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+ sociedade
Pesquisadores de áreas como antropologia, história, sociologia e psicanálise
investigam os sentidos do termo "masculinidade" e suas implicações contemporâneas
A gênese cultural dos pitboys
Mirian Goldemberg
especial para a Folha
Recentemente, caminhando ao entardecer na praia de Ipanema, fui
abordada por sete meninos que
pediram dinheiro. Respondi: "Eu
não tenho nada". Eles, então, me ameaçaram: "Está escondido na calcinha. Vamos te cortar toda!". Andei assustada em
direção a um policial, que estava a poucos metros. Ele, como se fosse a coisa
mais natural do mundo, disse: "Eu não
posso fazer nada, são menores... Eles só
atacam mulher, homem não tem medo
deles".
Nas últimas semanas, jovens de classe
média provocaram espancamentos em
boates da zona Sul carioca. A apologia da
delinqüência, que, nesse caso, não pode
ser justificada por razões econômicas,
aparece como uma espécie de novo estilo
de vida de uma parcela significativa da
juventude, revelando o fascínio pela
imagem masculina violenta, que impõe
autoridade pelo terror, pela exibição da
força física e de músculos inflados por
anabolizantes e horas de exercícios em
academias. Os jovens baderneiros retratam um etos masculino que tem na violência e na exibição da supremacia física
a prova de sua masculinidade.
Lembrei desses dois tipos urbanos
-meninos de rua e "pitboys"- e de
nossa vulnerabilidade "feminina" diante
de ações violentas ao ler a excelente coletânea organizada por Mônica Raisa
Schpun -"Masculinidades" [ed. Boitempo, 288 págs., R$ 30,00]. Os artigos
do livro trazem interessantes reflexões
sobre as diversas dimensões contidas no
termo "masculinidades", tendo como
base pesquisas realizadas no Brasil e no
exterior e ricas discussões teóricas com
autores de diferentes áreas de conhecimento (antropologia, sociologia, história
e psicanálise).
Lógica de guerra
Véronique Nahoum-Grappe examina as formas de
violência exercidas pelos homens contra
as mulheres, mostrando os estupros
dentro de uma lógica de guerra, como
um conjunto de estratégias dirigidas às
populações vencidas na ex-Iugoslávia.
Lia Zanotta Machado, a partir de entrevistas com prisioneiros que cumprem
penas por estupro, agressões físicas contra suas companheiras ou infrações, analisa a construção da masculinidade associada a diferentes formas de violência
contra a mulher. Luisa Leonini discute as
atuais motivações masculinas para o aumento significativo do consumo de sexo
pago nas grandes cidades, como Milão.
Daniel Welzer-Lang faz um balanço
dos estudos franceses sobre o masculino,
desvendando as relações hierárquicas
entre os próprios homens. Durval Muniz
de Albuquerque Jr. e Rodrigo Ceballos
mostram a construção e visibilidade da
homossexualidade masculina no Nordeste, a partir da análise de cartas enviadas ao jornal alternativo "Lampião da
Esquina". Susan Clayton traz o interessante caso de um operário inglês da indústria naval morto num acidente de trabalho, em 1829, casado durante 21 anos
com uma mulher. Somente no momento
da autópsia descobriu-se que seu sexo
era feminino.
Adriana Piscitelli explora as marcas de
gênero presentes nos relatos sobre três
empresários fundadores de grandes grupos de perfil familiar (Indústrias Matarazzo, Casas Pernambucanas e Sadia).
Por fim, Mônica Raisa Schpun analisa a
trajetória singular da médica Carlota Pereira de Queiroz, primeira deputada federal eleita no Brasil, em 1933, e suas estratégias de sobrevivência em campos
políticos e profissionais masculinos.
Dominantes e dominadas
Após
décadas em que os estudos de gênero se
ocuparam, quase exclusivamente, em
analisar as mulheres, que eram o problema e a categoria a ser observada, classificada e dissecada, nos últimos anos os
pesquisadores têm se preocupado em
problematizar os homens e a construção
social da masculinidade.
Como bem destacou Pierre Bourdieu,
em "A Dominação Masculina", a estrutura impõe suas pressões aos dois termos
da relação de dominação, portanto aos
próprios dominantes, que são "dominados por sua dominação", fazendo um
"esforço desesperado e bastante patético, mesmo em sua triunfal inconsciência, que todo homem tem que fazer para
estar à altura de sua idéia infantil de homem". Nos casos apresentados, o exercício da violência física ou simbólica pode
ser visto como exemplo dessa dominação que o dominante também sofre.
Este livro é uma importante contribuição para compreender as terríveis exigências sociais a respeito de determinados modelos de masculinidade, que escravizam não apenas as mulheres, mas
também os homens.
Mirian Goldemberg é doutora em antropologia
social e professora da Universidade Federal do Rio
de Janeiro. É autora de "A Arte de Pesquisar", "Os
Novos Desejos" e "Nu & Vestido" (ed. Record).
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