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Selva de espelhos
Romance "Árvore de Fumaça", de Denis Johnson, desponta como um dos clássicos sobre a Guerra do Vietnã
MICHIKO KAKUTANI
Árvore de Fumaça", o
novo e ambicioso
romance de Denis
Johnson, parece
uma variação alucinógena e distorcida de clássicos alucinógenos e distorcidos
sobre o Vietnã como "Apocalypse Now", de Francis Ford
Coppola, "Despachos do
Front", de Michael Herr, "Dog
Soldiers", de Robert Stone, e
"Meditations in Green", de Stephen Wright.
O personagem central é um
homem que se vê como a combinação entre o americano
tranqüilo e o americano feio, e
um segundo personagem se assemelha a uma versão atualizada do Kurz de "O Coração das
Trevas" [de Joseph Conrad].
O espantoso é que ele consegue tomar esses elementos derivativos e fazer deles algo de
altamente original e poderoso.
Ainda que "Árvore de Fumaça" seja prejudicado por uma
trama errática e irregular, o livro é uma história forte sobre a
experiência norte-americana
no Vietnã, com ecos perturbadores quanto à atual experiência norte-americana no Iraque.
É uma história sobre serviços de informação ineficientes
e mancadas militares e sobre
pessoas que perderam o rumo.
Essa é a preocupação central
na carreira de Johnson. Quer a
narrativa tenha como cenário
os EUA do futuro ("Fiskadoro"), a Nicarágua dos anos 80
("The Stars at Noon") ou, no
caso de seu trabalho mais recente, o Vietnã dos anos 60, o
escritor promove de maneira
coerente uma visão dos EUA
como país sob o domínio de sonhos deslocados e ilusões escancaradas, determinado a exportar sua loucura ao mundo.
Espectro alarmante
O elenco de personagens
também é semelhante de livro
a livro: um espectro alarmante
de lunáticos, vagabundos e nômades, perdidos, danados e
despossuídos, todos ansiando
por salvação ou liberdade.
Em "Árvore de Fumaça",
Skip Sands inicialmente parece
ser um herói diferente do que
nos acostumamos a ver no trabalho de Johnson.
Ele é jovem, ingênuo e está
ansioso para provar sua competência como agente da Agência Central de Inteligência
(CIA). Está convencido de que
os EUA derrotarão os comunistas no Vietnã e quer estar presente na vitória.
E espera emular seu tio, o
aventureiro coronel Francis
Sands, que pilotou para a Força
Aérea chinesa e escapou dos japoneses na Segunda Guerra
Mundial, construindo uma vida lendária.
Acima de tudo, acredita na
bondade e na promessa dos
EUA com inocência e ardor juvenis. Mas sua inocência termina maculada quando testemunha o assassinato brutal pela
CIA de um sacerdote (falsamente acusado de contrabando
de armas), nas Filipinas, e
quando se vê perdido no Vietnã
em meio à selva de espelhos
criada por seus colegas espiões.
Ele se vê cada vez menos capaz de distinguir entre os bons
e os maus sujeitos, os honestos
e os dúplices, os idealistas e os
mercenários.
Quanto ao mentor de Skip, o
coronel, ele também perde o
rumo -ou, melhor, passa a
acreditar que seus superiores
perderam o rumo. Aliás, Skip e
o coronel descobrem que não
podem confiar em ninguém,
especialmente não nos seus supostos camaradas de armas.
Vida melhor
E há Hao, um funcionário do
governo vietnamita que sonha
com uma vida melhor em Cingapura ou nos EUA e usa sua
amizade de infância com um
membro do vietcongue para
tentar promover seus interesses junto aos americanos.
Johnson consegue não só
conjurar a aura anômala e alucinógena da Guerra do Vietnã
com autoridade semelhante à
de Wright ou Coppola como demonstra suas conseqüências
para os personagens com precisão emocional assombrosa.
Ele escreveu um romance
imperfeito, mas profundo, que
certamente se tornará um dos
clássicos da literatura relacionada àquela guerra trágica e
fantasmagoricamente familiar.
A íntegra deste texto saiu no "New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci.
ÁRVORE DE FUMAÇA
Autor: Denis Johnson
Tradução: Luiz Antônio de Araújo
Editora: Companhia das Letras (tel. 0/
xx/11/ 3707-3500)
Quanto: R$ 69 (656 págs.)
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