São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2008

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+cultura

Filósofos ao piano

Ensaio discute a relação de Nietzsche, Sartre e Barthes com a música e sua nostalgia da maternidade

JEAN BIRNBAUM

François Noudelmann gosta dos filósofos. Ele próprio pianista, desenvolveu uma escuta terna da filosofia em seu novo livro.
Em "Le Toucher des Philosophes - Sartre, Nietzsche e Barthes au Piano" [O Toque dos Filósofos - Sartre, Nietzsche e Barthes ao Piano, ed. Gallimard, 190 págs., 16, R$ 47], aborda a música como um espaço discreto e fabuloso, em que os filósofos marcam encontro com seus admiradores para lhes mostrar um rosto radicalmente novo. Coloque esses espíritos brilhantes diante de um piano, diz ele, e de repente os verá de um modo como nunca antes os viu.
Com muita doçura, o autor apresenta três deles. Retrata o velho Sartre em seu apartamento parisiense, sentado sobre uma cadeira simples e dedilhando como pode os noturnos de Chopin com seus dedos desajeitados, que acariciam as teclas sem penetrar o teclado.
Mostra um Nietzsche solitário, errando entre pensões e quartos de hotel, e cujas mãos tão finas impunham a Wagner uma doçura feminina. Descreve a intimidade de Barthes com o instrumento quando, todas as tardes, tocava Schumann ao lado da mãe.
Schumann, para Barthes, era o compositor "da criança que não tem outro vínculo senão com a mãe".

Mergulho no feminino
Além das diferenças entre eles, existe aqui um ponto em comum entre esses três homens: para cada um deles, o piano é uma "religião maternal"; ele carrega a nostalgia de uma infância em que o pai estava ausente e a música era estreitamente associada a um mergulho no feminino.
"Mal sabia tocar, o pequeno Friedrich já compunha duas sonatas para sua mãe", lembra Noudelmann. Quanto ao jovem Sartre, que odiava a música de igreja que seus avós tanto prezavam, aprendeu a apreciar outro tipo de música ouvindo sua mãe interpretar as variações de César Franck, antes de mergulhar com ela nas delícias do piano a quatro mãos.
Mas, se o autor se alonga dessa maneira sobre as ligações entre a exaltação musical e a filiação materna, não é para fazer uma análise freudiana da relação que esses três intelectuais tiveram com o piano. Antes, é para destacar que essa prática engaja uma memória carnal, um tempo de intimidade que remete àquilo que o desejo humano tem de mais incontrolável. Ele revela a dissonância entre elaboração intelectual e impulso carnal: "A prática do piano faz parte dessas temporalidades discretas que fogem do discurso da maestria, sujeita aos riscos do passivo e do descontínuo", observa.
Noudelmann não prepara nenhuma armadilha para os filósofos que acompanha. Deseja apenas apreender o que acontece nessa "caminhada" que os leva para fora de si mesmos.

A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain.



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