São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2004

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LEIA ENTREVISTA COM O CRIADOR DO TERMO "METROSSEXUAL", CONCEITO QUE DEFINE O HOMEM EXTREMAMENTE NARCISISTA

EU, EU MESMO E EU TAMBÉM

Fabian Matherath - 5.jan.2004/DDP/France Presse
O ator Tom Cruise antes de exibição de "O Último Samurai", que estreou em SP na última sexta-feira


da "Salon"

Em julho de 2002, Mark Simpson apresentou aos leitores de "Salon" -e aos EUA- seu filho do amor e do ódio, impecavelmente criado: o metrossexual. Eis sua definição daquele artigo: "O típico metrossexual é um homem jovem com dinheiro para gastar, que vive numa metrópole ou perto dela - porque é lá que estão as melhores lojas, boates, academias e cabeleireiros. Poderia ser oficialmente gay, hetero ou bissexual, mas isso é totalmente irrelevante, porque ele adotou a si mesmo como objeto de amor, e o prazer como preferência sexual. Determinados trabalhos parecem atraí-lo, como modelo ou garçom, na mídia, na música pop e, hoje em dia, nos esportes, mas, para dizer a verdade, assim como muitos produtos de beleza masculinos e a herpes, ele está praticamente em toda parte".
Desde então o metrossexual se tornou ainda mais onipresente. Nesta era acelerada ele cresceu em questão de meses e se tornou figura frequente no marketing. Milhares de artigos sobre metrossexuais apareceram em jornais, revistas e na TV no mundo todo. Escreveram-se livros sobre ele. Vários homens conhecidos se "revelaram" metrossexuais, incluindo o possível candidato democrata à presidência Howard Dean. A seguir, Simpson responde a algumas das muitas perguntas que lhe fizeram no ano passado sobre o que ele chamou de seu "Frankenstein de pele perfeita, aterrorizando e encantando o mundo".

