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A arte mal-nascida
Em "Moderno?", Jacques Aumont investiga
o estatuto
do cinema
desde seu
surgimento,
no século 19
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Já em seu título, este pequeno livro de Jacques
Aumont ("Moderno?
-Por Que o Cinema Se
Tornou a Mais Singular
das Artes") abriga uma interrogação angustiante, espécie de
variação daquela outra: o que é
o cinema?
Seu interesse vem, em parte,
dessa interrogação, já que o cinema surge no fim do século 19
como atividade intrinsecamente moderna: a luz, o movimento, a mecânica, a percepção do
provisório do mundo estão, por
assim dizer, em sua natureza.
Mas não será o cinema, ao
mesmo tempo, uma arte mal-nascida, mero registro mecânico da realidade, sem valor estético, invenção sem futuro -para retomar o que disseram os
próprios irmãos Lumière?
Ou seja, na concepção clássica da própria história do cinema, enquanto outras artes viviam o apogeu do modernismo,
no começo do século 20, o cinema vivia sua infância, sua "era
primitiva" e, depois do experimentalismo da década de 20,
encontraria finalmente um
chão "clássico" com o surgimento do sonoro, no fim dos
anos 1920.
Se havia encontrado sólida
resistência do mundo artístico
em sua era muda, devido à natureza "bastarda" (isto é, de
mero reprodutor de realidade),
os próprios adeptos haveriam
de condenar essa submissão,
no período sonoro.
A crer nessa evolução, no
mais, o cinema chegaria à sua
modernidade entre 1940 e
1945, com Rossellini na Europa
(libertando-se do roteiro, dos
estúdios, da técnica) e Welles
nos EUA (impondo o autor ao
estúdio, criando relações som/
imagem não meramente miméticas).
Seja na teoria concebida ainda no cinema mudo (com Rudolf Arnheim em "A Arte do Cinema", por exemplo), seja na
do pós-guerra (com exceção de
André Bazin), existe um aspecto defensivo quase permanente: o cinema precisa se justificar, demonstrar sua pertinência estética, provar que não está em atraso em relação às demais artes.
É esse trajeto que o autor refaz. Em linhas gerais, Aumont
discute o moderno até chegar
ao seu ponto de esgotamento, o
contemporâneo, em que o cinema se mostraria capaz de encarnar "a virtude contemporânea" por seu caráter múltiplo:
arte do tempo, do espaço, das
imagens em movimento, da
narrativa, mas também arte de
massa, de tecnologia.
Nessa medida, o cinema que
chega ao século 21 "já não é o
cinema: é um conjunto de
idéias, de forças, de potências,
de propriedades, de mitos, de
histórias, [conjunto] que obviamente atravessa os filmes produzidos pela indústria ao longo
de um século, mas que atravessa também (...) todo o século,
até fora dos filmes".
Arte, enfim, que segue como
tal no ano 2000, ora apoiando-se em sua natureza realista, ora
inspirando-se em outras artes,
ou, ainda, fundindo-se com
elas.
No entanto (e aqui vemos em
Aumont um legítimo herdeiro
do pensamento dos "Cahiers
du Cinéma" da chamada "fase
amarela"), ao comparar, ao final de seu trajeto, o destino do
cinema com o de outras artes, e
sustentar como que o triunfo
do "eterno contemporâneo" cinematográfico, diante de uma
música dividida entre a moda e
a herança das elites, ou à pintura, onde as exposições de público de massa esgotaram-se em
meados do século 20:
"Essa, aliás, talvez só seja outra maneira de fazer a mesma
observação: o cinema não muda, posso ver na mesma noite
um Ford ou um Hitchcock e
um John Woo ou um Kiarostami. Terei menos o sentimento
de ter viajado no tempo do que
nos estilos."
O que distingue o cinema das
outras artes, conclui Aumont, é
que o cinema permanece hoje
igual a si mesmo. Ao longo do
século 20, as artes plásticas, a
música, a dança afastaram-se
"do público de amadores para
só se dirigir a conhecedores sérios. Outras práticas simbólicas
tomaram o lugar delas na difusão de massa (...), sem contar a
televisão, que substitui tudo".
O cinema, ao contrário, continuaria estruturado sobre
uma divisão que data dos anos
20, entre cinema de arte (ou de
autor ou de ensaio) e cinema
comercial (ou de massa ou industrial). Desde então, sustenta Aumont, eles se mostram inconciliáveis. Desde então, continua a existir, ao menos, a hipótese de aproximá-los.
MODERNO?
Autor: Jacques Aumont
Tradução: Eloisa Araújo Ribeiro
Editora: Papirus (tel. 0/ xx/19/3272-4500)
Quanto: R$ 29,90 (96 págs.)
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