São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Receita pouco azeitada

Especialistas brasileiros rebatem cardiologista francês

ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO

O apoio que cardiologistas como Michel de Lorgeril esperam contra a moda das drogas diminuidoras do nível de colesterol no sangue -as estatinas são as principais- não parece ter chegado ao Brasil. Especialistas ouvidos pela Folha dizem desconhecer amparo científico à tese de que "o colesterol não entope as artérias" e que infarto não tem relação com nível de colesterol no corpo.
"Essa é uma opinião muito solitária", afirma Carlos Alberto Mandarim-de-Lacerda, professor titular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
O francês coloca-se contra um consenso básico: a recomendação, dada àqueles que têm alto nível de colesterol LDL no sangue, de baixar essa taxa. O colesterol LDL, o "mau" colesterol, é associado ao entupimento de vasos sangüíneos e, como conseqüência, a doenças cardiovasculares.
"Isso se aplica a homens e mulheres, jovens e idosos, hipertensos ou não, diabéticos ou não", diz Protásio Lemos da Luz, diretor clínico do Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas), em SP.
O ataque do francês às estatinas também é contestado diretamente. "A grande maioria dos dados mostra que as estatinas são extremamente eficazes", diz o diretor do Incor.
"As estatinas são focos de diversas pesquisas no mundo; nos próximos anos, teremos um panorama bem mais consistente de seu uso e benefício", diz o professor da Uerj.
Ele adianta: "Obtivemos resultados muito bons com as estatinas", comenta, sobre seu experimento envolvendo o tratamento de cobaias hipertensas. "A droga mais receitada no mundo é a estatina. Acho que é perfeitamente plausível que haja excessos. A pessoa vai a um check-up, o médico não tem o que receitar e recomenda estatina -os médicos são massacrados com propagandas mostrando vários aspectos maravilhosos das estatinas", pondera.

Dieta mediterrânea
A dieta comum aos povos do Mediterrâneo, recomendada como "alternativa" saudável, também é polêmica. "No Mediterrâneo, come-se muita gordura. Parece que o vinho ajuda a diminuir o colesterol, mas há também fatores genéticos [comuns nessas populações], algum tipo de proteção", diz Mandarim-de-Lacerda.
Outro fator associado à dieta do Mediterrâneo é o consumo de azeite extra-virgem na região. Trata-se do azeite obtido da prensagem a frio das azeitonas. A prensagem a quente, que faz a oliveira render mais, resulta em óleo sem as mesmas características.
"Nossa população não tem muito o hábito de tomar vinho; e o bom azeite é um alimento caro", acrescenta.
Porém o pesquisador não acredita que uma tal dieta possa aposentar as novas descobertas farmacêuticas: "As drogas usadas agora diminuem o colesterol realmente -e há pessoas que não têm outro tipo de tratamento eficaz".
Mas o pesquisador da Uerj faz uma concessão a Lorgeril: "A população se acostumou à idéia de que o colesterol é uma coisa a ser evitada -nisto concordo com o Lorgeril: tem que haver um mínimo de colesterol, pois ele é o princípio de vários hormônios, como o estrogênio. O problema é o excesso".

Zelo a menos
Segundo Lemos da Luz, do Incor, o Brasil não tem o problema de uso excessivo das estatinas. "No Incor e no meu consultório, vejo o contrário: em geral, os fatores de risco [de doença cardíaca] são mal tratados. E não é só colesterol -hipertensão, diabetes, fumo, obesidade que não se tratam e exercício que não se faz."
O diretor clínico do Incor lembra cidades como Veranópolis (RS) como o paralelo brasileiro ao "regime mediterrâneo": "As pessoas trabalham na lavoura, tomam vinho... Elas precisam menos [de tratamentos contra o colesterol]."


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