Por que o seu termo "metrossexual", que você usou pela primeira vez dez anos atrás, está tão na moda hoje?
Quando escrevi sobre a metrossexualidade, nos dias sombrios de 1994, a maioria das pessoas negava esse novo problema social. Os próprios metrossexuais não queriam enfrentar quem realmente eram. Tinham vergonha, não de amar a si próprios, é claro, mas do que o mundo pensaria disso. Eles temiam, provavelmente com razão, que seus parceiros e amigos não compreendessem, não quisessem compreender. Embora a mídia na época já estivesse cheia de homens metrossexuais, todos estavam no armário. Não havia metrossexuais abertos e ajustados, que pudessem servir de modelo para os jovens metros isolados, debatendo-se com seu profundo desejo por perfumes e roupas íntimas.
Por isso, quando voltei ao assunto neste site no ano passado, decidi que estava na hora de ser impiedoso e dar nomes: destaquei vários metrossexuais importantes, entre eles David Beckham, Brad Pitt e o Homem-Aranha. Depois do choque inicial, os protestos diminuíram e ficou claro que minha ousadia tinha demolido tabus e, acredito, provocado um abalo sísmico nos costumes sociais. De repente, décadas de vapor acumulado tinham sido liberadas. Agora as pessoas conseguiam falar -interminavelmente- sobre um assunto que antes nem podiam admitir. Seguiu-se uma reação em cadeia, enquanto centenas de milhares de metrossexuais de todo o mundo que se escondiam em seus closets sentiram forças para se revelar -ou pelo menos seus amigos e parceiros sentiram forças para fazê-lo em nome deles. No lugar do "narcisista patológico" de tom ligeiramente perverso do pudico século 20, lá estava o metrossexual declarado e até orgulhoso, urbano e erótico, muito "garoto do século 21". E todo mundo o queria.
Como você inventou o termo e o que ele significava na época?
Quando empreguei a palavra pela primeira vez, em 1994, no jornal britânico "Independent", o fiz para descrever um tipo de masculinidade narcisista, egocêntrica e saturada de mídia. Era a versão de masculinidade produzida por Hollywood, a publicidade e as revistas de moda para substituir a masculinidade tradicional, reprimida, sem brilho ou umidade, que não fazia muitas compras e pensava que bastava ganhar dinheiro para as mulheres ou namoradas gastarem. Nos anos 80, parecia que esse tipo de homem só existia realmente na publicidade. No início dos 90, ficou claro de maneira alarmante que a vida estava imitando a arte ruim. Pelo menos para uma pessoa como eu, que tinha passado tempo demais pensando nessas coisas.
O conceito evoluiu do meu livro de 1994, "Male Impersonators" ["Imitadores de Homens"], que analisava o efeito de um mundo cada vez mais estetizado e inautêntico sobre a masculinidade. Pensei em "metrossexual" como uma sátira impertinente, mas também como uma observação social séria. Acho improvável que eu tenha sido o primeiro a pronunciar essa palavra, mas parece que fui o primeiro a publicá-la e a elaborar um conceito por trás dela. É algo com que preciso aprender a conviver.
Existe realmente essa coisa chamada metrossexual? Ou é apenas um nicho conveniente?
Bem, "metrossexual" é uma categoria bastante ridícula, mas talvez não mais ridícula que "heterossexual" ou "homossexual". Eu diria que é tão real quanto essas duas outras categorias. Possivelmente ainda mais. O metrossexual é uma espécie identificável; você pode apontar para um. Apontar para um heterossexual ou homossexual geralmente não é tão fácil sem segui-lo até sua casa para verificar. Talvez seja por causa da proliferação do metrossexual.
Em sua definição original, a orientação sexual de um metrossexual é irrelevante. Mas na maior parte da cobertura na mídia e da literatura de marketing ele é descrito como hetero. Por quê?
Em parte, como eu digo, porque todos os gays são supostamente estilosos e bem apresentados. Isso é o que "gay" significa, aparentemente. No entanto, descrever o metrossexual como hetero é ligeiramente tolo. Mas a publicidade sempre vende as coisas como sendo o contrário do que são. Sim, a maioria dos metrossexuais vai para a cama com mulheres e sempre irá para a cama com mulheres, mas não há nada de "hetero" na metrossexualidade. Ela "desvia" todos os códigos oficiais de masculinidade dos últimos cem anos: é passiva quando deveria ser sempre ativa, desejada quando deveria estar sempre desejando, olhada quando deveria estar sempre olhando. O fato de os metrossexuais não serem gays ou bissexuais só torna as coisas ainda mais bizarras. Um metrossexual hetero verifica: 1) a si mesmo, 2) outros metros -que outra maneira de saber o que está na moda nesta estação?- e 3) as mulheres que combinam com suas cores básicas. Não necessariamente nessa ordem, mas também não desnecessariamente nessa ordem.
