São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2007

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Como era gostoso meu português

Fechamento do curso da língua de Camões na Universidade de Cambridge aponta o limbo internacional em que vive o idioma

LUIZ COSTA LIMA
COLUNISTA DA FOLHA

P or e-mail de 22 de janeiro passado, me é informado que a Universidade de Cambridge fechou a sua licenciatura em português. Para que bem se entenda o que isso significa, transcrevo o miolo da mensagem. "O departamento de espanhol e português da Universidade de Cambridge acaba de aprovar o encerramento da licenciatura em português, reduzindo o ensino das atuais cadeiras de língua, lingüística e literaturas portuguesa, brasileira, moçambicana e angolana (abrangendo períodos desde o século 16 até a atualidade) a uma única cadeira, combinando língua e literatura, com pequenos componentes adicionais inseridos em cadeiras de espanhol, em nível de licenciatura e de mestrado.
As outras línguas estudadas em nível de licenciatura na Faculdade de Línguas Modernas e Medievais, na Universidade de Cambridge, após o encerramento do português, passarão a ser: alemão, espanhol, francês, grego contemporâneo, italiano, holandês e russo. (...) Um terço dos alunos de doutoramento do departamento de espanhol e português trabalha na área do português, sendo que apenas dois dos membros do corpo docente, em um departamento de 12 professores, pertencem a essa disciplina.
O português foi, ademais, selecionado para especial louvor entre todas as disciplinas de licenciatura da Faculdade de Línguas Modernas e Medievais nas duas últimas avaliações externas da Faculdade. No atual clima de déficit orçamental atravessado por Cambridge, porém, e na ausência de uma campanha nacional e internacional de oposição a essa decisão, é quase certo que a universidade aceite e implemente uma proposta de economia instigada pelo próprio departamento." Conforme o que se lê, a medida não decorre da falta de alunos, do excesso de professores ou de pequena produtividade. De todo modo, havendo sido a iniciativa da direção do departamento e, ante o clima deficitário -são conhecidas as dificuldades financeiras que hoje enfrentam as universidades no Ocidente-, o missivista apela, como último recurso, para a pressão internacional.
Quem seria capaz de exercê-la, pergunto-me, se não os próprios Estados nacionais envolvidos no corte? O Brasil, por acaso, que a mensagem registra ser a 11ª economia mundial? Proponho-me indagar se a esperança é cabível. Antes, porém, de fazê-lo, dado meu desconhecimento do cotidiano universitário inglês, permito-me registrar uma certa semelhança com o que se passa nos departamentos norte-americanos correspondentes: haver sido a iniciativa tomada por seu diretor e, no departamento, haver apenas dois professores, entre 12, que se dedicavam ao português, dão a entender que, em Cambridge, se reproduzia a briga por postos, alunos e, conseqüentemente, verbas.
Se há alguma reação possível seria dos Estados cuja literatura é escrita em português. A do Brasil seria presumível? Eis meu objeto de indagação.

Economia e cultura
Imagine o leitor que, de repente, algum país impedisse a importação de algum produto brasileiro, importante em sua balança de pagamentos. Poderemos estar certos que artigo como o meu seria ocioso. O governo já teria se mobilizado, jornais e televisões teriam concentrado matérias, reportagens e convocado seus melhores analistas. Por que o mesmo não é esperável nesse caso? Seria perda de tempo repetir que uma coisa é a economia, a outra... a cultura.
Sejamos menos óbvios, apontando alguns fatos que expliquem minha descrença. Há cerca de dois anos, neste mesmo jornal, denunciamos o fechamento em Berlim do único instituto existente na Europa continental que se destinava a difundir a cultura brasileira. Perguntaram-me depois, da Alemanha, que reações o artigo suscitara. A resposta correta seria: exceto de uma ou outra pessoa, nenhuma.
Enquanto países como a Alemanha e a França têm órgãos destinados a contribuir para a tradução de obras de sua cultura e colaboram para que se efetive a presença de professores e pesquisadores seus, a pequena ajuda oferecida pela Biblioteca Nacional brasileira para a tradução de obras brasileiras é interrompida com a mudança de direção, sem que isso sequer seja comunicado. Esses fatos são, contudo, insignificantes perante o seguinte: a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) é bastante vaga sobre o ensino de língua e literatura. Estabelece que a língua portuguesa será considerada "como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e acesso à cidadania" (art. 36, par. 1º).

Lógica da ignorância
A formulação vaga da LDB permite tal elasticidade: fica a critério das escolas ensinar ou não um pouco de literatura. Como nada o impede e os jovens são cada vez mais "televisivos", nada impede que os textos literários desapareçam do ensino. Ora, se assim sucede internamente, como podemos supor que a decisão da universidade inglesa provoque algum protesto? Mas não desistamos de antemão. Na tentativa de levar o protesto adiante, perguntemo-nos qual a lógica que terá presidido as medidas acima referidas.
No caso da fusão de língua e literatura, dado o que ganham os professores, é difícil supor que o motivo tenha sido econômico. É difícil mesmo encontrar alguma razão plausível. Em troca, ela era declaradamente econômica no caso do instituto berlinense. Na Embaixada do Brasil, me diziam que, embora fosse uma instituição privada, ela não se sustentava sem o apoio do Ministério das Relações Exteriores e que o corpo diplomático era capaz de prestar o mesmo serviço a custo menor.
Falavam-me então da promoção que iriam fazer durante a Copa do Mundo. Seriam mesas-redondas, festivais de cinema e dança etc. Quem sabe o que resultou disso? Com maior ênfase, o mesmo veio a ser feito na França. Talvez uma chuva no sertão tivesse tido melhor resultado. O Brasil continuou tão ignorado quanto antes.
A constatação simples é que, em matéria de cultura escrita, as alternativas políticas entre nós inexistem. Estamos todos de acordo quanto ao estímulo ao superávit primário. Agentes de cultura? Só se forem da chamada cultura industrial. Que pressão, portanto, pode esperar o missivista, sobriamente aflito, de Cambridge? Espero que me engane.


LUIZ COSTA LIMA é crítico e professor da Universidade do Estado do RJ e da Pontifícia Universidade Católica (RJ). É autor de "História, Ficção, Literatura" (Companhia das Letras).


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