Vietnã
foram normalizadas quando
John Kerry e John McCain,
que lutaram e sofreram no
Vietnã, organizaram uma comissão bipartidária no Senado
para tratar do assunto.
Nada similar existe no caso
cubano, e há espaço para a
atuação discreta da diplomacia
brasileira.
Também discretamente, um
assunto fora de pauta pode ter
sido abordado pelos dois presidentes: Foz do Iguaçu.
Na semana passada, um relatório da Rand Corporation afirmou que a pirataria de filmes e
DVDs na fronteira comum entre o Brasil, a Argentina e o Paraguai rende milhões de euros
por ano ao Hizbollah, movimento xiita libanês.
Cedo ou tarde haverá um arrocho dos países da região no
contrabando internacional da
tríplice fronteira.
Na perspectiva dos próximos
encontros, Obama e Lula devem ter preparado a reunião do
G-20 em Londres, onde os dois
países têm posições comuns
em alguns temas.
Outros encontros
Para sair da "grande recessão", Obama pensa que é preciso ampliar os investimentos
públicos, criar empregos e socorrer empresas fragilizadas,
deixando provisoriamente de
lado o problema do déficit público. A União Europeia, principalmente a Alemanha, economia dominante da região, discorda.
Nascida e criada na Alemanha Oriental, [a chanceler] Angela Merkel adquiriu alergia ao
desequilíbrio orçamentário e
às intervenções do poder público na economia, e mais fé na dinâmica do mercado.
Obama e Lula, mas também o
FMI e os dirigentes da China e
do Japão, entre outros, são favoráveis à primeira solução.
Note-se que as conversas
prosseguirão noutros contextos. Lula estará com Obama em
mais duas ou três ocasiões, em
abril: na reunião do G-20 em
Londres, no dia 2, na Cúpula
das Américas em Port of Spain
(Trinidad e Tobago), entre 17 e
19, e, possivelmente, no Fórum
da Aliança das Civilizações, organizado pela ONU em Istambul [Turquia], em 6 e 7.
Muita coisa deverá ser discutida. Os EUA, o Brasil e o planeta atravessam uma crise de
grandes proporções cuja saída
ainda não apareceu no horizonte. Obama não sabe direito como será o começo de seu governo e Lula não sabe como terminará o dele.
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO é historiador e
professor na Universidade de Paris 4. É autor de
"O Trato dos Viventes" (Companhia das Letras)
e edita o blog sequenciasparisienses.blogspot.com . Escreve regularmente no Mais! .
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