São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2009

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Para Steiner, toda leitura é tradução

EDUARDO STERZI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ao se buscar definir a singularidade da obra de George Steiner, é quase inevitável começar pela constatação assombrada de sua inacreditável abrangência. Steiner dedicou ensaios dispersos e livros inteiros a temas bastante variados, tanto especificamente literários (foi sempre, antes de tudo, um crítico de literatura) quanto mais amplamente culturais.
Seu primeiro livro, "Tolstói ou Dostoiévski", de 1959, é uma comparação audaciosa entre os romances dos dois maiores escritores russos. Em 1961, Steiner publica uma versão bastante modificada de sua tese de doutorado, "A Morte da Tragédia", na qual, desde o título, não faz segredo da ambição de ombrear-se com Nietzsche, ao especular agora não sobre o nascimento e o renascimento da forma trágica, como fizera o filósofo alemão, mas sobre o seu declínio de par com a dissolução progressiva do horizonte mítico-teológico que propiciara sua emergência na Grécia antiga e suas retomadas na Inglaterra elisabetana e na França do século 17.
Contudo, seu livro mais importante -pela novidade do tema ao tempo de sua publicação e, não menos, pela originalidade do enfoque- parece ser "Depois de Babel", de 1975 (revisto e ampliado em 1998). Trata-se, à primeira vista, de um vasto estudo sobre tradução; porém, o livro pode ser lido também como uma reflexão exaustiva sobre a linguagem, especialmente atenta à pluralidade das línguas ("por que tantas línguas e não apenas uma?" parece ser a versão steineriana para a questão fundamental da metafísica, "por que o ser e não antes o nada?").
Pluralidade esta que, frisa Steiner, não deve ser compreendida apenas como um obstáculo à comunicação entre homens, mas, sim, como uma espécie de bênção, na medida em que cada língua constitui uma diferente abertura sobre o mundo.

Compreender é traduzir
O livro é orientado por uma ideia inovadora: a ideia de que compreender é sempre traduzir, de que nunca se chega ao significado de um texto (ou de qualquer outro corpus significante) sem um ato de tradução.
Por meio de uma sequência de análises de textos literários, na abertura do primeiro capítulo, Steiner demonstra que, mesmo no interior de um idioma, seja por mudanças no vocabulário de uma época a outra, seja por usos particulares do léxico e da sintaxe por certos autores, está sempre implícita na leitura alguma forma de tradução.
Aliás, "Depois de Babel" está repleto de exames de textos literários de diversas procedências, configurando, além do compêndio sobre os "aspectos da tradução e da linguagem" que seu subtítulo promete, uma genuína suma de literatura comparada, a ser posta ao lado, numa biblioteca de afinidades secretas, de monumentos de erudição e inteligência crítica como "Literatura Europeia e Idade Média Latina", de Ernst Robert Curtius, e "Mimesis", de Erich Auerbach.


EDUARDO STERZI é escritor e crítico, autor de "Por Que Ler Dante" (ed. Globo), entre outros livros.


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