São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pressão arterial

O cardiologista francês Michel de Lorgeril diz que remédios anticolesterol não são eficazes e afirma haver lobbies em favor de seu uso

SANDRINE BLANCHARD

E stou com o colesterol alto." Essa pequena frase se tornou uma lengalenga. Cerca de 6 milhões de franceses fazem tratamento médico para reduzir a hipercolesterolemia (excesso de colesterol no sangue). Segundo os últimos números publicados pelo seguro-saúde francês, as estatinas (principais medicamentos anticolesterol) ocupam o segundo lugar em despesas farmacêuticas, e um desses produtos ("Tahor") ficou em sétimo lugar entre os medicamentos mais prescritos na França.
Isso se justifica? "Não", afirma enfaticamente o doutor Michel de Lorgeril. Esse cardiologista e pesquisador no departamento de ciências da vida do Centro Nacional de Pesquisa Científica está publicando uma obra cujo título, provocante, resume o objetivo: "Diga a Seu Médico que o Colesterol É Inocente, e Ele o Tratará sem Medicamento" ("Dites à Votre Médecin que le Cholestérol Est Innocent, Il Vous Soignera sans Médicament", ed. Thierry Souccar, 397 págs., 20, R$ 52).
Conhecido por seus trabalhos sobre os benefícios da "dieta mediterrânea", o médico faz um verdadeiro requisitório contra a "corrida louca" à diminuição da taxa de colesterol. Michel de Lorgeril não é o primeiro a se interrogar sobre o assunto. Desde 2005, o convênio médico assinado entre a Caixa Nacional de Seguro-Doença (CNAM) e os médicos liberais prevê uma redução das prescrições de medicamentos anticolesterol em nome do "controle medicalizado" das despesas de saúde.
Em 2003, um estudo da CNAM indicava um "enorme desvio em relação às recomendações" e estimava que 40% das prescrições não eram legítimas, "no estado atual dos conhecimentos científicos".

 

PERGUNTA - Em seu livro, o senhor denuncia de maneira virulenta a "guerra" travada contra o colesterol. Por quê?
MICHEL DE LORGERIL -
A"teoria do colesterol" em sua forma atual não passa de um castelo de cartas. Quando utilizamos o senso crítico e analisamos cientificamente os dados da biologia experimental, da epidemiologia e de ensaios sobre casos clínicos, tudo desmorona. O colesterol não entope as artérias; o risco de morrer de infarto não é proporcional ao nível do colesterol no sangue e fazê-lo baixar não reduz o risco de morrer de parada cardíaca.
Não sou o único a dizer isso. Pesquisadores principalmente dos EUA e da Escandinávia são contrários a essa corrida louca de uma medicina preventiva focalizada numa guerra inútil contra o colesterol. Mas essa opinião é confiscada, e a indústria surfa nessa onda sem nenhuma contestação.

PERGUNTA - Mas milhões de franceses e americanos seguem um tratamento medicamentoso para reduzir o nível de colesterol...
LORGERIL -
A"teoria do colesterol" beneficia todo mundo: a indústria farmacêutica e o agronegócio, os laboratórios de análises, os fabricantes de kits de medição mas também os médicos, que podem encontrar uma vantagem nessa medicina automatizada e remuneradora; e finalmente os pacientes, que são levados a acreditar que ficarão protegidos sem fazer esforços. Não somente o colesterol é um falso inimigo como é um mau prenúncio do infarto. Pode-se ter colesterol considerado alto e viver muito tempo sem infarto, e pode-se morrer jovem de infarto tendo colesterol normal. São igualmente absurdos os conceitos de bom e mau colesterol.
As doenças cardiovasculares são complexas e multifatoriais, e deve-se aceitar a idéia de que são doenças do modo de vida determinado por nossas condições de existência.

PERGUNTA - O que fazer para reduzir as doenças cardiovasculares?
LORGERIL -
Ao enfocar a prevenção na prescrição de medicamentos, nos desviamos dos problemas que levam ao infarto. Alguns pensam que podem continuar comendo gorduras tóxicas e fumando porque tomam sua estatina! Na avaliação do risco em nível individual, é preciso prioritariamente levar em conta os antecedentes familiares e o modo de vida. Em termos de prevenção, é preciso agir sobre os megafatores de risco, que são o tabaco, a falta de exercício físico e os hábitos alimentares.

PERGUNTA - Cerca de 6 milhões de franceses tomam estatinas. Qual deveria ser um bom número?
LORGERIL -
É impossível dar uma resposta precisa, mas creio que se deveria dividir esse número pelo menos por 20. Estamos terrivelmente desprovidos, principalmente na França, de dados epidemiológicos e clínicas independentes. Os testes recentes de estatinas são gravemente tendenciosos, e os resultados publicados são fragmentados, às vezes incoerentes, e não permitem uma análise lúcida de seus efeitos reais. As estatinas deveriam ser reservadas a casos particulares, mas não há estudos que permitam identificar os pacientes que se beneficiariam delas.
Por outro lado, os objetivos não-declarados foram induzir o maior número de prescrições possível. Chegamos a um ponto de caricatura sem equivalente na história da medicina.

PERGUNTA - Milhares de franceses devem parar de consumir estatinas?
LORGERIL -
É urgente reavaliar nossos comportamentos em relação ao risco cardiovascular. É falso pensar que estamos protegidos porque reduzimos o colesterol. Cabe somente a nós cuidar de nossa saúde, principalmente nos aproximando do regime mediterrâneo.
É preciso produzir novos dados, libertando-se do etnocentrismo anglo-saxão, que faz acreditar que o que é supostamente bom para um cidadão de Helsinque [Finlândia] ou de Chicago é bom para um de Marselha ou de outro lugar.
Os testes clínicos devem ser conduzidos de maneira totalmente independente. É preciso mais ciência e mais pesquisa médica de qualidade antes de prescrever um medicamento para milhões de pessoas.

Este texto foi publicado no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


Livros em francês podem ser encomendados em www.alapage.com


Texto Anterior: Dieta mediterrânea surgiu nos anos 1950
Próximo Texto: Receita pouco azeitada
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.