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Reunindo 27 relatos de navegadores "Outras Visões do Rio de Janeiro Colonial" lança novas luzes sobre o passado colonial
Romances da formação
João Cezar de Castro Rocha
especial para a Folha
Com "Outras Visões do Rio de Janeiro
Colonial", Jean Marcel Carvalho
França dá continuidade ao projeto editorial iniciado com "Visões do Rio de Janeiro Colonial" (José Olympio/Eduerj,
1999). Nas palavras do autor, trata-se de
"recuperar descrições da cidade deixadas por visitantes estrangeiros que a visitaram durante o período colonial".
O primeiro volume cobriu o período
de 1531 a 1800; o segundo, o período de
1582 a 1808. A importância da definição
do arco temporal já foi esclarecida em
"Visões do Rio de Janeiro Colonial". Ora,
a abertura dos portos, ocorrida em 1808,
após o desembarque de d. João 6º e sua
corte, não somente aboliu o pacto colonial que obrigava a colônia a aceitar a exclusividade comercial dos portugueses,
mas sobretudo representou o fim da política portuguesa do "sigilo" em relação
às riquezas da colônia.
A motivação dessa política era simples:
afastar das costas brasileiras possíveis interessados nos domínios coloniais de
além-mar. E o temor não era nada imaginário, como a invasão holandesa e as
tentativas francesas de criação de uma
"França antártica" o demonstraram. Por
isso, no século 17, os zelosos portugueses
cuidaram de proibir a circulação dos
"Diálogos das Grandezas do Brasil"
(1618), de Ambrósio Fernandes Brandão. Afinal, proclamar as riquezas da terra do pau-brasil certamente atrairia a cobiça de outras nações. Nesse caso, quanto maior o sigilo, mais segura a exploração da colônia.
Esforço de pesquisa
Como consequência direta dessa política, as descrições do Rio colonial pareceriam restritas
a viajantes portugueses que eventualmente decidissem registrar suas impressões. Só por desmentir essa idéia já se revela a importância do esforço de pesquisa e a oportunidade da erudição de Jean
Marcel Carvalho França. Em "Visões do
Rio de Janeiro Colonial" o
leitor tem acesso a 35 descrições; em "Outras Visões do
Rio de Janeiro Colonial", a
27. Predominam os relatos
de navegadores ingleses, seguidos de franceses, igualmente em bom número, e,
por fim, alguns espanhóis
que por aqui aportaram.
O conjunto dessas 62 descrições deverá
estimular estudos renovados sobre o Rio
colonial, visto agora sob uma ótica menos familiar. Além disso, o critério editorial é muito feliz. Todos os relatos são antecedidos por esclarecimentos sobre a
viagem e o viajante e sucedidos tanto por
comentários relativos à edição consultada quanto por uma bibliografia seleta. O
livro traz ainda primorosas ilustrações
que complementam o
esboço da cidade desenhado nos textos.
No entanto "Outras
Visões do Rio de Janeiro Colonial" não é um
sisudo livro acadêmico. O olhar estrangeiro
proporciona uma leitura cheia de surpresas e, por vezes, surpreendentes antecipações.
Leiam-se, por exemplo, as lúcidas páginas de James Kingntson Tuckey (1805)
sobre a escravidão e a crescente insatisfação dos colonos. Por vezes, a simples distância temporal assegura aos textos uma
renovada recepção.
É o caso da descrição de René Duguay-Trouin (1712), o almirante francês que,
em 1711, saqueou a cidade do Rio de Janeiro. Em sua visão de militar, a cidade
se reduz a portos, fortalezas e riquezas a
serem apropriadas, mas, para o leitor de
hoje, seu relato recorda um romance.
Poderia multiplicar os exemplos, mas,
em vez de antecipar o convívio com
perspectivas tão diversas do Rio de Janeiro colonial, prefiro associar o interesse que o trabalho de Jean Marcel vem
merecidamente despertando a uma outra visão da cultura brasileira. Para tanto,
recordem-se alguns momentos da história da terra do pau-brasil.
Os brasileiros aprenderam a pintar
suas paisagens e a retratar suas gentes
nas aulas da missão artística francesa,
aqui desembarcada em 1816. Como estudou Maria Helena Rouanet, em "Eternamente em Berço Esplêndido", descobriram com outro francês, Ferdinand Denis, a chave para a criação da literatura
brasileira: um quase nada de interioridade psicológica para um quase tudo de exterioridade da natureza tropical. Em "O
Brasil Não É Longe Daqui" (Cia. das Letras), Flora Süssekind propôs que a formação da prosa de ficção na literatura
brasileira se estruturou a partir de um intenso diálogo com os relatos de viajantes.
Por fim, em "O Trato dos Viventes", Luiz
Felipe de Alencastro (Cia. das Letras) tocou na ferida, ao explicitar que a formação do Brasil ocorreu em larga medida
fora do Brasil. A operação é por certo sutil e consiste em aceitar como própria a
projeção do outro. Antinarciso, o brasileiro aprendeu a reconhecer-se no espelho do olhar estrangeiro.
Talvez por isso os relatos coligidos por
Jean Marcel sejam tão atraentes. Lembremos a fórmula de Sergio Buarque de
Holanda, em "Raízes do Brasil", mas
sem traço algum de melancolia. O brasileiro é mais do que um desterrado em
terra própria. Ao que parece, o Brasil é
do pau-brasil e não dos brasileiros. O
brasileiro é o estrangeiro do Brasil.
Outras Visões do Rio de Janeiro Colonial
350 págs., R$ 34,50
de Jean Marcel Carvalho França.
Ed. José Olympio (rua da Glória,
344, 4º andar, RJ, CEP 20241-180, tel. 0/xx/21 509-6939).
João Cezar de Castro Rocha é professor de literatura comparada da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ).
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