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História
Floresta encantada
"O Rio da
Dúvida" narra
a viagem pela Amazônia realizada
pelo coronel Rondon e o ex-presidente dos EUA, Theodore Roosevelt,
em 1914
Reprodução
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O presidente dos EUA Theodore Roosevelt aponta para mapa; abaixo, índios nhambiquaras |
COLUNISTA DA FOLHA
De certa maneira, é
surpreendente que
a expedição Roosevelt-Rondon, em
1913, tenha terminado tão bem, com apenas três
mortos. Da vaidade ianque à
inutilidade estratégica, a viagem tinha tudo para terminar
em desastre não só logístico
mas diplomático.
Só não sucumbiram um ex-presidente e o futuro marechal
porque foram salvos do rio que
"puseram no mapa" e dos índios de suas margens pelos outros homens que lá viviam, bravos seringueiros.
É essa história maluca que a
jornalista americana Candice
Millard narra com profusão de
detalhes nas 395 páginas de "O
Rio da Dúvida - A Sombria Viagem de Theodore Roosevelt e
Rondon pela Amazônia" (Cia.
das Letras, trad. José Geraldo
Couto, 416 págs., R$ 53).
Primeiro livro da autora, que
carrega bagagem de anos como
editora na lendária "National
Geographic", exibe a cada página a minuciosa pesquisa que
lhe dá suporte. Como a história
é muito, muito boa, um bom levantamento já é meio caminho
andado, se não mais. Vale a leitura, com lucro.
Fuga do ostracismo
O popular herói de guerra
"Teddy" Roosevelt (1858-1919),
depois de governar os Estados
Unidos por dois mandatos, de
1901 a 1909, abandonou o leito
seguro do Partido Republicano
e concorreu a um novo mandato em 1912, pelo Progressista.
Perdeu. Aos 54 anos, planejou escapar do ostracismo como um dos últimos exploradores de uma virada de século que
já produzira Scott, Shackleton
e Amundsen. Problema: quase
não sobravam mais territórios
incógnitos e inóspitos.
A não ser, claro, pela mãe de
todas as selvas, no coração da
América do Sul.
Quando um amigo e padre jesuíta propuseram a Roosevelt
uma viagem tão mirabolante
quanto mal planejada ao subcontinente, o ex-presidente
embarcou de cabeça. O roteiro
fluvial inicialmente previsto,
mais turístico que exploratório,
foi abandonado em favor de outro mais interessante -e arriscado: percorrer e mapear um
rio desconhecido.
A idéia imprudente partiu do
ministro das Relações Exteriores do Brasil na época, Lauro
Müller. Ele teve, porém, o cuidado de incluir no convite um
guia experimentado, o franzino
coronel Cândido Maria da Silva
Rondon, positivista que já havia percorrido mais de 22 mil
km de floresta na tarefa de estender uma linha de telégrafo
pelo interior do país.
Rota para o fracasso
Em suas lendárias andanças
pelo mato, Rondon havia topado com as cabeceiras de um rio
que não se sabia aonde ia dar.
Batizou-o, por isso, como rio da
Dúvida. Não sem alguma relutância, aceitou depois a missão
de pajear o ex-presidente na tarefa de fazer seu levantamento.
A narrativa de Millard emprega várias páginas para mostrar como quase tudo na expedição, do equipamento às provisões e à escolha das equipes,
parecia escolhido a dedo para
conduzir a tropa em rota segura para o fracasso.
O forte da história, no entanto, está na reconstituição das
agruras por que passaram os
expedicionários, da penosa travessia do cerrado, por terra, à
enervante sucessão de cachoeiras e corredeiras que enfrentaram nos 1.600 km do rio da Dúvida, obrigando-os a varações
em que as pesadas canoas eram
arrastadas sobre roletes.
Na expedição que não progredia, Roosevelt e o filho Kermit estiveram à beira da morte,
por doença, afogamento ou inanição. Não terminaram numa
cova rasa em solo amazônico
porque os índios cintas-largas,
que os espreitavam, enigmaticamente desistiram de atacar.
Millard atribui o fato a uma
divisão de opiniões entre os índios da época, que reconstituiu
com base em entrevistas com
cintas-largas de hoje, quase um
século depois, numa das passagens da obra que soam menos
verossímeis.
Há outros trechos problemáticos no livro, como afirmações
contraditórias sobre a (in)fertilidade do solo amazônico, a implicância da autora com as "primitivas" canoas de um tronco
só do Brasil e explicações capengas sobre a origem da biodiversidade amazônica. Nada,
porém, que prejudique a fruição pelo não-especialista.
Teddy e Kermit saíram combalidos da aventura amazônica,
com marcas que nunca se apagaram. Rondon, nem tanto. Alguns dos momentos mais belos
saltam da torrente de experiências partilhadas para a rede de
seus escritos e memórias.
É o caso da descoberta da nobreza e da força recônditas nos
"camaradas" brasileiros, como
narra Rondon: "Dizem que os
brasileiros são indolentes!",
disse-lhe Roosevelt um dia.
"Bem, meu caro coronel, um
país que dispõem de homens
como estes tem um grande futuro diante de si, e certamente
levará a cabo as maiores realizações do mundo."
Hoje ninguém mais se importa com o rio Roosevelt, a
não ser talvez pescadores aficionados. Mais que emoções, a
aventura canhestra que o pôs
no mapa traz muitas lições -a
começar pela constatação de
que, na selva, estatura e humildade constituem grandezas no
mínimo relativas. (MARCELO LEITE)
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