|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Pesquisadora rebate ataques a Antonio Candido
WALNICE NOGUEIRA GALVÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Até agora Antonio Candido
não tinha sido publicado em
Portugal, mas, como é sabido, lá se lê a mesma língua,
portanto é difícil ver a importância
de tal evento quando comparado
com a publicação de traduções em
outros países. Inclusive porque ninguém lê português, seja de que país
provier. Na presente antologia, o organizador, Abel Barros Baptista,
contrastando com Antonio Candido, que escreve um prefácio de três
páginas e meia, assina um posfácio
que ultrapassa 30 páginas, aliás mais
extenso do que qualquer dos textos
incluídos. É desse posfácio que vamos tratar.
Sua extensão se justifica, pois o organizador aproveita o ensejo para
fazer um ajuste de contas com Antonio Candido -não, como seria de
esperar, com os ensaios por ele mesmo selecionados, mas sim com a
"Formação da Literatura Brasileira"
[disponível em publicação da editora Itatiaia].
Ou seja, com outro livro, que não
está ali.
Questão mal colocada
Um primeiro ponto começa reproduzindo a conhecida afirmação
de nosso ensaísta, de que, enquanto
os românticos ainda tinham os portugueses como referência, ao procurar superá-los e reivindicar autonomia, os modernistas já decidem desconhecê-los.
Nada mais cristalino. Mas leva o
organizador a afirmar que foi Antonio Candido, como crítico de cepa
modernista e como professor, quem
estabeleceu esse desconhecimento,
ao naturalizá-lo, dando-o como
conseqüência "natural" da formação de nossa literatura.
Uma queixa não insinuada, mas
explicitada com todas as letras, é a de
que Antonio Candido nunca tenha
tratado de literatura portuguesa, a
não ser num artigo sobre Eça de
Queirós dos idos de 1940. Concordaremos, se não levarmos em conta
que a "Formação" mostra intimidade com essa literatura -e, aliás,
igualmente com outras de várias nacionalidades.
Pesa na argumentação o asserto de
que existem duas coisas separadas:
uma é a tradição da língua (não chamada de portuguesa) e a outra é a
nossa tradição. Ao insistir na constituição de uma tradição propriamente brasileira, nossos escritores e teóricos estariam, o que me parece óbvio, afirmando-se como independentes, abandonando a tradição da
língua, assim, sem gentílico. A menos que a língua (mesmo sem gentílico) seja tida aqui como monopólio
de algum país, o que é discutível.
O segundo ponto corre como segue. Uma literatura jamais começa
do grau zero, aniquilando a linhagem literária da língua em que se expressa. Por isso, o projeto romântico brasileiro de edificar uma literatura puramente nacional, independente da portuguesa, é ou inviável
ou cego. Aborda-se nesse lance a
discussão encetada por nosso ensaísta sobre as relações entre localismo e cosmopolitismo bem como
entre sistema literário e manifestações literárias.
Mas voltemos à "Formação". O
organizador observa que os críticos
desse livro, embora oferecessem alternativas diferentes, foram unânimes ao atacar certo ponto ao dizer
que Antonio Candido colocou mal a
questão da origem.
Mas os críticos tampouco acertam, porque a solução que sugere,
admirando-se de que ninguém tenha atinado com ela antes, é a de
que o problema não é genealógico,
mas teleológico, nosso crítico não
estando preocupado com a origem,
mas com o ponto de chegada, ao estudar um processo do ponto de vista
de sua completude. Não se vê bem
como poderia ser de outra maneira,
sob pena de anacronismo.
Admirável pela franqueza, o debate mais insistente gira em torno daquele famoso trecho do prefácio da
"Formação" em que nosso crítico
observa que a literatura brasileira é
galho de um arbusto por sua vez secundário no jardim das musas.
Metáfora dolorosa
Toda a discussão vai e volta em
torno dessa metáfora, reiterada pelo
organizador, fazendo-nos aquilatar
o quanto ela pode ser dolorosa. De
qualquer modo, encaminha a súmula de que "no paradigma iluminista
em que Candido se filia, pela literatura tornada brasileira o Brasil se
constitui descendente e herdeiro da
razão universal". Gratos por nos dizer: é grande honra para nós.
Walnice Nogueira Galvão é professora titular de literatura na USP e autora de, entre
outros livros, "No Calor da Hora" e "Guimarães Rosa" (Publifolha).
Texto Anterior: "Crítico ainda é pouco conhecido na Alemanha" Próximo Texto: + livros: O regresso dos heróis Índice
|