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+cultura
Filósofos ao piano
Ensaio discute a relação de Nietzsche, Sartre e Barthes com a música e sua nostalgia da maternidade
JEAN BIRNBAUM
François Noudelmann
gosta dos filósofos. Ele
próprio pianista, desenvolveu uma escuta
terna da filosofia em
seu novo livro.
Em "Le Toucher des Philosophes - Sartre, Nietzsche e
Barthes au Piano" [O Toque
dos Filósofos - Sartre, Nietzsche e Barthes ao Piano, ed. Gallimard, 190 págs., 16, R$ 47],
aborda a música como um espaço discreto e fabuloso, em
que os filósofos marcam encontro com seus admiradores
para lhes mostrar um rosto radicalmente novo.
Coloque esses espíritos brilhantes diante de um piano, diz
ele, e de repente os verá de um
modo como nunca antes os viu.
Com muita doçura, o autor
apresenta três deles. Retrata o
velho Sartre em seu apartamento parisiense, sentado sobre uma cadeira simples e dedilhando como pode os noturnos de Chopin com seus dedos
desajeitados, que acariciam as
teclas sem penetrar o teclado.
Mostra um Nietzsche solitário, errando entre pensões e
quartos de hotel, e cujas mãos
tão finas impunham a Wagner
uma doçura feminina.
Descreve a intimidade de
Barthes com o instrumento
quando, todas as tardes, tocava
Schumann ao lado da mãe.
Schumann, para Barthes, era o
compositor "da criança que
não tem outro vínculo senão
com a mãe".
Mergulho no feminino
Além das diferenças entre
eles, existe aqui um ponto em
comum entre esses três homens: para cada um deles, o
piano é uma "religião maternal"; ele carrega a nostalgia de
uma infância em que o pai estava ausente e a música era estreitamente associada a um
mergulho no feminino.
"Mal sabia tocar, o pequeno
Friedrich já compunha duas
sonatas para sua mãe", lembra
Noudelmann.
Quanto ao jovem Sartre, que
odiava a música de igreja que
seus avós tanto prezavam,
aprendeu a apreciar outro tipo
de música ouvindo sua mãe interpretar as variações de César
Franck, antes de mergulhar
com ela nas delícias do piano a
quatro mãos.
Mas, se o autor se alonga dessa maneira sobre as ligações
entre a exaltação musical e a filiação materna, não é para fazer
uma análise freudiana da relação que esses três intelectuais
tiveram com o piano.
Antes, é para destacar que essa prática engaja uma memória
carnal, um tempo de intimidade que remete àquilo que o desejo humano tem de mais incontrolável.
Ele revela a dissonância entre elaboração intelectual e impulso carnal: "A prática do piano faz parte dessas temporalidades discretas que fogem do
discurso da maestria, sujeita
aos riscos do passivo e do descontínuo", observa.
Noudelmann não prepara
nenhuma armadilha para os filósofos que acompanha. Deseja
apenas apreender o que acontece nessa "caminhada" que os
leva para fora de si mesmos.
A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain.
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