Talvez a coisa mais interessante sobre a metrossexualidade é que ela representa o início do fim da "sexualidade", a pseudociência da preferência sexual do século 19 que dizia que a personalidade e a identidade são ditadas pelo fato de os órgãos genitais de seu parceiro terem ou não a mesma forma dos seus. Em uma era pós-industrial e hiperconsumista como a nossa, não se permite que a identidade e a personalidade sejam inerentes -isso levaria à falência a maioria das agências de publicidade. Em vez disso, elas se baseiam em opções de estilo de vida, padrões de consumo, marcas, círculos sociais. Como exemplo, existem revistas de estilo de vida para casais do mesmo sexo e de sexo trocado. O amor -e também a reprodução- é um estilo de vida. A orientação sexual dos metrossexuais é obviamente importante para eles e seus parceiros, mas sua identidade não se baseia nisso e, de um ponto de vista cultural-comercial, é quase irrelevante.
Quem personifica melhor o metrossexual, além de David Beckham?
Tom Cruise. Hoje ele tem mais de 40 anos, mas usa toda a tecnologia da beleza e da moda para continuar sendo um garoto de pele macia e desejável, com um sorriso maroto. Ele ainda é o Maverick do filme definitivo dos anos 80, "Ases Indomáveis". Na verdade, ainda é o adolescente sem calças pulando sobre o sofá em "Negócio Arriscado". Portanto os filmes "Missão Impossível" são na verdade sobre sua busca impossível para continuar eternamente jovem e desejável -e o objeto sexual de seus próprios filmes. Essa é a narrativa que todos os metrossexuais estão destinados a encenar, embora a maioria com muito menos ajuda dos maquiadores, filtros e truques de Hollywood. A metrossexualidade está a apenas um fio de cabelo do gato-por-lebre. Vi que, em seu último filme, Tom finalmente deixou a barba crescer, mas aposto com você que ela está cheia de produtos capilares. Assim como o metrossexual, não há "mistério" sobre a preferência sexual dele -sua carreira de enorme sucesso no cinema é um testamento de seu apaixonado romance com... Tom.
A metrossexualidade é um produto da Geração X? Isto é, na falta de heróis, um homem se vira para dentro e passa a adorar a si mesmo?
É mais uma questão de não ter um pai. Os metrossexuais são todos "bastardos", na medida em que querem ser sua própria criação, embora talvez acabem sendo o produto da cultura corporativa. Eles têm heróis, mas geralmente apenas estéticos. Homens famosos por seu visual e seu estilo, mais que, digamos, suas conquistas políticas ou militares. Eles admiram heróis esportivos, mas geralmente apenas aqueles com o melhor perfil (na mídia) e contratos de patrocínio de produtos.
Qual a diferença entre um metrossexual e um yuppie?
Um metrossexual jamais usaria enchimento nos ombros. Ele vestiria uma camisa sem mangas para mostrar seus deltóides deliciosamente desenvolvidos e tatuagens elaboradas. De todo modo, os yuppies hoje são uma categoria defunta e insignificante, porque desde os anos 80 qualquer pessoa no mundo ocidental tornou-se ou quer ser yuppie. Com exceção de alguns manifestantes anticapitalistas com gorro de esquiar.
Então, realmente, qual é a diferença entre um metrossexual e um homossexual?
Os metrossexuais se vestem melhor. Os homossexuais são muito "ano passado".
Os metrossexuais são realmente um fenômeno moderno? E os dândis?
Um metrossexual não seria apanhado de peruca empoada -embora pudesse ser tentado pelas meias e os sapatos de fivela. Desculpe ser pedante, mas os dândis foram um fenômeno do século 18. Os metrossexuais pertencem ao século 21. O dandismo era o objetivo de uma elite, principalmente aristocrática, ou um grupo de homens que queriam ser aristocratas, e foi sobretudo uma maneira de manifestar sua riqueza, seu ócio e seu gosto refinado. A metrossexualidade é uma corrente dominante, um fenômeno de consumo de massa que envolve a total mercantilização do corpo masculino. Ela usa Hollywood, a publicidade, os esportes e as revistas de moda como galeria inspiradora, em vez do alto classicismo. O metrossexual deseja ser desejado. O dândi queria ser admirado. Ou pelo menos ser alvo de fofocas.
Além disso, existem continuidades. Oscar Wilde, provavelmente o mais famoso e mais populista dândi do século 19, teria compreendido a metrossexualidade e talvez até a tivesse aprovado -certa vez ele declarou: "Amar a si mesmo é o início de um romance que dura toda a vida". Embora ele nunca tenha conseguido alcançar pessoalmente seus padrões atléticos exigentes. Foi o julgamento e a prisão de Wilde por "flagrante indecência", no final do século 19, que popularizou o homossexual: a palavra foi cunhada em 1860 -e, assim como "metrossexual", é uma conjugação proibida e infeliz de grego e latim. Ela também simbolizou o triunfo da idéia da era industrial de que a sensualidade, o estetismo e o narcisismo masculinos eram patológicos, pervertidos e criminosos -pelo menos quando praticados da maneira correta. Foi o conceito decisivamente classe-média de "sexualidade" que matou o dândi. Hoje, apropriadamente, o metrossexual está matando a sexualidade.


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


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