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O gordo e o magro
DE ESTILOS OPOSTOS NA EVOLUÇÃO DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS, ALBERT UDERZO E ROBERT CRUMB VÊEM A ASCENSÃO METEÓRICA DOS MANGÁS A PARTIR DOS ANOS 90
JOÃO PEQUENO
DA REDAÇÃO
Fundador, em 1993, da
editora Conrad, uma
das principais responsáveis por alavancar os
quadrinhos no mercado brasileiro, Rogério de Campos, 46, vê o sucesso dos mangás japoneses e a consolidação
mundial dos livros em preto-e-branco -formato que consagrou Robert Crumb, autor lançado pela editora no país- como a "pá de cal" dos álbuns coloridos consolidados nos anos
50 por expoentes como Albert
Uderzo e seu parceiro René
Goscinny, criadores de Asterix.
Campos é otimista em relação ao crescimento do mercado nacional e acredita que essa
"maturidade" pode se traduzir
na criação local.
Embora seja entusiasta de
artistas como Laerte, Angeli,
Marcatti, Marcelo Quintanilha
e Lourenço Mutarelli, ele pondera que os quadrinhos brasileiros sempre se basearam nos
movimentos que aconteciam
no exterior, sem estabelecer
uma "linha evolutiva" própria,
conforme explica na entrevista
a seguir.
FOLHA - Qual é a importância de
Crumb e Uderzo/Goscinny para os
quadrinhos?
ROGÉRIO DE CAMPOS - Isso nunca
tinha me passado pela cabeça,
mas acho que representam movimentos opostos. Uderzo significa o impulso pela americanização dos quadrinhos europeus e, Crumb, a europeização
dos quadrinhos americanos.
Ainda que faça muitas referências a quadrinhos antigos, a
clássicos como Popeye, o universo dele é muito mais europeu, tanto que mora na França.
Enquanto isso, Uderzo e
Goscinny criaram o grande herói dos quadrinhos franceses,
embora Uderzo seja filho de
imigrantes italianos e o Goscinny tenha tenha pisado na
França já homem. É engraçado
que não são dois... franceses.
FOLHA - O curioso é que muitos
imaginam Asterix como símbolo antiimperialismo americano. Alguma
vez, Uderzo e Goscinny se colocaram nesse sentido?
CAMPOS - Na verdade, eles
sempre foram um tanto alienados. [Asterix] é basicamente
nacionalista, com toda aquela
xenofobia.
FOLHA - Que características mais se
destacam em cada um, Crumb e
Uderzo?
CAMPOS - Uma característica
comum aos dois é o gosto pelo
desenho. É visível que gostam
das figuras desenhadas, o que é
uma característica dos grandes
artistas dos quadrinhos.
A outra é que o Crumb vive
numa verdadeira aldeia gaulesa. Ele, a mulher, o amante da
mulher mora na casa em frente
e os vizinhos vão chegando.
Nesse sentido, o do desenho,
eles são comuns, mas, de resto,
são de gerações muito diferentes. Uderzo sonha com o "american way of life" dos anos 50 e
queria que a França se tornasse
um país como os EUA, enquanto Crumb abomina o que eles se
tornaram e queria que virassem uma vila francesa [ri].
FOLHA - Os estilos do Crumb e do
Uderzo deixaram quais seguidores
importantes?
CAMPOS - As influência de
Uderzo e Goscinny mais Hergé
[belga francófono, 1907-83],
criador do Tintin, moldaram
uma indústria no quadrinho
francês. Fizeram todos aqueles
personagens com o nariz de beterraba que assola o quadrinho
francês -e que é um tédio.
É diferente quando você fala
do Crumb, que com o passar do
tempo vai se afirmando como o
grande autor dos quadrinhos
ocidentais da segunda metade
do século 20. O "Maus", do Art
Spiegelman (Cia. das Letras), é
obviamente e assumidamente
derivado dele...
Agora, essa nova geração
francesa, com o David B., de
"Epilético" (Conrad), a Marjane Satrapi, de "Persépolis"
(Cia. das Letras), tem ligação
direta com ele. Tem outros, como o Christophe Blain, de
"Isaac, o Pirata" (Conrad), e até
o "American Splendor" (de
Harvey Pekar, ed. Vertigo).
FOLHA - O Crumb tem muita influência no Brasil?
CAMPOS - Sem dúvida... o Angeli, o Marcatti, ainda que este diga não gostar do Crumb, têm
toda a influência da personalidade dele. Mesmo quando a
pessoa não se inspira do traço,
ele é uma referência de atitude,
de comportamento.
Hoje, dá para considerar que
o Crumb e os mangás são as
grandes influências do quadrinho mundial. E são o enterro, a
pá de cal no projeto de Goscinny e Uderzo.
Isso porque Asterix significou o auge de um modelo que
os europeus costumavam chamar de 48 c.c. -álbuns de 48
páginas e coloridos: é o formato
dele, é o formato de Tintin.
