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Natacha Pisarenko - 13.set.2002/ Associated Press
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Funcionários públicos protestam contra redução de salários em Buenos Aires |
O som sem sentido
"O Silencieiro" acompanha a luta obsessiva de um personagem em busca do silêncio em uma cidade grande
CRISTOVÃO TEZZA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A
lguém que dedica
sua vida a fugir dos
ruídos, em busca de
um impossível silêncio -esse é o tema de "O Silencieiro", do escritor argentino Antonio di Benedetto (1922-86). Pouco conhecido entre nós, Benedetto é
mais um daqueles casos inextricáveis que costumam florescer na Argentina, como Roberto Arlt, Witold Gombrowicz,
Ernesto Sabato e Borges.
Um dos traços em comum
desse elenco díspar seria talvez
o senso agudo de deslocamento
de quem vive em lugar nenhum, de estrangeiro, enfim
(como o próprio Gombrowicz,
que era polonês).
Trata-se de uma maldição latino-americana, mas que encontra na Argentina uma força
literária poderosa.
Em alguma cidade da América Latina, um personagem sem
nome, jovem candidato a escritor, trabalha num escritório e
vive com a mãe, viúva; tem um
amigo, Besarión, e conhece
duas moças, Leila (que ele
ama) e Nina (com quem se casa). Com esse enxuto esqueleto
narrativo -ao longo do livro
pouco saberemos dos personagens além das informações acima- o texto acompanha a luta
do protagonista em busca do
silêncio, uma atividade que é
de fato a preocupação central
de sua vida inteira; nada mais o
interessa.
Viver é mudar interminavelmente de uma casa para outra,
procurando o silêncio.
Narrado em primeira pessoa,
acompanhamos a solidão encrespada de alguém incapaz de
transigir um afeto, de transcender seu solipsismo absurdo,
de nos falar de outras coisas; e,
no entanto, ele nos prende.
É mesmo com volúpia que o
narrador mergulha em seu inimigo, o ruído, no seu realismo
cru, para dali extrair a essência
que sustenta a história: "Os
mecânicos dissecam motores,
alguns sob o olhar precavido do
dono do carro; fendem e limam
com chiados coisas de metal;
testam a seco o motor recém-consertado, aceleram fundo e
ruge a máquina; acionam um
escapamento, e este gaseifica
com uma cadeia de explosões".
Fugas possíveis
Farejando a todo instante a
ameaça iminente dos ruídos -a
oficina mecânica, o alto-falante, a festa no bar, o ônibus imóvel com o motor ligado, os rádios em toda parte-, o "silencieiro" maquina as fugas possíveis daquele inferno (nada
mais que a vida comum em
qualquer cidade), desde os tampões de cera no ouvido até, finalmente, o crime, depois de
buscar todas as tentativas legais de obter silêncio.
No comovido prefácio que
abre o livro, o conterrâneo
Juan José Saer (1938-2005) define a prosa de Benedetto, no
universo argentino, como "a
mais original do século", de alguém que não recebeu influências. Há certamente exagero na
afirmação (sente-se nele, por
exemplo, a presença de "O Estrangeiro", de um Albert Camus já aculturado -o crime do
silencieiro tem um motivo),
mas a originalidade bruta deste
autor é inegável.
A narrativa não se entrega de
fato a nenhum registro mais ou
menos típico, embora dê ao leitor sempre a sombra de uma familiaridade.
A idéia de que estaríamos diante de uma fábula kafkiana
não se sustenta, porque de fato
não há nada, digamos, "onírico"
no livro -ele é de um realismo
atroz, e esse cruzamento de intenções (uma suposta parábola
moral sendo contrariada pelos
estritos regulamentos da vida
cotidiana) cria uma ambigüidade difusa e angustiante.
Ao mesmo tempo, é um homem que nos fala de sua luta no
momento mesmo em que ela
ocorre -a presentificação narrativa é outro elemento forte de
empatia; e, tomadas as cenas
em seu isolamento, elas são
"verossímeis".
Não há nada de extraordinário em reclamar do vizinho ao
síndico ou à prefeitura do bar
da esquina -pois o nosso herói
não faz outra coisa na vida. O
que é outro engano: na verdade,
ele não nos "conta" outra coisa.
Quando casou, por exemplo,
diz apenas, num parágrafo de
duas palavras: "Tomo esposa".
E prosseguem as mudanças em
busca da paz.
Força da linguagem
Chegamos aqui à força da linguagem que constrói o texto,
um estilo que em si já é uma crise de visões de mundo.
O revolucionário que busca o
silêncio e que sonha com o livro
que irá escrever se expressa sob
a camisa-de-força de uma interessantíssima formalidade parnasiana, como nesta maravilhosa descrição do uso de um
torno mecânico: "Sigo do torno
a laboriosa andança, o curto
trecho que preludia a fricção do
metal, anterior à pausa, seu respiro, que me concede um instante de esperança, e, mal a deixa nascer, já a destruiu".
Há solenidade em tudo: "O
alimento que ingiro no almoço
não se amolda a seu destino imperceptível". Mas também no
estilo supostamente engravatado aparece um contraponto
ríspido em frases curtas, nos
diálogos irritados, como se a
"sobranceria" que vê o mundo
do alto -esse atavismo hispânico- respirasse num habitat
impossível, esmagado de ruídos, incompatível com a grandeza sonhada, a única capaz de
justificar a vida.
CRISTOVÃO TEZZA é escritor, autor de "O Fotógrafo", "Breve Espaço entre Cor e Sombra" e
do ensaio "Entre a Prosa e a Poesia - Bakhtin e o
Formalismo Russo" (ed. Rocco) .
O SILENCIEIRO
Autor: Antonio di Benedetto
Tradução: Maria Paula Gurgel
Ribeiro
Editora: Globo (tel. 0/xx/11/ 2199-8888)
Quanto: R$ 28 (160 págs.)
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