|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Livros
Guerra verde
"O Ecologismo dos Pobres" analisa o crescente embate pelas reservas ambientais entre o 1º e
o 3º mundos
JOSÉ AUGUSTO PÁDUA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nos anos 70, quando
a questão ecológica começou a motivar o surgimento
de organizações e
mobilizações sociais de alto
perfil público, ganhando um
espaço importante na mídia,
vários analistas interpretaram
o fenômeno como sendo resultado de uma agenda aquisitiva
cada vez mais sofisticada.
A teoria de Abraham Maslow
sobre a existência de uma "hierarquia das necessidades" foi
bastante utilizada naquele contexto. Segundo Maslow, os seres humanos buscavam satisfazer suas necessidades com base
em uma escala que vai do mais
ao menos material. Ou seja,
primeiro se cuida de encher a
barriga e bem mais tarde, se for
possível, pode-se pensar em
objetivos como sentir prazer
estético e auto-realização.
Para o cientista político Ronald Inglehart, cuja teorização
marcou época, o ecologismo da
época era cultivado fundamentalmente por jovens que cresceram no contexto das ricas sociedades ocidentais do pós-guerra.
A superação das carências
materiais básicas abria espaço
para o aparecimento de demandas "pós-materiais" por
um ambiente com menos barulho, poluição e feiúra.
Os pobres precisavam se
ocupar com a busca por comida, emprego e moradia.
As inquietações com a qualidade de vida, para não falar em
valores universais como a sobrevivência da humanidade e a
conservação da biodiversidade,
eram privilégio dos mais ricos.
Nas últimas décadas, porém,
uma série de dinâmicas sociais
concretas ajudou a demolir o
componente mecanicista e, em
grande parte, preconceituoso
dessa leitura.
O quadro tornou-se mais
complexo quando, em paralelo
com o ecologismo de classe
média, mas com ele interagindo de diversas maneiras, observou-se o surgimento de um vibrante ecologismo popular.
Nas mais diferentes latitudes, em contextos rurais ou urbanos, comunidades pobres
começaram a envolver-se em
intensos conflitos socioambientais, produzindo sua própria interpretação da questão
ecológica.
Na geografia desses conflitos, aliás, o Brasil tem sido um
espaço de grande relevância.
O movimento dos seringueiros acreanos contra a destruição florestal, liderado nos anos
1980 por Chico Mendes, se tornou um ícone internacional no
aparecimento dessa corrente,
juntamente com o movimento
de mulheres camponesas em
defesa das florestas do Himalaia indiano, que recebeu o nome de Chipko (abraço).
Esforço de síntese
De lá para cá, os exemplos
não pararam de se multiplicar,
como no caso das lutas de pescadores pobres das regiões tropicais, inclusive no Nordeste,
contra a destruição de manguezais pelas empresas de criação
de camarões.
Ou no caso dos inúmeros embates nas zonas industriais das
grandes cidades contra a contaminação do espaço vivido por
emissões industriais ou depósitos de lixo tóxico.
"O Ecologismo dos Pobres",
do economista Joan Martinez
Alier, professor da Universidade Autônoma de Barcelona,
vem causando bastante impacto por representar uma das primeiras tentativas de fôlego no
sentido de realizar um inventário global do fenômeno e refletir sobre o seu significado.
Poucos autores estariam tão
preparados como Alier para
empreender esse esforço inicial de síntese.
Em primeiro lugar, por sua
sólida e erudita formação como
cientista social, estimulada pela ira democrática do antifranquismo catalão e lapidada no
ambiente investigativo e multicultural do Saint Antony's College, da Universidade de Oxford [Reino Unido].
Em segundo lugar, pela disposição para colocar os pés na
lama das favelas e no húmus
das florestas, buscando observar diretamente os "conflitos
ecológicos distributivos" que
ocorrem nos mais diversos países e regiões.
Uma observação sempre participante e solidária, demonstrando que a boa produção de
conhecimento não requer uma
atitude de cinismo e indiferença diante dos sofrimentos e esperanças dos seres humanos.
Conflitos e iniciativas
"O Ecologismo dos Pobres"
alterna capítulos mais teóricos
e mais empíricos, sempre buscando uma ponte entre as duas
dimensões. Um dos pontos altos do trabalho está no vasto repertório de conflitos e iniciativas que ele analisa, do nível local ao global.
O livro nos faz conhecer a
mobilização de comunidades e
organizações populares diante
dos impactos produzidos, entre
outros fatores, pela mineração
a céu aberto, pela extração de
petróleo, pela construção de represas (inclusive no Brasil, onde há um forte Movimento dos
Atingidos por Barragens) ou
pela transposição de rios (como
no caso do São Francisco).
Um item recorrente são os
conflitos pelo uso da água para
fins empresariais ou para consumo das populações.
Um capítulo inteiro é dedicado ao megaconflito entre os
países ricos e pobres pelo uso
do espaço ambiental planetário, já que os primeiros, no
exemplo mais notório, vêm se
apropriando de uma parcela
desproporcional da atmosfera
para a emissão dos seus gases,
gerando uma dívida ecológica
com o restante da humanidade,
que sofre as conseqüências da
mudança climática.
Para Alier, o ecologismo dos
pobres produz uma terceira opção diante das duas grandes
correntes que, de maneira muito geral, organizam a cultura
ecologista contemporânea: o
culto à vida silvestre (que vê a
natureza -ou, pelo menos,
suas paisagens mais exuberantes- como um valor intrínseco
a ser preservado da ação humana) e a ecoeficiência (que vê a
natureza como um conjunto de
recursos a serem utilizados por
meio de tecnologias mais cuidadosas e sustentáveis).
A terceira opção constrói
uma ecologia das condições cotidianas de vida, vendo o ambiente como espaço de afirmação de direitos e de luta pela
"justiça ambiental".
Basta fazer um pequeno esforço de observação geográfica
para notar que as fábricas mais
poluentes, os depósitos de lixo
mais perigoso e o barulho das
motosserras não costumam estar presentes na proximidade
de onde vivem os ricos.
Politização
O autor ironiza o uso da idéia
de pós-material quando as sociedades e economias se imbricam cada vez mais nos gigantescos fluxos de matéria e energia mobilizados pela civilização
urbano-industrial.
O que está ocorrendo, de fato, é uma crescente politização
do mundo material, em que o
ambiente natural/social se torna lugar de embate entre diferentes visões culturais, critérios de valoração, modelos tecnológicos, objetivos socioeconômicos etc.
Ao defender a qualidade ambiental como um direito social
coletivo, o ecologismo dos pobres amplia os horizontes da
democracia, criando barreiras
à apropriação autoritária do
território e à degradação do espaço comum para favorecer poderosos interesses privados.
JOSÉ AUGUSTO PÁDUA é pesquisador visitante na Universidade de Oxford e professor do departamento de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O ECOLOGISMO DOS POBRES
Autor: Joan Martinez Alier
Tradução: Maurício Waldman
Editora: Contexto
(tel. 0/xx/11/ 3832-5838)
Quanto: R$ 53 (384 págs.)
Texto Anterior: + Mídia: O rei da CNN Próximo Texto: + Lançamentos Índice
|