|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Milícias cristãs
SUSANI SILVEIRA LEMOS
especial para a Folha
Desde o início do século 15, a
família Gama esteve ligada às
ordens militares, em princípio
à Ordem de Avis, mais tarde à
Ordem de Santiago.
Vasco da Gama, ainda muito
novo, ingressou na Ordem de
Santiago e em toda a sua trajetória de navegador -apesar
de se ter transferido para a Ordem de Cristo por volta de
1497- sempre esteve de certa
forma vinculado aos santiaguistas.
Em sua época, no entanto, o
papel das ordens militares não
chegou a ser comparável em
termos políticos àquele que
estas haviam desempenhado
nos tempos das cruzadas (séculos 12 e 13).
Até então, as milícias cumpriam a função para que tinham sido pensadas: combater os inimigos mouros e defender os cristãos e seus territórios. Foi com esse desígnio
que as ordens do Templo, do
Hospital, de Santiago e de Avis
foram criadas na Terra Santa,
e assim ganharam terreno na
Península Ibérica, onde se
ocuparam da Reconquista do
território aos infiéis.
A idéia que esteve na formação dessas milícias era aliar no
mesmo indivíduo a vida de
monge, sujeito aos votos de
castidade, pobreza e obediência, à missão militar. Ao assumirem papel decisivo na Reconquista, os freires foram
agraciados com privilégios jurídicos e benefícios materiais,
tornando-se ricos senhores.
Tanto que, em 1308, o papa
Clemente 5º, incentivado pelo
rei francês, Felipe, o Formoso,
promoveu uma caça aos templários -como eram conhecidos os cavaleiros da Ordem do
Templo-, sob a alegação de
que a cobiça os arrebatara e as
virtudes e bondades em que
eram professos se tinham convertido todas em seus contrários, segundo narra o cronista
Rui de Pina. As controvérsias
quanto ao destino a ser determinado para os despojos da
ordem levou a que o papa decidisse instituir uma nova ordem, depositária dos bens dos
templários: a Ordem de Cristo.
No contexto da expansão
marítima portuguesa, somente essa herdeira dos Templários e a Ordem de Santiago,
em menor escala, conseguiram ocupar lugar de relevo. A
primeira delas, por ter tido à
sua frente o Infante Dom Henrique, celebrizado pelo cronista Zurara, seu contemporâneo, e ainda pelo cronista João
de Barros, como o grande impulsionador dos Descobrimentos. Zurara apresenta-o
como uma espécie de enviado
de Deus para defesa da verdadeira fé e vingança dos infiéis.
Já João de Barros, que viveu
numa época em que a obra dos
Descobrimentos era já um todo do qual convinha exaltar as
virtudes iniciais, sugere que tal
empresa mais lhe fora revelada
que movida.
Quanto à Ordem de Santiago, a que pertenceu Gama, seu
papel no final do século 15 e
início do 16 foi mais reativo do
que ativo. Governada pelo
opositor do rei d. Manuel, d.
Jorge, procurou combater o
absolutismo desse monarca e,
ao mesmo tempo, o protagonismo da Ordem de Cristo.
Susani Silveira Lemos é doutoranda em
letras pela Universidade de Lisboa.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|