São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2007

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Em busca do Eldorado

Cientista sem meias palavras

Conselheiro de d. João 6º, mas acusado de ajudar os franceses, Vandelli foi desterrado para os Açores

DA SUCURSAL DO RIO

Domenico Vandelli já era um cientista renomado na Europa quando chegou a Portugal, em 1764, acompanhado de outros italianos, entre eles o jardineiro-botânico Julio Mattiazzi, que seria o responsável por cuidar do Jardim Botânico da Ajuda e por organizar as remessas vindas dos correspondentes no Brasil.
Cinco anos antes, Vandelli mandara a Lineu sua descrição de uma espécie de tartaruga, recebendo do mestre uma aprovação entusiasmada. Publicada em 1761, a epístola teve grande repercussão.
Mas a especialização do saber, característica do século 20, era algo ainda fora de questão.
Os membros da Academia Real das Ciências de Lisboa opinavam em diversas áreas, escrevendo, por exemplo, as "Memórias Econômicas", nas quais Vandelli colaborou ativamente. Ele se tornou, oficialmente, conselheiro da realeza em 1799, nomeado por d. João 6º, alçado a príncipe-regente por causa da insanidade mental da mãe, d. Maria 1ª.
Nas memórias que escreve para d. João, ele não pisa em ovos: propõe demissão de ministros, diz que os gastos pessoais do regente devem diminuir e opina sobre as alianças internacionais de Portugal. Esse ponto iria lhe custar caro.
Vandelli não era francófilo e suas opiniões variavam de acordo com a conjuntura. Ele era pragmático, e sabia que as tropas portuguesas não teriam a menor chance contra as de Napoleão. "Se esperará que chegue o Exército francês para fazer a paz?", perguntou ele numa memória.
"Vale mais agora dar-se dez que depois por força cem, ou tudo, segundo a vontade do vencedor", aconselhou.
Vandelli defendia, principalmente, que o Brasil fosse preservado como colônia portuguesa. "Mas nunca lhes [aos franceses] seja livre a navegação do rio das Amazonas; ao contrário, se lhes conceda tudo o que Portugal possui na Ásia; mas conclua-se de uma vez essa irremediável paz".
Em alguns momentos, escreveu que não havia problema em Portugal se manter fiel à Inglaterra, contanto que esta lhe garantisse proteção contra França e Espanha -algo em que, talvez, ele não acreditasse muito. "Com o insignificante socorro inglês e com o nosso exército se poderá resistir aos franceses e castelhanos unidos", afirmou em 1796.

Prisão
Quando a família real rumou para o Brasil a fim de escapar de Napoleão, ele ficou. Passou a ser acusado por portugueses de "afrancesado" e de ter entregue aos invasores franceses o acervo de história natural do complexo da Ajuda, em Lisboa.
Foi preso em 1810, com seu filho Alexandre António Vandelli, e desterrado para os Açores. No ano seguinte, o naturalista inglês Joseph Banks conseguiu autorização para levá-lo para seu país. Vandelli só voltaria para Portugal em 1815, com a derrota de Napoleão.
No ano seguinte, quando morreu, seu projeto, iniciado três décadas antes, ganhou outras línguas, já que caiu a proibição de expedições estrangeiras ao Brasil.
Vieram, então, o francês Auguste de Saint-Hilaire (com o pintor Debret) em 1816; o alemão Johann von Spix e o austríaco Karl von Martius em 1817; e o alemão Heinrich von Langsdorf em 1824.
Localizada pelas pesquisadoras no Museu de História Natural de Paris, a lista do que o naturalista Geoffroy Saint-Hilaire encontrou no complexo da Ajuda e levou para a França -segundo ele, apenas itens duplicados, o que inocentaria Vandelli- aponta 2.855 peças.
São, por exemplo, 35 oriundas de Goa, 88 da Conchinchina (sul do Vietnã), 182 de Uppsala (cidade sueca onde viveu Lineu) e 1.400 do Brasil. A superioridade numérica traduz o que significava o Brasil para o cientista italiano.

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