São Paulo, domingo, 15 de julho de 2007

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Ponto de fuga

Novos do passado

É esse o espírito da pop art: fundir em bronze uma lata de cerveja ou uma lâmpada elétrica para conferir-lhe a eternidade da escultura

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Os anos 1960 se entusiasmaram pelas rupturas modernas. Tudo era novo, tudo devia ser novo. No Brasil, o cinema novo, os "novíssimos" poetas; na França, a nouvelle vague, o "nouveau roman" e os "nouveaux réalistes". Uma retrospectiva consagrada a estes últimos se encerrou [em 2/7] no Grand Palais, em Paris.
O que era novo há 40 anos é velho hoje. Depois da visita, a tentação é dizer: "Como tudo isso envelheceu!". Aquela arte efervescente de outros tempos está fora de moda. Em frente, no Petit Palais, a multidão se comprime para ver [a também já encerrada exposição de] Sorolla [1863-1923] e Sargent [1856-1925], artistas que, naqueles anos dos novos realistas, eram desconhecidos e desprezados como "acadêmicos".
Enquanto isso, a vanguarda de ontem naufraga no vazio de visitantes.
Mas o livro de visitas surpreende. Nele, jovens que não viveram as décadas otimistas do pós-guerra deixam impressões de espanto diante da ousadia e da subversão dos "nouveaux réalistes". Outros se escandalizam com essa arte que lhes parece doentia e degenerada. Sinal de que as obras conservaram alguma pulsação de revolta, insensível apenas para alguns espíritos mais blasés.
Há um ponto inegável: foi uma bela esperança, essa, de atribuir à arte a ambição de mudar a consciência graças ao entusiasmo de uma crítica reiterada e provocadora.

Inseparáveis
Os "nouveaux réalistes" parisienses são contemporâneos da pop art americana. Centram-se no objeto de consumo.
Há um novo realismo como há um novo sabonete ou um novo dentifrício.

Opostos
A diferença entre os franceses e os americanos começa justamente nessa ontologia do perecível, que a natureza da arte transforma em eterno. Os americanos têm uma antiga tradição realista do cotidiano: na primeira metade do século 20, Sheeler, Demuth, Joseph Stella (para não mencionar os mais "clássicos", como Bellows, Hopper ou Reginald Marsh e um gênio absoluto da ilustração, Norman Rockwell) haviam celebrado os cartazes publicitários, a lâmina de barbear, o maço de cigarros, o cinema, os carros, o esporte, os transportes coletivos como objetos da dignidade artística.
É esse o espírito da pop art: fundir em bronze uma lata de cerveja ou uma lâmpada elétrica para conferir-lhe a eternidade da escultura; pintar cuidadosamente uma cena de história em quadrinhos para elevá-la à distinção do grande quadro.
No efêmero do consumo, tratado com atenção e amor, a pop art encontrou poesia e belezas dignas de serem eternizadas.
Os franceses, ao contrário, retomam as lições subversivas de Marcel Duchamp e do movimento dadá. Recusam-se às práticas tradicionais do pintar, desenhar, esculpir: Spoerri gruda latas, colheres, açucareiros numa tábua, pregada numa cadeira que é pendurada no teto. César comprime carros.
Tinguely inventa máquinas malucas com engrenagens de recuperação. Yves Klein faz quadros, é verdade, mas sem tocar nos pincéis: imprime corpos sobre as telas.
Com os americanos, os objetos se tornam artísticos. Com os franceses, a arte se torna crítica dos objetos, irônica e às vezes-bem humorada.

Lutas
A pop art opôs-se à hegemonia abstrata preponderante nos EUA. Rompeu pela força do signo. Na França, essa oposição foi mais nuançada. Alguns artistas, assim, diluíram um pouco as significações diretas do objeto, tendendo a uma certa abstração. Entre outros, as compressões de César, os cartazes de filmes que Mimmo Rotella dilacerava.

jorgecoli@uol.com.br


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