Em torno dele, se montou toda a indústria de álbuns de quadrinhos da França, principal
referência na Europa. Quadrinhos de direita, de esquerda, de
vanguarda, conservadores, de
ficção científica, policiais, infantis ou adultos, eróticos... Todos seguiram esse modelo.
FOLHA - E como ele foi "enterrado"
pelo Crumb e pelos mangás?
CAMPOS - Não é que não existam mais álbuns de 48 páginas,
coloridos. Eles continuam sendo produzidos na França e vendem muito, mas o que mais
cresce no mundo todo, inclusive nos EUA, é o formato de livro
preto-e-branco, ao qual Crumb
sempre esteve ligado e também
é o formato dos mangás.
FOLHA - O Crumb passa a ser bastante influente nos anos 60 e, ainda
mais, nos 70. E os mangás, quando
começam a tomar o Ocidente?
CAMPOS - Nos anos 90. Antes,
existiam como curiosidade, para segmentos específicos.
O que mudou totalmente a
história do mangá no Ocidente
foi "Dragonball", que entrou e,
em todo lugar onde foi publicado, vendeu mais do que os quadrinhos dos super-heróis americanos -menos nos EUA, é claro. Isso abriu a porteira para
todos os outros, o que criou a
indústria.
FOLHA - Como vê a evolução dos
quadrinhos no Brasil? Existe uma escola própria brasileira?
CAMPOS - É muito difícil falar
de uma linha evolutiva do quadrinho brasileiro, porque ele
está aberto ao que acontece lá
fora e as gerações se sucedem,
ao que parece, sem ter contato
com a geração precedente.
O que é diferente, por exemplo, de falar da bossa nova: por
mais revolucionária que possa
ter sido, todo mundo conhecia
Noel Rosa (1910-37) e Ismael
Silva (1905-78).
Não é o caso dos quadrinhos:
existia uma geração de terror e
aventura nos anos 60 que não
tinha nada a ver com a turma
do "Pasquim". E a ligação desta
com a "Balão" [revista fundada
por Laerte e Luiz Gê em 1972,
na USP] é muito tênue.
FOLHA - Quanto ao "Pasquim", que
foi muito forte até para a história
brasileira recente, qual foi a maior
influência estrangeira?
CAMPOS - Em primeiro lugar,
houve a passagem do Steinberg
[Saul Steinberg, desenhista
americano, 1914-99] pelo Brasil, que teve uma influência gigante sobre Millôr Fernandes...
Eles não eram adolescentes e,
mesmo quando ainda eram, já
tinham gostos de adultos. Então, as influências foram a
"New Yorker" e alguns quadrinhos europeus, mas sem relação com Goscinny e Uderzo.
FOLHA - Qual deve ser, então, o futuro da HQ no Brasil? Para que lado
ela vai?
CAMPOS - Ela tende a seguir o
que acontece no resto do mundo. Os quadrinhos são o segmento que mais cresce no mercado editorial. Enquanto livros
de referência sofrem bastante
com a concorrência da internet, os quadrinhos não param
de crescer e de aparecer nas listas de mais vendidos.
Como vai ser o desenvolvimento particular da produção
brasileira como linguagem específica, é um pouco difícil saber. Confesso estar curioso,
porque o Brasil ficou muito isolado das diversas formas de
quadrinhos que aconteciam no
mundo. Foram décadas dominadas pelos quadrinhos americanos, exclusivamente super-heróis e patos.
A exceção era o Maurício [de
Souza, criador da turma da Mônica], mas que era só para
crianças. Até o próprio Crumb
foi muito mal publicado no
Brasil.
Então, todo esse negócio está
sendo descoberto agora, mas,
por outro lado, o Brasil também está pulando etapas. A
gente [Conrad] está publicando
agora o "Jornada Oeste", que é
a primeira publicação no Ocidente de uma história em quadrinhos famosíssima na China.
Depois que compramos os
direitos, fiquei pensado; "Que
maluquice, como é que algo assim, que tem um nível, sei lá, do
Príncipe Valente ou do Tarzan,
não é publicado?". O desenho é
maravilhoso, a história é ótima.
Acho que essa maturidade
tende a gerar, no futuro próximo, coisas muito interessantes.
E já vejo algumas acontecerem.
Sem falar da minha editora, por
exemplo, o Marcello Quintanilha, Marcello Gaú [pseudônimo
que ele usava], é uma coisa especialmente única.
E os europeus e americanos
ficam falando, ficam surpresos... o Marcatti, o Lourenço
Mutarelli. Veja o Laerte, como
os quadrinhos dele vão rompendo clichês...
Seria muito bom para o Brasil ter um maior desenvolvimento, porque a linguagem de
quadrinhos tem tido um papel
essencial na indústria pop
mundial. É a base de Hollywood, é a base dos games e de
tudo mais.
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