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Ponto de Fuga
Os massacres de cada um
"Milagre em
Santa Anna",
de Spike Lee,
desencadeou
um
bombardeio
crítico; os
negros não se
reconheceram
naqueles
fantoches,
sem presença
nem
convicção;
sentiram-se
insultados
pelos
estereótipos
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Spike Lee acusou Clint
Eastwood de não mostrar, em seus filmes de
guerra, o verdadeiro lugar que
mereciam os soldados negros.
Prometia que, com o seu, aí sim
as coisas seriam bem contadas.
Terminou então "Milagre
em Santa Anna", que desencadeou um bombardeio crítico.
Os negros não se reconheceram naqueles fantoches, sem
presença nem convicção. Sentiram-se insultados pelos estereótipos: há o negro perfeito; o
sincero, o paquerador boa-pinta e boa gente, com dente de
ouro; o grandão infantil e abobado.
As situações cômicas irritaram também, como se, mesmo
num filme dramático, negros
devessem ser engraçados.
Indignação no lado dos italianos. O título remete à povoação de Sant'Anna di Stazzema,
na Província de Lucca, dizimada em agosto de 1944 pelos nazistas: 540 mortos, quase todos
velhos, mulheres ou crianças,
entre os quais um bebê de 20
dias. Na operação, os alemães
tiveram apoio dos fascistas.
Queriam dar uma lição exemplar naquelas montanhas perdidas, infestadas de "partigiani" (resistentes).
Spike Lee trata o acontecimento como o episódio secundário de um romance policial
repleto de falsificações. Modifica as referências históricas
segundo as necessidades do
sensacionalismo narrativo.
Mesmo um imenso rochedo
que desenha a crista da serra,
formando a imagem de um homem deitado, monumento natural da Garfagnana, foi retocado e banalizado por computador, de certo para ficar mais cinematográfico.
Nem o nome dessa rocha admirável resistiu: o verdadeiro,
"L'Uomo Morto" (o homem
morto), deu lugar a "L'Uomo
Che Dorme" (o homem adormecido), que Lee deve ter considerado mais poético.
Vezo
As distorções desenvoltas
que percorrem o "Milagre em
Santa Anna", por piores que sejam, não bastariam para derrubar uma verdadeira qualidade
cinematográfica. "Exagero romanesco", alegou o diretor.
A justificativa seria boa se o
filme tivesse encontrado seu
tom e nos fizesse viver com intensidade as ficções mais implausíveis.
Ocorre algo de curioso com
"Milagre em Santa Anna". É cinema de fato, com estilo ágil e
pessoal. Mas esse estilo não se
adapta aos diversos registros
que deve abraçar: cenas épicas;
sentimentalismo engraçado,
no espírito de "A Vida É Bela
(Roberto Benigni, 1997); conflitos humanos; mistérios que se
desvendam aos poucos.
Assiste-se, com curiosidade,
o ritmo hábil do diretor. Todo o
resto é factício.
Crânios
"Katyn", de Andrzej Wajda,
também trata de um massacre
durante a Segunda Guerra
Mundial [1939-45].
Aqui, entretanto, o calibre é
outro. Wajda é um dos supremos mestres do cinema, e
"Katyn", complexo em seu contraponto narrativo, intrincado
em suas referências históricas
detalhadas, apodera-se, vigoroso, do espectador.
Surge como um ajuste de
contas: a experiência biográfica
nutre sua eloquência, pois o pai
do cineasta foi assassinado em
"Katyn", junto com centenas
de outros militares poloneses.
Wajda tinha, então, 13 anos.
Na Polônia, sob o comunismo, a história atribuía o massacre aos nazistas. Seus verdadeiros autores foram os soviéticos,
porém.
Velhos tempos
Quando o filme de Wajda começa, o pacto germano-soviético está em vigor. Para o cineasta, um lado vale o outro e, de fato, é melhor não fazer um concurso de horrores.
Em sua busca pela verdade,
expõe uma Polônia destroçada.
Ao contrário das guerras de hoje, movidas por ódios religiosos, em "Katyn", o único fio que
permite uma identidade superior, para além das violências, é
a fé católica.
jorgecoli@uol.com.br
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