São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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+ Cultura

O incrível Koons

Após um período endividado e o casamento fracassado com Cicciolina, o artista tem biografia lançada e expõe em Londres

GABY WOOD

Num dia de muito vento perto do final do inverno em Nova York, chego a uma porta que, presumo, deve dar no estúdio de Jeff Koons.
O lugar fica numa área decadente na extremidade oeste de Manhattan, mas, a julgar pelo que há em seu interior, não posso estar inteiramente enganada: quando entro, vejo um brinquedo de inflar, de cor verde ácida, sobre um equipamento que lembra uma mesa de operações.
Algumas portas mais para baixo, a lenda do mundo artístico, ela própria, está sentada num escritório na companhia de seu editor da Taschen, revendo centenas de páginas de provas para a monografia a ser publicada em agosto em edição comercial.
Ele pede a um de seus assistentes para me mostrar o estúdio, enquanto termina.
As pinturas mais recentes de Koons, 52, recobrem todas as paredes, em fases diversas de completude.
São telas enormes e explícitas com personagens de quadrinhos e imagens encontradas sobrepostas -uma cabeça de macaco inflada aqui, um Incrível Hulk ali, um pirata com perna de pau numa colagem sobreposta a um trem que se choca com uma carroça puxada por um cavalo.
Koons é americano dos pés à cabeça, doce como torta de maçã e todos os outros clichês caseiros que se quiser mencionar -só que, no caso dele, essas características parecem ser sinceras demais para serem clichês, e Koons dirá algo semelhante sobre seu trabalho. Ele não é irônico, não é kitsch: é otimista.

Controle e caos
Ele existe para levar as pessoas a se sentirem melhores com elas mesmas. Como toda a arte objetiva, de Duchamp a Lichtenstein, diz respeito à "auto-aceitação".
A sinceridade pode ser seu estilo, mas, ouvindo seu falar hipnótico, com seu significado cada vez mais indeterminado, a sonolência se torna contagiante.
Considere-se, por exemplo, o que tem a dizer sobre sua escultura "Puppy" [Filhote], de uma planta de 12 metros de altura.
"Diz respeito ao controle e ao caos -você quer servir ou ser servido? Quer tratar seu cão com muito amor ou quer que seu cão lhe traga o jornal? Quer tratar seu vizinho com o mesmo tipo de respeito com que gostaria de ser tratado? Diz respeito à relação da humanidade consigo mesma, ao mundo externo, a se existe uma potência maior."
Os brinquedos infláveis, que exercem influência sobre ele desde o início de sua carreira, "viram tudo pelo avesso. Eles são densos por fora, e o que é etéreo está no interior. Inalamos o ar, que é sinal de vida; quando expiramos pela última vez, isso é sinal de morte. Quando um brinquedo inflável tem um furo, isso passa a ser mortal".
Jeff Koons é um fenômeno há quase 30 anos. Duas coisas que ninguém pode tirar dele são o valor de mercado de seu trabalho, consistentemente alto, e a influência extraordinária que ele exerce sobre artistas mais jovens [leia texto nesta pág.].
Ele nasceu em York, na Pensilvânia, e cursou escola de artes em Chicago. Naquele momento, o único artista que admirava com paixão era Salvador Dalí, e, por mero acaso, sua mãe conseguiu localizar o artista espanhol no hotel onde estava hospedado em Nova York.
Koons, que tinha 17 anos na época, foi visitar Dalí, e este o fez seu protegido.

