São Paulo, Domingo, 17 de Outubro de 1999
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OS MAIS CITADOS

Ferreira Gullar nasceu em São Luís do Maranhão, em 1930, e vive atualmente no Rio de Janeiro. Foi um dos fundadores do neoconcretismo. Escreveu, entre outros, "A Luta Corporal" (1954), "Poema Sujo" (1975) e "Muitas Vozes" (1999).

ARTE POÉTICA
Não quero morrer não quero
apodrecer no poema
que o cadáver de minhas tardes
não venha feder em tua manhã feliz
e o lume
que tua boca acenda acaso das palavras
- ainda que nascido da morte-
some-se
aos outros fogos do dia
aos barulhos da casa e da avenida
no presente veloz

Nada que se pareça
a pássaro empalhado múmia
de flor
dentro do livro
e o que da noite volte
volte em chamas
ou em chaga

vertiginosamente como o jasmim
que num lampejo só
ilumina a cidade inteira


De "Na Vertigem do Dia" (1975-1980)


Haroldo de Campos nasceu em São Paulo, em 1929. Fundador do concretismo, publicou "Auto do Possesso" (1950) e "Galáxias" (1984), dentre outros. Recebeu em Paris, no último dia 8, o Prêmio Roger Callois pelo conjunto da obra.

RIMA PETROSA - 1
uma bruteza
límpida
que em nada se detém

uma crueza
lâmina
que se apaga em ninguém

uma lindeza
nítida
que a si mesma sustém

uma ingênua fereza
feita só de desdém

uma dura candura
que nem loba que nem

uma beleza absurda
sem porquê nem porém

um negar-se tão rente
que soa um shamisen

uma causa perdida
um não vem que não tem


De "Novos Poemas" (1986-1991)


Augusto de Campos nasceu em 1931, em São Paulo, onde vive. Foi um dos criadores do concretismo. Publicou "O Rei Menos o Reino" (51) e "Expoemas" (85), entre outros. Em 99, lançou "Poema(s)", com traduções de Cummings.

QUIS
MUDAR TUDO
MUDEI TUDO
AGORAPÓSTUDO
EXTUDO
MUDO


De "Despoesia" (1994)


Décio Pignatari nasceu em Jundiaí (SP), em 1927. Vive em Curitiba (PR). Participou da criação do concretismo. É autor de "O Carrossel" (1950), "Poesia Pois É Poesia" (1977) e do romance "Panteros" (1992), entre outros.

EUROPOEMA
O lugar onde eu nasci nasceu-me
num interstício de marfim,
entre a clareza do início
e a celeuma do fim

Eu jamais soube ler: meu olhar
de errata a penas deslinda as feias
fauces dos grifos e se refrata:
onde se lê leia-se.

Eu não sou quem escreve,
mas sim o que escrevo:
Algures Alguém
são ecos do enlevo.
De "Poesia Pois É Poesia" (1950-1975)


Sebastião Uchoa Leite nasceu em Timbaúba (PE), em 1935. Criou-se e formou-se no Recife. Cursou direito e filosofia. Vive no Rio. Publicou, entre outros, "Dez Sonetos Sem Matéria" (1960), "Antilogia" (1979), "Obra em Dobras" (1988).

VIDA É ARTE PARANÓICA
a vida futura
aquela que não se conhece
não existe
o tempo
programado
digitado
viver apenas
nas galerias
entre amores vapores
radares sensores
vida fuga
temporada de caça
apenas correr
alma de replicante
até acertarem o plexo
alvo perplexo


De "Obra em Dobras" (1960-1988)



Francisco Alvim nasceu em Araxá (MG), em 1938. Publicou "Sol dos Cegos" (1968), "Passatempo" (1974) e "Poesias Reunidas" (1988), entre outros. É diplomata e vive atualmente na Holanda.

DIÁRIO
O dia que traz consigo?
Arcas, roupas de baixo
livros sem capa
versos alambicados
sapatos a que faltam cadarço
vogam pelo quarto
batem desencontrados
fazem um barulhão
dos diabos
que acorda os vizinhos
Domingo ou segunda-feira
há sempre missa
todos saem
O prédio fica vazio
no meio do bairro vazio
de uma cidade vazia
O poeta, sem vizinhança
remotíssima criatura
levanta-se, vai à janela
e espia o pátio lá em baixo
Podia pensar um verso
podia, mas não pensa


De "Amostra Grátis" (1953-1963)



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