São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2008

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Selva de espelhos

Romance "Árvore de Fumaça", de Denis Johnson, desponta como um dos clássicos sobre a Guerra do Vietnã

MICHIKO KAKUTANI

Árvore de Fumaça", o novo e ambicioso romance de Denis Johnson, parece uma variação alucinógena e distorcida de clássicos alucinógenos e distorcidos sobre o Vietnã como "Apocalypse Now", de Francis Ford Coppola, "Despachos do Front", de Michael Herr, "Dog Soldiers", de Robert Stone, e "Meditations in Green", de Stephen Wright.
O personagem central é um homem que se vê como a combinação entre o americano tranqüilo e o americano feio, e um segundo personagem se assemelha a uma versão atualizada do Kurz de "O Coração das Trevas" [de Joseph Conrad]. O espantoso é que ele consegue tomar esses elementos derivativos e fazer deles algo de altamente original e poderoso. Ainda que "Árvore de Fumaça" seja prejudicado por uma trama errática e irregular, o livro é uma história forte sobre a experiência norte-americana no Vietnã, com ecos perturbadores quanto à atual experiência norte-americana no Iraque. É uma história sobre serviços de informação ineficientes e mancadas militares e sobre pessoas que perderam o rumo.
Essa é a preocupação central na carreira de Johnson. Quer a narrativa tenha como cenário os EUA do futuro ("Fiskadoro"), a Nicarágua dos anos 80 ("The Stars at Noon") ou, no caso de seu trabalho mais recente, o Vietnã dos anos 60, o escritor promove de maneira coerente uma visão dos EUA como país sob o domínio de sonhos deslocados e ilusões escancaradas, determinado a exportar sua loucura ao mundo.

Espectro alarmante
O elenco de personagens também é semelhante de livro a livro: um espectro alarmante de lunáticos, vagabundos e nômades, perdidos, danados e despossuídos, todos ansiando por salvação ou liberdade. Em "Árvore de Fumaça", Skip Sands inicialmente parece ser um herói diferente do que nos acostumamos a ver no trabalho de Johnson.
Ele é jovem, ingênuo e está ansioso para provar sua competência como agente da Agência Central de Inteligência (CIA). Está convencido de que os EUA derrotarão os comunistas no Vietnã e quer estar presente na vitória. E espera emular seu tio, o aventureiro coronel Francis Sands, que pilotou para a Força Aérea chinesa e escapou dos japoneses na Segunda Guerra Mundial, construindo uma vida lendária.
Acima de tudo, acredita na bondade e na promessa dos EUA com inocência e ardor juvenis. Mas sua inocência termina maculada quando testemunha o assassinato brutal pela CIA de um sacerdote (falsamente acusado de contrabando de armas), nas Filipinas, e quando se vê perdido no Vietnã em meio à selva de espelhos criada por seus colegas espiões.
Ele se vê cada vez menos capaz de distinguir entre os bons e os maus sujeitos, os honestos e os dúplices, os idealistas e os mercenários. Quanto ao mentor de Skip, o coronel, ele também perde o rumo -ou, melhor, passa a acreditar que seus superiores perderam o rumo. Aliás, Skip e o coronel descobrem que não podem confiar em ninguém, especialmente não nos seus supostos camaradas de armas.

Vida melhor
E há Hao, um funcionário do governo vietnamita que sonha com uma vida melhor em Cingapura ou nos EUA e usa sua amizade de infância com um membro do vietcongue para tentar promover seus interesses junto aos americanos. Johnson consegue não só conjurar a aura anômala e alucinógena da Guerra do Vietnã com autoridade semelhante à de Wright ou Coppola como demonstra suas conseqüências para os personagens com precisão emocional assombrosa.
Ele escreveu um romance imperfeito, mas profundo, que certamente se tornará um dos clássicos da literatura relacionada àquela guerra trágica e fantasmagoricamente familiar.

A íntegra deste texto saiu no "New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci.


ÁRVORE DE FUMAÇA
Autor: Denis Johnson
Tradução: Luiz Antônio de Araújo
Editora: Companhia das Letras (tel. 0/ xx/11/ 3707-3500)
Quanto: R$ 69 (656 págs.)



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