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Enciclopédia do Império
Em três volumes, "O Brasil Imperial" reflete avanços nas pesquisas sobre a história brasileira no século 19
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MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Sucessos de vendas como "1808", de Laurentino Gomes [Ed.
Planeta, 2007], ou os
menos recentes "As
Barbas do Imperador", de Lilia
Moritz Schwarcz, e "Mauá - O
Empresário do Império", de
Jorge Caldeira [ambos publicados pela Companhia das Letras
nos anos 1990], tornaram a história do Brasil no século 19
mais acessível e interessante
para o grande público.
Apesar de sua linguagem clara, sem vícios acadêmicos, os
três grossos volumes de "O
Brasil Imperial" dirigem-se a
outro tipo de leitor. Mais de 30
pesquisadores contribuem
com ensaios sobre temas bastante específicos, pressupondo
que ninguém se assuste, por
exemplo, com análises a respeito da política indigenista estabelecida pelo Regulamento
de 1845 ou considerações sobre
as modificações no calendário
das comemorações cívicas durante o período da Regência
[1831-40].
Numa coletânea de ensaios
tão enciclopédica como esta (e,
de resto, muito bem organizada), perde-se naturalmente
uma visão autoral unificada,
capaz de dar conta, num fôlego
só, de toda a história do período. Refletem-se contudo, como
observa [o historiador] José
Murilo de Carvalho na apresentação da obra, os notáveis
avanços nas pesquisas universitárias sobre o Brasil imperial
-tanto na variedade dos temas
abordados quanto na "horizontalidade" e na "verticalidade",
por assim dizer, da visada
analítica.
"Verticalidade" porque o interesse de muitos pesquisadores se aprofunda na minúcia da
documentação.
Rafael Marquese e Dale Tomich estudam a cafeicultura no
Vale do Paraíba contrastando
sua alta produtividade, para a
época, com os números vigentes nas lavouras de Cuba e de
Java [na Indonésia]. O intuito é
explicar de que modo o Brasil
passou, em poucas décadas, à
posição de maior produtor
mundial de café.
Descentralização
Para falar da história da imigração no Sul do Brasil, João
Klug recorre a escritos de líderes da comunidade alemã, como Hermann Blumenau (em
sua correspondência com o
cônsul-geral da Prússia no Brasil). Klug é professor na Universidade Federal de Santa Catarina -e um dos aspectos marcantes desta coleção, além do
aprofundamento "vertical" no
detalhe dos acontecimentos, é
o de sua latitude geográfica, no
que diz respeito às instituições
universitárias a que pertencem
vários dos pesquisadores.
Magda Ricci trabalha na Universidade Federal do Pará, podendo levantar os antecedentes da Revolta dos Cabanos
[1835-40] com admirável senso
do episódio significativo e especial atenção para as questões
de identidade regional.
Também contrariando as ilusões de óptica de uma historiografia produzida apenas a partir do Rio de Janeiro e de São
Paulo, Eduardo França Paiva
(Universidade Federal de Minas Gerais) nos adverte para o
fato de que a economia mineira
não "desapareceu" depois de
encerrado o ciclo do ouro.
Indo mais longe na descentralização geográfica, Gabriela
Ferreira (Universidade Federal
de São Paulo) retoma a história
das relações entre Brasil, Argentina e Uruguai, com uma segura análise das fricções políticas internas de cada país, para
narrar a derrota das pretensões
imperiais brasileiras na chamada Província Cisplatina (o Uruguai de hoje).
Franjas e interstícios
Do ponto de vista dos temas
abordados, a coletânea não se
limita aos pontos de parada
inevitáveis da história imperial
-a abolição do tráfico, a Guerra
do Paraguai, as crises da Regência-, mas também revela um
aumento do interesse em pesquisar as "franjas", por assim
dizer, e os interstícios do sistema social da época.
O papel dos negros libertos e
dos mulatos, por exemplo, é
ressaltado em diversos trabalhos, que, aliás, se empenham
em dissolver a imagem, ainda
presente, de uma espécie de
"inexistência de povo" no século 19 brasileiro.
Já a questão do ambiente é
tratada por José Augusto Pádua num dos ensaios mais fascinantes do livro.
Para quem se contentou com
a clássica imagem do Império
brasileiro transmitida no ensino médio, na qual liberais e
conservadores eram a mesma
coisa, dominando uma economia baseada apenas na exportação de café, com base no latifúndio e no trabalho escravo,
esta coletânea reserva não poucas surpresas.
Matizes
As duras discussões parlamentares em torno das leis que
precederam a Abolição (como a
dos Sexagenários e a do Ventre
Livre) estão longe de sugerir
que aquelas iniciativas eram
puramente cosméticas, "para
inglês ver".
Mesmo as principais correntes intelectuais e ideológicas do
período -que nos acostumamos a ver como excentricidades a um passo do ridículo-
surgem com muito mais matizes, complexidades e coerências do que se pensa, no artigo
de Leonardo Affonso de Miranda Pereira.
Embora o foco cerrado na
documentação específica confira a "O Brasil Imperial" um
aspecto de conjunto de monografias, é de justiça assinalar
que nenhum dos autores perde
de vista o contexto mais amplo.
Dois trabalhos, pelo menos,
fazem essa ligação de modo
magistral: o de Vitor Izecksohn
sobre a Guerra do Paraguai
[1864-70] e o de Ricardo Salles
sobre a crise da escravidão e
suas relações com o ocaso do
Partido Conservador.
Sem perder o senso da minúcia e do rigor, ensaios como esses podem ser lidos com grande
interesse pelo público não especializado -a que a coletânea,
de modo geral, não se dirige
preferencialmente.
O BRASIL IMPERIAL
Organização: Keila Grinberg e Ricardo
Salles
Editora: Civilização Brasileira (tel.
0/ xx/21/2585-2000)
Quanto: R$ 59,90 cada um dos três
volumes
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