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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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Ponto de fuga

A grandeza dos trópicos

Eduardo Knapp - 14.jan.2003/Folha Imagem
Quadros da exposição "Albert Eckhout Volta ao Brasil", na Pinacoteca de São Paulo


Jorge Coli
especial para a Folha

Alguns já disseram que não se trata de um grande pintor. Talvez não seja. Mas o que ora se encontra exposto na Pinacoteca do Estado, em São Paulo, forma, sem nenhuma dúvida possível, um conjunto de grandes, soberbos, espantosos quadros.
De resto, sabe-se pouco de Albert Eckhout antes e depois de sua passagem pelo Brasil, de 1637 a 1644, quando veio trazido por Maurício de Nassau-Siegen. Eckhout não tratou aquilo que observava nos trópicos por meio de certos procedimentos já conhecidos, como o fez seu companheiro de viagem, Frans Post, ao incorporar as vistas pernambucanas no saber fazer do paisagista experiente. Os quadros de Eckhout mostram que o artista se defrontou com problemas singulares, aos quais deu soluções inéditas. A Pinacoteca, por uma perfeita concepção museográfica, pôs em valor os poderes dessas telas únicas.
Eckhout procede a um cruzamento de arte e ciência, onde a pintura deve expor informações: os diferentes aspectos de uma planta, por exemplo, os frutos abertos e fechados, como numa prancha de enciclopédia; os diferentes tipos humanos encontrados no Brasil, diante de uma paisagem carregada de sentidos. Mas Eckhout vai além do caráter descritivo e emblemático: ele sabe organizar esses dados por meio da arte mais alta, que confere vida a tudo. Disso resultaram obras que não possuem equivalentes na história da pintura, pelo sentido documental aliado à grandeza artística.

Olhar - Em 1979, Alexandre Eulalio (1932-1988) escrevia, no "Jornal da República", um artigo sobre Eckhout. Eulalio era capaz das análises mais admiráveis e finas, como esta, sobre as naturezas mortas: "Tenho a impressão de que a novidade maior oferecida pelas frutas e drogas do trópico que Albert Eckhout pintou repousa na perspectiva aberta pelo artista sobre o céu, amplo e luminoso. Um céu atravessado por nuvens de chuva, sim, mas que não são ameaçadoras: insinuam antes fecundidade e florescimento, um opulento ciclo natural que promete novas primícias e riquezas a quem souber aproveitar.
A messe abundante desse eterno outono colonial, onde várias vezes durante o ano a natureza produz novas searas, é assinalada nessas telas com monumentalidade triunfante e incontestável poder de convicção. Apoiados num parapeito de janela que é convite a viagens e conquistas, mamões, goiabas, maracujás, cocos, abóboras, pepinos, limões-doces, melancias, araçás, cajus, mendubis, pendões de canas, espigas de milho, abacaxis, mangabas informam, celebram e convidam ao mesmo tempo. A feira de amostras brasilianas fala ao espectador da glória de Deus e do bom-sucesso da Companhia, deixando ainda uma ponta para o desalento barroco relembrar que a vida passa, que a vida passa...".

Lugares - Nunca os óleos de Eckhout, que pertencem ao Museu Nacional da Dinamarca, tinham vindo ao Brasil como agora, por completo. Na exposição da Pinacoteca do Estado, em São Paulo, são acompanhados por um conjunto de documentos iconográficos e bibliográficos. Ela propõe também uma conjectura nova e convincente sobre a possível disposição original dessas telas, que deveriam ser penduradas no alto. As salas criam diálogos inteligentes entre as obras, e a "Dança Tapuia" foi posta em valor por uma estratégia muito brilhante. O catálogo é um instrumento rigoroso. Estudos de especialistas brasileiros e internacionais aprofundam o conhecimento do pintor e estabelecem o estado atual das diversas questões e hipóteses.

Riscos - Há uma estranha proibição na mostra Eckhout, da Pinacoteca. Ninguém pode tomar notas no recinto dos quadros. Ao que parece, é por causa de segurança. Escrever num caderninho ameaça as pinturas. A razão é difícil de adivinhar pelos mortais não iniciados nos arcanos da proteção de obras de arte. Especialistas dizem que o gás carbônico, exalado pela respiração, também é nocivo a pinturas. Deveriam propor que, nos museus, o público passe a usar escafandros.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br


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