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Pressão arterial
O cardiologista francês Michel de Lorgeril diz que remédios anticolesterol não são eficazes e afirma haver lobbies em favor de seu uso
SANDRINE BLANCHARD
E
stou com o colesterol
alto." Essa pequena
frase se tornou uma
lengalenga. Cerca de 6
milhões de franceses
fazem tratamento médico para
reduzir a hipercolesterolemia
(excesso de colesterol no sangue). Segundo os últimos números publicados pelo seguro-saúde francês, as estatinas
(principais medicamentos anticolesterol) ocupam o segundo
lugar em despesas farmacêuticas, e um desses produtos ("Tahor") ficou em sétimo lugar entre os medicamentos mais
prescritos na França.
Isso se justifica? "Não", afirma enfaticamente o doutor Michel de Lorgeril.
Esse cardiologista e pesquisador no departamento de
ciências da vida do Centro Nacional de Pesquisa Científica
está publicando uma obra cujo
título, provocante, resume o
objetivo: "Diga a Seu Médico
que o Colesterol É Inocente, e
Ele o Tratará sem Medicamento" ("Dites à Votre Médecin
que le Cholestérol Est Innocent, Il Vous Soignera sans Médicament", ed. Thierry Souccar, 397 págs., 20, R$ 52).
Conhecido por seus trabalhos sobre os benefícios da
"dieta mediterrânea", o médico
faz um verdadeiro requisitório
contra a "corrida louca" à diminuição da taxa de colesterol.
Michel de Lorgeril não é o
primeiro a se interrogar sobre
o assunto. Desde 2005, o convênio médico assinado entre a
Caixa Nacional de Seguro-Doença (CNAM) e os médicos
liberais prevê uma redução das
prescrições de medicamentos
anticolesterol em nome do
"controle medicalizado" das
despesas de saúde.
Em 2003, um estudo da
CNAM indicava um "enorme
desvio em relação às recomendações" e estimava que 40%
das prescrições não eram legítimas, "no estado atual dos conhecimentos científicos".
PERGUNTA - Em seu livro, o senhor
denuncia de maneira virulenta a
"guerra" travada contra o colesterol. Por quê?
MICHEL DE LORGERIL - A"teoria do
colesterol" em sua forma atual
não passa de um castelo de cartas. Quando utilizamos o senso
crítico e analisamos cientificamente os dados da biologia experimental, da epidemiologia e
de ensaios sobre casos clínicos,
tudo desmorona.
O colesterol não entope as
artérias; o risco de morrer de
infarto não é proporcional ao
nível do colesterol no sangue e
fazê-lo baixar não reduz o risco
de morrer de parada cardíaca.
Não sou o único a dizer isso.
Pesquisadores principalmente
dos EUA e da Escandinávia são
contrários a essa corrida louca
de uma medicina preventiva
focalizada numa guerra inútil
contra o colesterol. Mas essa
opinião é confiscada, e a indústria surfa nessa onda sem nenhuma contestação.
PERGUNTA - Mas milhões de franceses e americanos seguem um tratamento medicamentoso para reduzir o nível de colesterol...
LORGERIL - A"teoria do colesterol" beneficia todo mundo: a indústria farmacêutica e o agronegócio, os laboratórios de análises, os fabricantes de kits de
medição mas também os médicos, que podem encontrar uma
vantagem nessa medicina automatizada e remuneradora; e finalmente os pacientes, que são
levados a acreditar que ficarão
protegidos sem fazer esforços.
Não somente o colesterol é
um falso inimigo como é um
mau prenúncio do infarto. Pode-se ter colesterol considerado alto e viver muito tempo
sem infarto, e pode-se morrer
jovem de infarto tendo colesterol normal. São igualmente absurdos os conceitos de bom e
mau colesterol.
As doenças cardiovasculares
são complexas e multifatoriais,
e deve-se aceitar a idéia de que
são doenças do modo de vida
determinado por nossas condições de existência.
PERGUNTA - O que fazer para reduzir as doenças cardiovasculares?
LORGERIL - Ao enfocar a prevenção na prescrição de medicamentos, nos desviamos dos
problemas que levam ao infarto. Alguns pensam que podem
continuar comendo gorduras
tóxicas e fumando porque tomam sua estatina!
Na avaliação do risco em nível individual, é preciso prioritariamente levar em conta os
antecedentes familiares e o
modo de vida. Em termos de
prevenção, é preciso agir sobre
os megafatores de risco, que
são o tabaco, a falta de exercício
físico e os hábitos alimentares.
PERGUNTA - Cerca de 6 milhões de
franceses tomam estatinas. Qual
deveria ser um bom número?
LORGERIL - É impossível dar
uma resposta precisa, mas
creio que se deveria dividir esse
número pelo menos por 20.
Estamos terrivelmente desprovidos, principalmente na
França, de dados epidemiológicos e clínicas independentes.
Os testes recentes de estatinas são gravemente tendenciosos, e os resultados publicados
são fragmentados, às vezes incoerentes, e não permitem uma
análise lúcida de seus efeitos
reais. As estatinas deveriam ser
reservadas a casos particulares,
mas não há estudos que permitam identificar os pacientes
que se beneficiariam delas.
Por outro lado, os objetivos
não-declarados foram induzir o
maior número de prescrições
possível. Chegamos a um ponto
de caricatura sem equivalente
na história da medicina.
PERGUNTA - Milhares de franceses
devem parar de consumir estatinas?
LORGERIL - É urgente reavaliar
nossos comportamentos em
relação ao risco cardiovascular.
É falso pensar que estamos
protegidos porque reduzimos o
colesterol. Cabe somente a nós
cuidar de nossa saúde, principalmente nos aproximando do
regime mediterrâneo.
É preciso produzir novos dados, libertando-se do etnocentrismo anglo-saxão, que faz
acreditar que o que é supostamente bom para um cidadão de
Helsinque [Finlândia] ou de
Chicago é bom para um de
Marselha ou de outro lugar.
Os testes clínicos devem ser
conduzidos de maneira totalmente independente. É preciso
mais ciência e mais pesquisa
médica de qualidade antes de
prescrever um medicamento
para milhões de pessoas.
Este texto foi publicado no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
Livros em francês podem ser encomendados em www.alapage.com
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