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Receita pouco azeitada
Especialistas brasileiros rebatem cardiologista francês
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
O
apoio que cardiologistas como Michel de Lorgeril
esperam contra a
moda das drogas
diminuidoras do nível de colesterol no sangue -as estatinas
são as principais- não parece
ter chegado ao Brasil. Especialistas ouvidos pela Folha dizem desconhecer amparo científico à tese de que "o colesterol
não entope as artérias" e que
infarto não tem relação com nível de colesterol no corpo.
"Essa é uma opinião muito
solitária", afirma Carlos Alberto Mandarim-de-Lacerda, professor titular da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro.
O francês coloca-se contra
um consenso básico: a recomendação, dada àqueles que
têm alto nível de colesterol
LDL no sangue, de baixar essa
taxa. O colesterol LDL, o "mau"
colesterol, é associado ao entupimento de vasos sangüíneos e,
como conseqüência, a doenças
cardiovasculares.
"Isso se aplica a homens e
mulheres, jovens e idosos, hipertensos ou não, diabéticos ou
não", diz Protásio Lemos da
Luz, diretor clínico do Incor
(Instituto do Coração do Hospital das Clínicas), em SP.
O ataque do francês às estatinas também é contestado diretamente. "A grande maioria
dos dados mostra que as estatinas são extremamente eficazes", diz o diretor do Incor.
"As estatinas são focos de diversas pesquisas no mundo;
nos próximos anos, teremos
um panorama bem mais consistente de seu uso e benefício",
diz o professor da Uerj.
Ele adianta: "Obtivemos resultados muito bons com as estatinas", comenta, sobre seu
experimento envolvendo o tratamento de cobaias hipertensas. "A droga mais receitada no
mundo é a estatina. Acho que é
perfeitamente plausível que
haja excessos. A pessoa vai a
um check-up, o médico não
tem o que receitar e recomenda estatina -os médicos são
massacrados com propagandas
mostrando vários aspectos maravilhosos das estatinas", pondera.
Dieta mediterrânea
A dieta comum aos povos do
Mediterrâneo, recomendada
como "alternativa" saudável,
também é polêmica. "No Mediterrâneo, come-se muita gordura. Parece que o vinho ajuda
a diminuir o colesterol, mas há
também fatores genéticos [comuns nessas populações], algum tipo de proteção", diz
Mandarim-de-Lacerda.
Outro fator associado à dieta
do Mediterrâneo é o consumo
de azeite extra-virgem na região. Trata-se do azeite obtido
da prensagem a frio das azeitonas. A prensagem a quente, que
faz a oliveira render mais, resulta em óleo sem as mesmas
características.
"Nossa população não tem
muito o hábito de tomar vinho;
e o bom azeite é um alimento
caro", acrescenta.
Porém o pesquisador não
acredita que uma tal dieta possa aposentar as novas descobertas farmacêuticas: "As drogas usadas agora diminuem o
colesterol realmente -e há
pessoas que não têm outro tipo
de tratamento eficaz".
Mas o pesquisador da Uerj
faz uma concessão a Lorgeril:
"A população se acostumou à
idéia de que o colesterol é uma
coisa a ser evitada -nisto concordo com o Lorgeril: tem que
haver um mínimo de colesterol, pois ele é o princípio de vários hormônios, como o estrogênio. O problema é o excesso".
Zelo a menos
Segundo Lemos da Luz, do
Incor, o Brasil não tem o problema de uso excessivo das estatinas. "No Incor e no meu
consultório, vejo o contrário:
em geral, os fatores de risco [de
doença cardíaca] são mal tratados. E não é só colesterol -hipertensão, diabetes, fumo, obesidade que não se tratam e
exercício que não se faz."
O diretor clínico do Incor
lembra cidades como Veranópolis (RS) como o paralelo brasileiro ao "regime mediterrâneo": "As pessoas trabalham na
lavoura, tomam vinho... Elas
precisam menos [de tratamentos contra o colesterol]."
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