São Paulo, domingo, 17 de setembro de 2000

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+3 questões Sobre inteligência artificial

1. Quais os principais avanços já obtidos pela inteligência artificial?
2. Quais seus possíveis impactos sobre a vida cotidiana?
3. Ela pode, de algum modo, competir com a inteligência humana?

João de Fernandes Teixeira responde

Funcionária de empresa eletrônica apresenta cachorro-robô 1.
Há inúmeros avanços: programas computacionais para efetuar cálculos de engenharia, para jogar xadrez etc. Muitas dessas aplicações tornaram-se tão cotidianas que nem sabemos que elas se originaram de estudos de inteligência artificial iniciados nas décadas de 60 e 70.
Há também reveses nessa história: os programas para tradução ainda deixam muito a desejar.

2.
O mais temido é o desemprego estrutural, a substituição progressiva de seres humanos por máquinas que executariam algumas parcelas do trabalho mental, que deixaria de ser típico do homem. Disso já temos algumas amostras. Um impacto mais profundo seria a modificação de nossos próprios conceitos de inteligência e de mente: se uma combinação de peças de silício pode fazer tudo o que uma mente humana faz, não haveria razão para supor que mente e matéria teriam de ser diferentes.
Se acreditarmos seriamente nessa possibilidade, isso pode nos obrigar a rever nossas crenças mais arraigadas.

3.
O sonho de replicar a mente humana através de um programa de computador já foi abandonado. Estamos quase no ano 2001 e, em que pesem algumas poucas odisséias no espaço, ninguém mais pensa ser possível construir algum HAL que possa adquirir consciência e vida mental próprias. Aprendemos algumas lições importantes nas últimas décadas, embora estas se nos afigurem, hoje, como quase óbvias. Sabemos que a mente não é um software desencarnado que poderia ser rodado, indistintamente, em cérebros ou em computadores.
Há elementos biológicos e emocionais que compõem a inteligência. Não se pensa mais numa competição entre máquinas e seres vivos, mas na sua associação crescente na construção de criaturas híbridas. O implante de microchips em cérebros humanos é o primeiro passo. Essa será "la Nouvelle Intelligence Artificielle" do século que chega.

Michael Beaumont Wrigley responde

1.
O mais fundamental de todos é simplesmente o de ter efetivamente construído máquinas, cada vez mais potentes, capazes de realizar computações e assim modelar diversos aspectos da inteligência humana.
Um outro avanço geral importante vem do impacto da inteligência artificial sobre a filosofia, propondo toda uma nova agenda de problemas para a filosofia da mente e assim transformando uma área que era um pouco árida numa das mais ativas, frutíferas e inovadoras da filosofia contemporânea. Isso é uma bela confirmação da tese de que, quando a filosofia ignora os profundos avanços trazidos pelas ciências, ela se torna estéril e escolástica.

2.
Já seria quase impossível imaginar nossa vida diária sem computadores e robôs. Pensem nos sistemas de controle de vôo de um avião ou de monitoração de alguns diagnósticos médicos. Já foram projetados até carros que seriam dirigidos por computador (se um carro desses conseguisse dirigir em São Paulo, teríamos a maior proeza da inteligência artificial até hoje).

3.
Isso já aconteceu. O Deep Blue venceu Kasparov. E não vejo por que não poderíamos ter computadores cada vez mais potentes capazes de superar a inteligência humana (e animal, não esqueçamos dos animais!), pelo menos em alguns campos. Claro que a inteligência humana é muito complexa e possui muitas dimensões com as quais a inteligência artificial ainda não sabe como lidar, mas ela está avançando cada vez mais rapidamente.
Os atuais sistemas conexionistas e híbridos são capazes de modelar aspectos da inteligência que estão além do alcance dos sistemas clássicos. Certamente não há nenhuma razão que impeça que no futuro cada vez mais dimensões da inteligência humana sejam modeladas e talvez até superadas pela inteligência artificial, embora estejamos muito longe disso atualmente. Afirmar de uma maneira a priori que isso é impossível é puro dogmatismo totalmente injustificado.

QUEM SÃO

João de Fernandes Teixeira
é professor no departamento de filosofia da Universidade Federal de São Carlos e autor de "Mente, Cérebro e Cognição" (ed. Vozes), entre outros.

Michael Beaumont Wrigley
é professor do departamento de filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor visitante do programa de pós-graduação em filosofia da mente e ciência cognitiva da Universidade Estadual Paulista (Unesp).



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