|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ Autores
Como era gostoso meu português
Fechamento
do curso da língua de Camões na Universidade de Cambridge aponta o limbo internacional em que vive
o idioma
LUIZ COSTA LIMA
COLUNISTA DA FOLHA
P
or e-mail de 22 de janeiro passado, me é
informado que a Universidade de Cambridge fechou a sua
licenciatura em português. Para que bem se entenda o que isso significa, transcrevo o miolo
da mensagem.
"O departamento de espanhol e português da Universidade de Cambridge acaba de
aprovar o encerramento da licenciatura em português, reduzindo o ensino das atuais cadeiras de língua, lingüística e literaturas portuguesa, brasileira, moçambicana e angolana
(abrangendo períodos desde o
século 16 até a atualidade) a
uma única cadeira, combinando língua e literatura, com pequenos componentes adicionais inseridos em cadeiras de
espanhol, em nível de licenciatura e de mestrado.
As outras línguas estudadas
em nível de licenciatura na Faculdade de Línguas Modernas
e Medievais, na Universidade
de Cambridge, após o encerramento do português, passarão
a ser: alemão, espanhol, francês, grego contemporâneo, italiano, holandês e russo. (...)
Um terço dos alunos de doutoramento do departamento
de espanhol e português trabalha na área do português, sendo
que apenas dois dos membros
do corpo docente, em um departamento de 12 professores,
pertencem a essa disciplina.
O português foi, ademais, selecionado para especial louvor
entre todas as disciplinas de licenciatura da Faculdade de
Línguas Modernas e Medievais
nas duas últimas avaliações externas da Faculdade.
No atual clima de déficit orçamental atravessado por
Cambridge, porém, e na ausência de uma campanha nacional
e internacional de oposição a
essa decisão, é quase certo que
a universidade aceite e implemente uma proposta de economia instigada pelo próprio departamento."
Conforme o que se lê, a medida não decorre da falta de
alunos, do excesso de professores ou de pequena produtividade. De todo modo, havendo sido a iniciativa da direção do departamento e, ante o clima deficitário -são conhecidas as dificuldades financeiras que hoje
enfrentam as universidades no
Ocidente-, o missivista apela,
como último recurso, para a
pressão internacional.
Quem seria capaz de exercê-la, pergunto-me, se não os próprios Estados nacionais envolvidos no corte? O Brasil, por
acaso, que a mensagem registra
ser a 11ª economia mundial?
Proponho-me indagar se a esperança é cabível.
Antes, porém, de fazê-lo, dado meu desconhecimento do
cotidiano universitário inglês,
permito-me registrar uma certa semelhança com o que se
passa nos departamentos norte-americanos correspondentes: haver sido a iniciativa tomada por seu diretor e, no departamento, haver apenas dois
professores, entre 12, que se
dedicavam ao português, dão a
entender que, em Cambridge,
se reproduzia a briga por postos, alunos e, conseqüentemente, verbas.
Se há alguma reação possível
seria dos Estados cuja literatura é escrita em português. A do
Brasil seria presumível? Eis
meu objeto de indagação.
Economia e cultura
Imagine o leitor que, de repente, algum país impedisse a
importação de algum produto
brasileiro, importante em sua
balança de pagamentos.
Poderemos estar certos que
artigo como o meu seria ocioso.
O governo já teria se mobilizado, jornais e televisões teriam
concentrado matérias, reportagens e convocado seus melhores analistas.
Por que o mesmo não é esperável nesse caso? Seria perda de
tempo repetir que uma coisa é a
economia, a outra... a cultura.
Sejamos menos óbvios, apontando alguns fatos que expliquem minha descrença.
Há cerca de dois anos, neste
mesmo jornal, denunciamos o
fechamento em Berlim do único instituto existente na Europa continental que se destinava
a difundir a cultura brasileira.
Perguntaram-me depois, da
Alemanha, que reações o artigo
suscitara. A resposta correta
seria: exceto de uma ou outra
pessoa, nenhuma.
Enquanto países como a Alemanha e a França têm órgãos
destinados a contribuir para a
tradução de obras de sua cultura e colaboram para que se efetive a presença de professores e
pesquisadores seus, a pequena
ajuda oferecida pela Biblioteca
Nacional brasileira para a tradução de obras brasileiras é interrompida com a mudança de
direção, sem que isso sequer seja comunicado.
Esses fatos são, contudo, insignificantes perante o seguinte: a Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) é bastante vaga sobre o
ensino de língua e literatura.
Estabelece que a língua portuguesa será considerada "como
instrumento de comunicação,
acesso ao conhecimento e acesso à cidadania" (art. 36, par. 1º).
Lógica da ignorância
A formulação vaga da LDB
permite tal elasticidade: fica a
critério das escolas ensinar ou
não um pouco de literatura.
Como nada o impede e os jovens são cada vez mais "televisivos", nada impede que os textos literários desapareçam do
ensino. Ora, se assim sucede internamente, como podemos
supor que a decisão da universidade inglesa provoque algum
protesto? Mas não desistamos
de antemão.
Na tentativa de levar o protesto adiante, perguntemo-nos
qual a lógica que terá presidido
as medidas acima referidas.
No caso da fusão de língua e
literatura, dado o que ganham
os professores, é difícil supor
que o motivo tenha sido econômico. É difícil mesmo encontrar alguma razão plausível.
Em troca, ela era declaradamente econômica no caso do
instituto berlinense. Na Embaixada do Brasil, me diziam
que, embora fosse uma instituição privada, ela não se sustentava sem o apoio do Ministério
das Relações Exteriores e que o
corpo diplomático era capaz de
prestar o mesmo serviço a custo menor.
Falavam-me então da promoção que iriam fazer durante
a Copa do Mundo. Seriam mesas-redondas, festivais de cinema e dança etc. Quem sabe o
que resultou disso? Com maior
ênfase, o mesmo veio a ser feito
na França. Talvez uma chuva
no sertão tivesse tido melhor
resultado. O Brasil continuou
tão ignorado quanto antes.
A constatação simples é que,
em matéria de cultura escrita,
as alternativas políticas entre
nós inexistem. Estamos todos
de acordo quanto ao estímulo
ao superávit primário. Agentes
de cultura? Só se forem da chamada cultura industrial.
Que pressão, portanto, pode
esperar o missivista, sobriamente aflito, de Cambridge?
Espero que me engane.
LUIZ COSTA LIMA é crítico e professor da Universidade do Estado do RJ e da Pontifícia Universidade Católica (RJ). É autor de "História,
Ficção, Literatura" (Companhia das Letras).
Texto Anterior: Discoteca Básica: Bachianas Próximo Texto: + Cultura: A ascensão do spanglish Índice
|