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Para Steiner, toda leitura é tradução
EDUARDO STERZI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ao se buscar definir a
singularidade da
obra de George
Steiner, é quase
inevitável começar
pela constatação assombrada
de sua inacreditável abrangência. Steiner dedicou ensaios
dispersos e livros inteiros a temas bastante variados, tanto
especificamente literários (foi
sempre, antes de tudo, um crítico de literatura) quanto mais
amplamente culturais.
Seu primeiro livro, "Tolstói
ou Dostoiévski", de 1959, é uma
comparação audaciosa entre os
romances dos dois maiores escritores russos. Em 1961, Steiner publica uma versão bastante modificada de sua tese de
doutorado, "A Morte da Tragédia", na qual, desde o título, não
faz segredo da ambição de ombrear-se com Nietzsche, ao especular agora não sobre o nascimento e o renascimento da
forma trágica, como fizera o filósofo alemão, mas sobre o seu
declínio de par com a dissolução progressiva do horizonte
mítico-teológico que propiciara sua emergência na Grécia
antiga e suas retomadas na Inglaterra elisabetana e na França do século 17.
Contudo, seu livro mais importante -pela novidade do tema ao tempo de sua publicação
e, não menos, pela originalidade do enfoque- parece ser
"Depois de Babel", de 1975 (revisto e ampliado em 1998).
Trata-se, à primeira vista, de
um vasto estudo sobre tradução; porém, o livro pode ser lido também como uma reflexão
exaustiva sobre a linguagem,
especialmente atenta à pluralidade das línguas ("por que tantas línguas e não apenas uma?"
parece ser a versão steineriana
para a questão fundamental da
metafísica, "por que o ser e não
antes o nada?").
Pluralidade esta que, frisa
Steiner, não deve ser compreendida apenas como um
obstáculo à comunicação entre
homens, mas, sim, como uma
espécie de bênção, na medida
em que cada língua constitui
uma diferente abertura sobre o
mundo.
Compreender é traduzir
O livro é orientado por uma
ideia inovadora: a ideia de que
compreender é sempre traduzir, de que nunca se chega ao
significado de um texto (ou de
qualquer outro corpus significante) sem um ato de tradução.
Por meio de uma sequência de
análises de textos literários, na
abertura do primeiro capítulo,
Steiner demonstra que, mesmo
no interior de um idioma, seja
por mudanças no vocabulário
de uma época a outra, seja por
usos particulares do léxico e da
sintaxe por certos autores, está
sempre implícita na leitura alguma forma de tradução.
Aliás, "Depois de Babel" está
repleto de exames de textos literários de diversas procedências, configurando, além do
compêndio sobre os "aspectos
da tradução e da linguagem"
que seu subtítulo promete,
uma genuína suma de literatura comparada, a ser posta ao lado, numa biblioteca de afinidades secretas, de monumentos
de erudição e inteligência crítica como "Literatura Europeia e
Idade Média Latina", de Ernst
Robert Curtius, e "Mimesis",
de Erich Auerbach.
EDUARDO STERZI é escritor e crítico,
autor de "Por Que Ler Dante" (ed. Globo),
entre outros livros.
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