São Paulo, domingo, 16 de janeiro de 2005

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Pesquisadora rebate ataques a Antonio Candido

WALNICE NOGUEIRA GALVÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Até agora Antonio Candido não tinha sido publicado em Portugal, mas, como é sabido, lá se lê a mesma língua, portanto é difícil ver a importância de tal evento quando comparado com a publicação de traduções em outros países. Inclusive porque ninguém lê português, seja de que país provier. Na presente antologia, o organizador, Abel Barros Baptista, contrastando com Antonio Candido, que escreve um prefácio de três páginas e meia, assina um posfácio que ultrapassa 30 páginas, aliás mais extenso do que qualquer dos textos incluídos. É desse posfácio que vamos tratar.
Sua extensão se justifica, pois o organizador aproveita o ensejo para fazer um ajuste de contas com Antonio Candido -não, como seria de esperar, com os ensaios por ele mesmo selecionados, mas sim com a "Formação da Literatura Brasileira" [disponível em publicação da editora Itatiaia].
Ou seja, com outro livro, que não está ali.

Questão mal colocada
Um primeiro ponto começa reproduzindo a conhecida afirmação de nosso ensaísta, de que, enquanto os românticos ainda tinham os portugueses como referência, ao procurar superá-los e reivindicar autonomia, os modernistas já decidem desconhecê-los.
Nada mais cristalino. Mas leva o organizador a afirmar que foi Antonio Candido, como crítico de cepa modernista e como professor, quem estabeleceu esse desconhecimento, ao naturalizá-lo, dando-o como conseqüência "natural" da formação de nossa literatura.
Uma queixa não insinuada, mas explicitada com todas as letras, é a de que Antonio Candido nunca tenha tratado de literatura portuguesa, a não ser num artigo sobre Eça de Queirós dos idos de 1940. Concordaremos, se não levarmos em conta que a "Formação" mostra intimidade com essa literatura -e, aliás, igualmente com outras de várias nacionalidades.
Pesa na argumentação o asserto de que existem duas coisas separadas: uma é a tradição da língua (não chamada de portuguesa) e a outra é a nossa tradição. Ao insistir na constituição de uma tradição propriamente brasileira, nossos escritores e teóricos estariam, o que me parece óbvio, afirmando-se como independentes, abandonando a tradição da língua, assim, sem gentílico. A menos que a língua (mesmo sem gentílico) seja tida aqui como monopólio de algum país, o que é discutível.
O segundo ponto corre como segue. Uma literatura jamais começa do grau zero, aniquilando a linhagem literária da língua em que se expressa. Por isso, o projeto romântico brasileiro de edificar uma literatura puramente nacional, independente da portuguesa, é ou inviável ou cego. Aborda-se nesse lance a discussão encetada por nosso ensaísta sobre as relações entre localismo e cosmopolitismo bem como entre sistema literário e manifestações literárias.
Mas voltemos à "Formação". O organizador observa que os críticos desse livro, embora oferecessem alternativas diferentes, foram unânimes ao atacar certo ponto ao dizer que Antonio Candido colocou mal a questão da origem.
Mas os críticos tampouco acertam, porque a solução que sugere, admirando-se de que ninguém tenha atinado com ela antes, é a de que o problema não é genealógico, mas teleológico, nosso crítico não estando preocupado com a origem, mas com o ponto de chegada, ao estudar um processo do ponto de vista de sua completude. Não se vê bem como poderia ser de outra maneira, sob pena de anacronismo.
Admirável pela franqueza, o debate mais insistente gira em torno daquele famoso trecho do prefácio da "Formação" em que nosso crítico observa que a literatura brasileira é galho de um arbusto por sua vez secundário no jardim das musas.

Metáfora dolorosa
Toda a discussão vai e volta em torno dessa metáfora, reiterada pelo organizador, fazendo-nos aquilatar o quanto ela pode ser dolorosa. De qualquer modo, encaminha a súmula de que "no paradigma iluminista em que Candido se filia, pela literatura tornada brasileira o Brasil se constitui descendente e herdeiro da razão universal". Gratos por nos dizer: é grande honra para nós.


Walnice Nogueira Galvão é professora titular de literatura na USP e autora de, entre outros livros, "No Calor da Hora" e "Guimarães Rosa" (Publifolha).


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