São Paulo, domingo, 15 de outubro de 2000

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+3 questões Sobre feminismo
1. Quais as principais conquistas do movimento feminista? 2. Vivemos numa época pós-feminista? 3. O que quer a mulher do século 21? Rose Marie Muraro responde

1.
No início do século 20, as mulheres eram 15% da força de trabalho mundial. Nos anos 50 e 60, cria-se a sociedade de consumo e, com ela, mais máquinas do que machos. Já nos anos 70, as mulheres passam a 35% . E se organizam no mundo inteiro (o feminismo nada mais é do que a organização do feminino). Hoje somos praticamente 50% da mesma população economicamente ativa. No Brasil, 45%. A grande conquista do feminino foi organizar a entrada da mulher como sujeito maior da história, a mesmo título que o homem.

2.
Não! Pós significa negação. Seria mais um neofeminismo. Hoje acabaram-se os movimentos de grande impacto na mídia, necessários no início. Mas, nos países desenvolvidos, as feministas são muitas. Só nos EUA são mais de 50 milhões (40% da população feminina, segundo dados do próprio governo americano). E estão absorvidas pelo Estado e pelo sistema econômico ou em ONGs com uma luta ativa pela humanização do sistema. E, graças à sua organização, nos EUA as mulheres já ganham 95% do que ganham os homens pelo mesmo trabalho. Aqui, como o preconceito ainda é forte, e débil a organização, chegamos apenas a 67% (dados do IBGE). No século 19, o primeiro feminismo (sufragismo) reivindicava apenas os direitos básicos da cidadania (voto, emprego remunerado, educação etc.). Hoje desejamos chegar ao poder para mudar a sua natureza de privilégio em serviço (que leva à solidariedade e à descentralização, portanto à desconcentração do dinheiro). Esse é o consenso internacional. E há uma possibilidade séria de uma mulher feminista chegar à Presidência da República em alguns países, por exemplo, nos EUA ou no Brasil.

3.
No plano coletivo, as mulheres têm como meta básica a preservação da espécie. Elas são 80% das lutas ecológicas, 90% das lutas antiarmamentistas e 70% das lutas populares. Isso quer dizer que elas estão entrando na contramão da história, uma história de guerras, violência e desigualdades.
Essa é hoje a atitude concreta das mulheres, que visa à humanização das estruturas de Estado e do mercado econômico, essencial para reverter o processo de destruição ao menos até 2050, considerado o "ponto de não-retorno" pelos ecólogos da Rio 92. No plano individual, tentar fazer do homem não um opressor, mas um amante! Essa já é uma pauta bastante pesada para o século 21!

Luiza Nagib Eluf responde

1.
O movimento feminista foi fundamental para mudanças importantes na vida da mulher, tanto com relação à sua posição social quanto em relação às suas condições psicológicas. Antes das feministas, nada havia sido feito pelas não-feministas para eliminar as injustiças e diminuir a opressão que tanto sofrimento causaram às mulheres. Todas aquelas que, de alguma forma, lutaram para alcançar a igualdade de direitos entre homens e mulheres foram e são feministas, mesmo que não saibam disso.
Ser feminista é estar do lado da Justiça, da liberdade, da dignidade humana, do respeito à integridade de cada pessoa. É rejeitar a escravidão sexista, é negar a discriminação e promover o bem-estar das pessoas, independentemente de gênero e de condição social.
O movimento feminista conquistou tudo de mais importante para a mulher. É claro que ainda falta avançar em muitos pontos, as conquistas não estão concluídas. No Brasil, as mulheres alcançaram a igualdade plena de direitos com os homens na Constituição Federal de 1988. Temos uma Constituição moderna, igualitária, cidadã. Na prática, a igualdade ainda não é completa, mas estamos caminhando para isso.

2.
Ainda não chegamos lá. Estamos vivendo um momento de modificação do movimento feminista, alteramos nossas estratégias porque a sociedade já mudou bastante, mas as conquistas ainda precisam ser consolidadas. Não somos mais "guerrilheiras", como no início. Entendo como pós-feminismo o momento em que poderemos relaxar e aproveitar os espaços abertos para nós. Ainda não podemos fazer isso. Há, na sociedade ocidental, redutos exclusivamente masculinos. As mulheres ainda enfrentam a dupla jornada, salários menores para trabalho igual. No mundo oriental, há países em que as mulheres ainda são verdadeiras escravas. Está evidente que não poderemos descansar tão cedo, e o feminismo ainda tem muito a fazer.

3.
A mulher do século 21 quer o que sempre quis toda mulher: liberdade, amor, sexo, reconhecimento profissional, respeito, convivência social pacífica, integração com os homens mais adequada, equilíbrio emocional, segurança, educação e saúde. Não há mistério: as mulheres querem a mesma coisa que os homens, ou seja, um mundo melhor para todos.

QUEM SÃO

Rose Marie Muraro
É escritora e uma das fundadoras, em 1985, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Autora, entre outros livros, da autobiografia "Memórias de uma Mulher Impossível" (Ed. Rosa dos Tempos).

Luiza Nagib Eluf
É procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Foi secretária nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça (governo Fernando Henrique Cardoso). É autora do livro "Crimes contra os Costumes e Assédio Sexual" (Ed. Jurídica Brasileira), entre outros.


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