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+ sociedade
Viagens insólitas
Lançado no Reino Unido,
livro compara
as práticas homossexuais
no islã e no Ocidente
PAUL BURSTON
Como acontece com
muitos ocidentais,
meus conhecimentos sobre o mundo
muçulmano são limitados. Minha única experiência
em primeira mão diz respeito a
uma viagem a Dubai, onde o
homossexualidade é ilegal e o
clima de homofobia é dominante. Como todo mundo, já
ouvi as histórias de terror vindas do Irã e da Arábia Saudita.
Portanto, devo confessar
que, quando me vi diante de
um livro intitulado "Gay Travels in the Muslim World"
[Viagens Gays no Mundo Muçulmano, org. Michael T. Luongo, ed. Routledge, US$ 19,95,
R$ 33], minha primeira reação
foi pensar "para quê?". Por que
não simplesmente viajar para
outro lugar?
A realidade, é claro, é que
aquilo a que comumente nos
referimos como "o mundo muçulmano" não é algo monolítico. Como mostra esta coletânea de histórias da vida real, existem muitas maneiras de
ser muçulmano.
Há a história do simpático
rapaz judeu que vai viver na
Mauritânia, na África, e transa
com homens locais, nenhum
dos quais tendo se identificado
como sendo gay. Há o homem
em Bangladesh que percorre os
pontos quentes locais e descobre um mundo de prostituição
e quartos alugados por menos
de US$ 1 por hora.
Há o próprio editor no Afeganistão, onde se surpreende
ao descobrir que, mesmo sob o
regime do Taleban, aconteciam
cerimônias de casamento entre
gays em Kandahar.
E há o serviço militar prestado por um soldado gay no Iraque e seu comovente encontro
com um homem a quem chama
de "o iraquiano gay".
Identidade
Luongo provavelmente discordaria da idéia de um "iraquiano gay". Em sua introdução, destaca que "existe uma diferença tremenda entre os modos como a homossexualidade
é expressa no mundo ocidental
e no mundo islâmico".
"Para simplificar uma questão muito complexa, na Europa, nos EUA e em lugares sob a
influência ocidental, o desejo e
os atos homossexuais se tornam a própria definição de uma
pessoa: criam uma identidade
que a separa do resto da sociedade.
Em boa parte do mundo islâmico, o desejo e os atos homossexuais são simplesmente um
aspecto entre outros, algo que
as pessoas fazem, mas não algo
que define uma pessoa mais
que qualquer outra característica sua."
Devo dizer que esse argumento não me convence inteiramente. As pessoas que se
identificam como gays não necessariamente se isolam do resto da sociedade, não mais do
que as pessoas que são muçulmanas automaticamente se
distanciam das que não o são.
Muitos gays vivem integrados de maneira feliz com seus
amigos e familiares heterossexuais, assim como muitos muçulmanos vivem integrados às
comunidades maiores em que
vivem. E, pelo menos em cidades como Londres, existem homens e mulheres que são tanto
muçulmanos quanto abertamente gays.
Repressão
A recusa da identidade gay
não é expressão de livre escolha, mas sintoma de opressão.
Imagino que algo semelhante deva acontecer em países
mais repressivos, em que as paradas de orgulho gay são proibidas e a homossexualidade é um
tabu tão grande que sua própria
existência é negada. Há poucos
meses o presidente iraniano
Mahmoud Ahmadinejad declarou diante de uma platéia universitária em Nova York: "No
Irã não temos homossexuais
como vocês têm em seu país".
E pode ser que realmente
não os tenham. Talvez tenham
homossexuais que têm medo
demais para assumir publicamente sua condição, como fazem os americanos, e que optam por enxergar-se como "homens que transam com homens", porque, francamente,
essa é sua única chance de sobrevivência.
Mas eles sobrevivem, e suas
histórias são uma leitura esclarecedora. Este livro não me levou a mudar meus planos para
as férias, mas me fez refletir seriamente sobre o significado de
ser gay e muçulmano. E isso
com certeza constitui um passo
na direção certa.
Este texto foi publicado no "Independent".
Tradução de Clara Allain .
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