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Um parnasiano engajado
Reunidas
pela primeira vez, crônicas jornalísticas de Olavo Bilac pintam
o Rio da
belle époque
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Machado de Assis
nunca foi tão
"machadiano"
quanto nas suas
crônicas. Talvez até machadiano demais: há
quem se ressinta de um excesso de gracinhas, elegâncias e piruetas nas suas colaborações
para a imprensa.
Farto do efêmero e seduzido
pela imortalidade, Machado de
Assis deixou de escrever suas
crônicas semanais na "Gazeta
de Notícias" em 1897, para dedicar-se à organização da Academia Brasileira de Letras, que
acabava de fundar. Para substituí-lo no jornal, foi escolhido
um escritor de tipo bem diferente: Olavo Bilac (1865-1918).
Poeta consagrado
Aos 32 anos, Bilac já era um
poeta consagrado: seu soneto
"Ora (Direis) Ouvir Estrelas",
publicado 11 anos antes, obtivera sucesso imediato e merecido. Como jornalista, seu nome
também já estava consolidado.
Em 1893, uma série de ataques a Floriano Peixoto levou
Bilac à prisão e, em seguida, ao
exílio em Ouro Preto -de onde,
aliás, foi expulso pela população: havia satirizado um chefe
local.
Estamos longe, portanto, da
imagem do poeta parnasiano
alheio aos combates políticos
de seu tempo, entregue apenas
à confecção de raros berloques
numa versificação irretocável.
Os dois tomos de sua obra
jornalística, coletada por Antonio Dimas com paciência e dedicação de monge, perfazem
1.300 páginas em corpo pequeno, mais 200 de índices. Vêm
acompanhados de um indispensável volume de ensaios escritos pelo organizador, que
mapeia com elegância e objetividade os temas e preocupações de Bilac.
Civilização e barbárie. Canudos e Paris. O Rio de Janeiro
das febres e dos capoeiristas
convivendo com o Rio de Janeiro da modernização urbanística, de Rodrigues Alves, Pereira Passos e Oswaldo Cruz. A
descoberta de Vila Rica e o interesse pela nova capital mineira,
Belo Horizonte, que começava
a sair do papel.
O Brasil, enfim, como um
rascunho borradíssimo, imundo, selvagem, a que cumpriria
embelezar e corrigir até que
fosse alcançada a pureza de um
soneto sem jaça.
Fortemente opinativas, as
crônicas de Olavo Bilac não
têm a graça, a modernidade estilística, a liberdade de invenção das de Machado de Assis.
As idéias de Olavo Bilac raras
vezes destoam dos padrões da
época (sua defesa do divórcio é
uma corajosa exceção), e o convencionalismo de muitas delas
talvez seja, no fundo, o principal motivo para que ainda mantenham uma aparência de
atualidade.
Muita coisa, lida cem anos
depois, surge como feroz preconceito: Antônio Conselheiro
não passa de um "patife"; lundus e maxixes são cacofonias
lascivas; o Carnaval prodigaliza
espetáculos de imundície horrenda. Em outros aspectos,
contudo, o senso comum aproxima Bilac de muitos que queiram lê-lo hoje em dia: também
ele clamava, por exemplo, pelo
"enforcamento" de todos os políticos brasileiros; notava a insegurança nas ruas da cidade; e
destacava ironicamente o poder do jogo do bicho.
Abuso dos clichês
O pior convencionalismo,
num cronista, é contudo o da
linguagem, e as crônicas de Bilac abusam de clichês constrangedores. A necessidade de
preencher espaço leva o autor a
"desenvolvimentos" retóricos
da mais espessa chatice.
Descobriu-se ouro na África
do Sul. O poeta toma fôlego:
"Ah! A fome do ouro! Em que
arriscados passos não se mete a
gente, por amor do lindo metal,
que a natureza previdente armazenou no seio da terra, disfarçando-o em amálgamas vários, como para esconder da
nossa cobiça essa fonte perene
de horrores e sangueiras! Por
amor dele, a alma se endurece,
o coração fica seco como um
areal, afiam-se as unhas à rapina, aguçam-se os dentes à traição, e o espírito, excitado pelas
tentações, inventa requintes de
crueldade, cria prodígios de astúcia".
O leitor sente que o ar começa a ficar irrespirável nesses parágrafos escavados com sacrifício, pressa e ranger de dentes.
Não por acaso, como nota Antonio Dimas, Bilac desmistificaria com ênfase o mito da "torre de marfim", que tanto o havia inspirado, para tornar-se
um áspero defensor dos direitos profissionais dos escritores,
denunciando a ganância das casas editoras de seu tempo.
Diz-se com freqüência que a
crônica é um gênero descompromissado, borboleteante e
leve. Empunhar estes volumes
imensos de Bilac exige do leitor, entretanto, musculatura e
determinação dignas de atleta.
Como documento histórico,
em especial para os estudiosos
da vida urbana da antiga capital
federal, sem dúvida as crônicas
de Bilac são de uma extrema riqueza; depois da redescoberta
de João do Rio e da obra de cronista de Lima Barreto, objeto
de publicações recentes, a recuperação das crônicas de Olavo
Bilac parece indicar um crescente interesse pelo "fin de siècle" carioca.
Talvez porque a experiência
urbana brasileira, nos últimos
20 anos, esteja se distanciando
daquilo que foi sua mais vigorosa forma de expressão artística
-o "futurismo" paulista de 22,
eufórico com o progresso e a
imigração- para voltar-se a
uma situação em que, novamente, "barbárie" e "civilização", a ameaça dos pobres e as
pretensões ao requinte cosmopolita, ocupam mais e mais a
atenção do público.
Como sintoma dessa atitude,
as crônicas de Bilac têm muito
a nos ensinar.
BILAC, O JORNALISTA
Organização: Antonio Dimas
Editora: Ed. da Unicamp/Edusp/Imprensa Oficial do Estado de SP (tel.
0/ xx/11/ 6099-9800)
Quanto: R$ 170 (a caixa); 904 págs.
(vol. 1), 576 págs. (vol. 2), 200 págs.
(vol. 3)
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