De carona para Nova York
Depois da escola de arte, diz a história, Koons ouviu Patti Smith cantando no rádio e, instantaneamente cativado pelo cenário musical nova-iorquino dos anos 1970, viajou de carona a Manhattan no dia seguinte.
À noite, freqüentava bares na companhia de outros artistas, como Julian Schnabel e David Salle; durante o dia, trabalhava na mesa de filiação do MoMA [Museu de Arte Moderna].
Em sua casa, no Lower East Side, começou a transformar os bonecos infláveis que usava em volta do pescoço no ponto central de sua arte.
"Quando cheguei a Nova York, eu fazia pinturas", ele conta, "e minhas pinturas foram se tornando tão tridimensionais que as tirei da parede. Quando fiz isso, coloquei dois infláveis lado a lado numa mesa -um elefante e um panda. Isso foi em 1978".
Esses bonecos foram seus primeiros trabalhos expostos.
Em 1988, transformou-se num astro legítimo do mundo das artes. Sua exposição, "Banalidade", foi aberta em três galerias simultaneamente, em Nova York, Chicago e Colônia (Alemanha).
Koons expôs figurinos gigantes de porcelana e madeira pintada, objetos que, desde então, passaram a ser amplamente celebrados: uma mulher loira abraçada pela Pantera Cor-de-Rosa, um Michael Jackson pintado de ouro com seu chimpanzé, uma peça intitulada "Fait d"Hiver" [trocadilho entre a expressão "fatos diversos" e, literalmente, "fato de inverno"] na qual uma mulher vestida de roupa de malha de rede está colada ao chão, enquanto um porco e dois pingüins se aproximam de sua cabeça.
As esculturas eram engraçadas, grotescas, suburbanas e pareciam ser o ápice do que ele vinha dizendo sobre os tempos nos quais vivia -as commodities, a celebridade, o kitsch de massas.
Depois de "Banalidade", Koons recebeu um telefonema do museu Whitney, que estava montando uma exposição baseada no poder da mídia e queria lhe dar um pouco de espaço em outdoors em Manhattan que fariam parte da exposição. Koons gostou da proposta.
Sua idéia foi utilizar o outdoor para divulgar a si mesmo -como ator de cinema. E a maneira mais fácil de virar ator de cinema seria fazer um filme pornô.
Enquanto fizera os trabalhos de "Banalidade", examinara revistas masculinas, pois queria dar a seu pessoal de produção exemplos de como pintar o corpo. Uma das imagens das quais tinha gostado era da revista "Stern", que mostrava uma mulher num vestido de malha de rede.
Ele usara a imagem como base para "Fato de Inverno". Então, um dia, quando estava num posto de combustível na Itália, Koons viu a mesma mulher numa revista pornô: era Ilona Staller, ou Cicciolina.
Ele ficou fascinado. "Eu nunca antes vira imagens eróticas baseadas na cultura do Leste Europeu", diz ele. "Elas tendem a ter panos de fundo estranhos, surreais, de fantasia. Então me senti muito atraído pelos sets, mas também por Ilona."
Ele queria fazer um outdoor usando exatamente essa linguagem, baseado na pintura de Masaccio "A Expulsão do Jardim do Éden", do século 15. Seu plano era intitulá-la "Feito no Paraíso", estrelando Jeff Koons e La Cicciolina como anúncio único de um filme inexistente.
"Então pensei: 'Basicamente, vou me colar nessas imagens e pedirei a Ilona que faça o mesmo -os mesmos sets, o mesmo fotógrafo, o mesmo processador de filme, tudo o mesmo, só que eu também quero estar lá". Então fui à Europa, encontrei Ilona e combinei com seu empresário fazer essas sessões de fotos. Quando começamos a fazer as sessões, começou a flertar comigo, e, antes de eu perceber o que estava acontecendo, tínhamos começado um relacionamento."
Começo e fim
E, antes que qualquer outra pessoa percebesse o que estava acontecendo, já estavam casados e posavam diante de esculturas em vidro deles mesmos em posições tântricas no meio da galeria Sonnabend, em Nova York.
Aquilo que se transformaria na série "Feito no Paraíso" foi de longe o trabalho mais controverso de Koons e, embora o tenha elevado a novos picos de notoriedade, também assinalou o começo de um certo fim para ele.
Ele e Ilona tiveram um filho, Ludwig (que está com 14 anos), e, quando se divorciaram, pouco depois, o garoto se tornou alvo de uma intensa disputa transcontinental por sua guarda.
Koons ainda nutre a esperança de que, quando Ludwig completar 18 anos, seu filho embarque num avião e venha vê-lo. Enquanto esperava por isso, a partir de 1993, lançou-se num conjunto de trabalhos cujo objetivo era celebrar o retorno de Ludwig.

Celebrando o filho
A série "Celebração" -conjunto de pinturas hiper-reais e esculturas gigantes de animais infláveis, papel de presente e pilhas de massinha de modelar- levou tanto tempo e custou tanto dinheiro para ser produzida que Koons faliu e quase enlouqueceu.
Quinze anos mais tarde, "Celebração" ainda está incompleta, e Koons continua a trabalhar nela, apesar de já ter traduzido muitas de suas idéias para exposições posteriores.
Uma das pessoas que resgatou "Celebração" foi Justine Wheeler, que veio trabalhar no estúdio em 1995. Hoje Koons e Wheeler estão casados e têm três filhos, de cinco, três e um anos.
Ele também tem uma filha de 32 anos, Shannon, que foi entregue para adoção seguindo as ordens expressas dos pais de sua namorada dos tempos de faculdade e que, desde então, reapareceu em sua vida.
Dois anos atrás, Justine pediu ao galerista Jeffrey Deitch, um velho amigo de Koons, que organizasse um festa-surpresa para seu 50ø aniversário, e a ocasião pareceu consolidar o sucesso do artista. Sua volta por cima profissional -que começara em 1999, quando a escultura "Pantera Cor-de-Rosa" foi vendida por quase US$ 2 milhões [R$ 3,9 milhões]- estava garantida.
O historiador de arte Hal Foster me avisou para ter cautela.
Em resposta a uma pergunta sobre o que está sendo produzido em sua fábrica, ele sugere que é possível que Koons "atue no ramo da mistificação -de tentar confundir as pessoas exatamente pelo curto-circuito de arte, comércio, fábrica, 'hype". Acho que é assim que ele realmente funciona hoje: ele mesmo é sua melhor obra. Ele vê isso como sendo warholiano -Warhol se tornou seu próprio melhor objeto de arte. Em outras palavras, é uma performance, e a obra é secundária, embora seja essa obra que percorra o mercado".

A íntegra deste texto saiu no "Observer". Tradução de CLARA ALLAIN.


NA INTERNET - As mostras de Jeff Koons, "Hulk Elvis" e "Popeye", estão em cartaz em dois espaços da Gagosian Gallery, em Londres, até 27 de julho. Mais informações em
www.gagosian.com



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