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Ponto de fuga
O deserto sem nome
Em "Onde os Fracos Não Têm Vez", o tesouro é só um meio para demonstrar a perda de qualquer sentido; a morte é imprevisível, e o assas-sinato, o instrumento próprio à ferocidade do acaso
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
O título em português
evoca os velhos e magníficos bangue-bangues: "Onde os Fracos Não
Têm Vez". Em inglês, é mais
misterioso e mais poético, inspirado por um verso escrito por
Yeats [1865-1939]: "No
Country for Old Men" [Não É
Lugar para Velhos, em "Velejando para Bizâncio"].
Trama clássica: alguém acha
uma valise com milhões de dólares e passa a ser perseguido
por bandidos. Parecida com
"Um Plano Simples", de Sam
Raimi (1998).
Nos dois casos, a ação carreia
angústias que se situam muito
além das peripécias. No filme
de Raimi, o mal era imanente
ao próprio dinheiro. O dos irmãos Coen traz outra coisa.
Com eles, o tesouro é apenas
um meio para demonstrar a
perda de qualquer sentido.
Tudo é circunstância, tudo é
acaso. Javier Bardem, no papel
do matador psicopata Anton
Chigurh, é um demônio paradoxal: persegue seu objetivo
com obsessão, demonstrando,
ao mesmo tempo, o absurdo
que consiste em existir. Como
a morte é imprevisível, o assassinato se revela apenas como o
instrumento próprio à ferocidade do acaso.
Numa aposta sobre a vida, a
decisão arbitrária da moeda,
cara ou coroa, encontra sua necessidade metafísica.
O thriller da perseguição
mútua, tensa, rigorosa, transcorre em paralelo e prepara para um grande duelo. Mas os irmãos Coen traem expectativas
e convenções. No epílogo, o velho policial constata que viveu
muito, mas nunca descobriu sinais, humanos ou divinos, capazes de revelar direções ou
significados.
Paisagens
Em "Onde os Fracos Não
Têm Vez", à banalidade dos
motéis, trailers, lanchonetes, se
associa a grandeza árida, pedregosa, do deserto. O rosto de
Tommy Lee Jones marcado,
enrugado, irregular, também é
seco e enigmático: uma idade
além do tempo.
Cachos
A crítica internacional celebra o maestro Gustavo Dudamel. Refere-se sempre à sua
carreira fora do comum. Primeiro, sua juventude: Dudamel
tem 27 anos, aos 17 começou a
dirigir a Orquestra Jovem Simón Bolívar da Venezuela.
Ele é fruto de um projeto social chamado El Sistema, implantado na Venezuela em 1975
e que tem sido apoiado pelos
governos sucessivos daquele
país até hoje.
Atinge atualmente 300 mil
jovens, ajudando-os a sair da
pobreza e mesmo do crime pela
educação musical: o próprio
Dudamel é de origem modesta.
Convidado hoje a dirigir
grandes formações internacionais, gravou o "Concerto para
Orquestra", de Bartók, com a
Filarmônica de Los Angeles.
Mas os resultados efetivos
desse projeto social podem ser
ouvido em dois CDs (todos os
três foram editados pela Deutsche Grammophon), nos quais o
jovem maestro rege a Orquestra Simón Bolívar. Escolheu
obras arquiconsagradas, a "Sinfonia nº 5" de Mahler e as nº 5 e
7 de Beethoven.
A prova dos nove é impressionante. A altíssima qualidade
dessa orquestra composta por
jovens venezuelanos oferece
formidáveis interpretações,
enérgicas, brilhantes, cheias de
fervor, que não empalidecem
diante das mais ilustres e mais
belas.
Pulmões
Sonoridades muito presentes, equilíbrio fino, inteligência
do discurso musical: o grupo de
sopros Opus Brasil Ensemble
gravou um disco precioso (Brasil Meta Cultural, 2007). Reúne
o "Trio para Oboé, Clarinete e
Fagote", a "Fantasia Concertante para Piano, Clarinete e
Fagote", de Villa-Lobos: são
versões exemplares de composições delicadas e inspiradas.
Traz ainda a felicidade aérea de
Jean Françaix ("Divertimento
para Oboé, Clarinete e Fagote")
e a homenagem "Variações Villa-Lobos", do jovem compositor André Mehmari.
jorgecoli@uol.com.br
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