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+(s)ociedade
Os anos loucos
Livro relaciona a ascensão
do consumo
de cocaína
na década
de 1920 ao caráter acelerado da vida moderna
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THOMAS WIEDER
No jargão do jornalismo, o termo
usado seria "requentado" -um
assunto que retorna oportunamente à primeira
página de um jornal quando
não há assuntos quentes em
debate. Depois da Primeira
Guerra [1914-18], as drogas
exerceram esse papel.
A imprensa francesa multiplicou suas reportagens sensacionalistas sobre o que era então descrito como "o perigo tóxico". "A "coca" semeia a loucura e a morte no mundo atual",
era a inquietação expressa por
"Le Petit Journal" em 1925.
"É necessário agir rápido,
porque, em caso de demora, o
comércio de "neve" ganhará
tanta força que, no próximo 14
de julho, pode ser que a cocaína
seja usada pelas multidões em
desfile para celebrar a queda da
Bastilha", afirmava um artigo
no jornal "Le Matin" três anos
mais tarde.
A droga, observa a historiadora Emmanuelle Retaillaud-Bajac, se impôs como "tema
banal na produção midiática e
cultural dos anos 20".
Curiosamente, no entanto,
esse período vem sendo há
muito negligenciado pelos pesquisadores, que preferiram se
interessar pelo surgimento da
figura do "drogado", no século
19, ou, posteriormente, pelas
novas formas de toxicomania
surgidas no final do século 20,
simbolizadas pelo LSD, ecstasy
ou o crack.
Dando continuidade ao trabalho de Jean-Jacques Yvorel
("Les Poisons de l'Esprit - Drogues et Drogués au XIXe Siècle", Os Venenos do Espírito
-Drogas e Drogados do Século
19, de 1992), o instigante estudo de Emmanuelle Retaillaud-Bajac, que serviu como tema ao
seu doutorado, vai muito além
de preencher um vazio historiográfico.
Em "Les Paradis Perdus
-Drogues et Usagers de Drogues dans la France de l'Entre-Deux-Guerres" [Os Paraísos
Perdidos - Drogas e Usuários
de Drogas na França do Entreguerras, Presses Universitaires
de Rennes, 467 págs., 22, R$
55], a pesquisadora aponta para a inflexão histórica que o período do entreguerras representa para a história dos estupefacientes.
Do ponto de vista legislativo,
para começar. Ao traçar as origens da lei de 1916, o primeiro
artigo judicial a penalizar o comércio, uso e posse de "substâncias venenosas" na França,
a historiadora revela que os
efeitos perversos de uma política fundada exclusivamente
sobre o princípio da proibição
haviam sido antecipados.
Declínio do ópio
"Não tenho ilusões sobre os
resultados que a lei propiciará",
declarou o senador Emile (não
Félix, como ela escreveu) Goy,
durante os debates que precederam a aprovação da lei.
"Talvez consigamos reduzir
o número de casas de ópio, porque elas se localizam em ambientes especiais (...); mas como isso influenciará os hábitos
solitários do cocainômano, do
morfinômano, que aplica suas
injeções solitariamente?"
A visão do senador foi precisa. Não somente porque ele
pressentiu que a proibição
transferiria o consumo da droga à clandestinidade, com efeitos que incluiriam o tráfico
clandestino, o surgimento do
traficante, a elevação no volume de produtos adulterados e o
surgimento de bairros dedicados ao comércio de drogas nas
grandes cidades, mas porque
ele também adivinhou uma das
tendências dominantes do entreguerras: o declínio do ópio e
a ascensão da cocaína.
Retaillaud-Bajac consagrou
belas páginas a essa tendência.
Ela demonstra, na prática, que
aquilo que parecia ser uma simples mudança de moda estava
conectado a evoluções mais
profundas.
Se houve um "ciclo da cocaína" nos anos 1920 (acompanhado, na década seguinte, por
um "ciclo da heroína"), foi porque aquela substância, dita estimulante, se coadunava bem
com o clima dos anos loucos.
"A embriaguez fria e solitária
que esse pó brilhante, tão fácil
de absorver, propicia se enquadra bem ao caráter da vida moderna", afirmavam em 1924 o
doutor Bergé e o jornalista Victor Cyril.
Se as práticas se tornaram
mais clandestinas, o uso se tornou mais democrático (nos
anos 1920, era comum ver operários misturados aos burgueses nos centros de desintoxicação); e os debates sobre como
classificar os usuários (delinquentes ou doentes) também
se tornou frequente.
Ou seja, foi nos anos 1920, como demonstra a historiadora, e
não nos 1960, que os "elementos constitutivos do universo
contemporâneo das drogas" se
estabeleceram. As mesmas
drogas que a jornalista Marise
Querlin, autora de uma vasta
reportagem sobre o assunto
publicada em 1929, já designava como "o mal do século".
A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Paulo Migliacci .
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