São Paulo, domingo, 15 de novembro de 1998

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PONTO DE FUGA

Construções do passado

JORGE COLI
especial para a Folha

Salvo poucas e honrosas exceções, a História de nossa arquitetura tem sido pobre, muito pobre. É verdade que esse panorama tem melhorado bastante, mas, ainda hoje, em maioria, seus autores são arquitetos que, se revelam amor por seu objeto, não o sustentam com as exigências do historiador. A fraqueza do método, a insuficiência dos estudos de casos singulares são substituídas por um ensaísmo propenso a explicar o particular por meio de generalizações simplistas. Pela primeira vez, um livro avança na História da História de nossa arquitetura para fazer-lhe a crítica. Com um título provocador: "Por uma História Não Moderna da Arquitetura Brasileira" (Pontes ed.), ele propõe uma aguda e corajosa reflexão. Corajosa, porque o autor, Marcelo Puppi, conduz seu pensamento até a produção mais atual: ora, os domínios dos arquitetos tendem ao inatacável e à sacralização, à suficiência e ao indiscutível. Puppi escolhe um recorte preciso: o período que, no Rio de Janeiro, precede à geração dos modernos -isto é, a de Lúcio Costa ou Niemeyer- e examina o modo como a História, moderna, o tratou. O núcleo determinante, que conformará os pensamentos futuros, são os escritos de Lúcio Costa. A partir daí, de maneira implacável , o autor vai desmontando, um a um, os preconceitos estéticos, a falta de fundamentação historiográfica, a fragilidade dos raciocínios, as intuições sumárias que se instalam como leis axiomáticas. Livro que se lê de um fôlego, estimulante e iluminador para o pensamento sobre nossas artes.

SEMPRE-VIVA - Anne Rice escreve sobre a imortalidade em "The Vampire Armand" (Knopf), ainda não lançado no Brasil. Como seus antepassados literários, ela se esmera em cultivar certas exacerbações e, no frêmito provocado, a frase encontra sua razão de ser. Inversões de todo tipo e metáforas se entronizam como perversas por serem vazias, caudalosas fontes do horror com brilhos de "guilty pleasure". A imortalidade, que está na própria natureza das grandes obras, das religiões e dos vampiros, figura com proeminência na trama. Dela provém a vertigem da vida humana aumentada à grandeza do milênio; para seus protagonistas uma semana pode ser feita de séculos. São personagens maiores do que a História, cujo traçado se subordina a uma curiosa indiferença "new age".

GOLPE - Os prêmios conferidos pelo Ministério da Cultura a artistas consagrados criam situações que chegam às raias do grotesco. Na falta de outro meio, esse Ministério inerte, sem uma política efetiva de estímulo à criação, esquecendo artistas jovens ou mais obscuros, manobra pequenamente ao distribuir dinheiro para quem não precisa, tentando, assim, recuperar um pouco para si o sucesso e o prestígio alheios.

OLÉ - "Carmen", no Theatro Municipal de São Paulo. Luis Lima, estupendo D. José; voz soberba de Carolyn Sebron. Rara força expressiva no último dueto, onde, como um menino perdido, o pequeno tenor rodeava uma Carmen monumental. Excelentes Coral Lírico e orquestra, mas Bizet pôde mostrar-se mais difícil do que Mahler para um Karabtchevsky incapaz tanto de melancolia elegíaca (o modo como ele assassinou o prelúdio do terceiro ato), quanto de ritmos pulsantes.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com



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