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+ história
Napoleão, o escravagista
Estudos relatam
o momento em
que o imperador
abandonou
os ideais
de igualdade
nas colônias
francesas
da América
PHILIPPE-JEAN CATINCHI
Fruto da lei de 10/5/
2001, que faz da escravidão e do tráfico humano um "crime contra a humanidade", a
instauração de um dia em homenagem à lembrança da multidão escravizada e explorada
nas colônias francesas até a
metade do século 19 permitiu
que, pela primeira vez, fosse
celebrada a memória por muito tempo ocultada das vítimas
da história nacional francesa.
Longe de acalmar as paixões,
a tomada de consciência dessa
tragédia humana suscitou reivindicações, mais radicais do
que refletidas, baseadas na
emoção e que desprezam a
análise serena do passado, chegando a desencadear uma campanha tão caluniosa quanto absurda contra o melhor historiador do tráfico humano, Olivier
Pétré-Grenouilleau, cujo magistral ensaio de história mundial, "Les Traites Negrières" (O
Tráfico Negreiro), é de uma
largueza de visão exemplar.
Essa agitação levou o Estado
francês a adotar perfil discreto
na ocasião do bicentenário de
Austerlitz, em 1805, quando
saiu "Le Crime de Napoléon"
(O Crime de Napoleão), o trabalho incendiário do escritor
Claude Ribbe, natural do Guadalupe, estigmatizando "o crime de Napoleão": a restauração da escravatura (1802), que
havia sido abolida em 1794.
Ideais revolucionários
Vale recordar o caminho traçado por Yves Benot (1920-2005), cujo ensaio revelador
"La Démence Coloniale sous
Napoléon" (A Insanidade Colonial sob Napoleão, La Découverte, 420 págs. 12,50, R$ 36)
-que se seguiu ao igualmente
perturbador "La Révolution
Française et la Fin des Colonies" (A Revolução Francesa e
o Fim das Colônias)- criticava
o abandono deliberado, sob o
império, dos ideais igualitários
da Revolução.
A polêmica atual com certeza
pesou sobre a redação do livro
co-assinado por Thierry Lentz
e Pierre Branda Fayard, "Napoléon, l'Esclavage et les Colonies" (Napoleão, a Escravidão e
as Colônias, editora Fayard,
374 págs., 25, R$ 71).
Isso é sentido pelo estilo em
que são apresentados alguns
argumentos intransigentes,
que, entretanto, negam ser refutações partidárias numa disputa que só pode desviar a
atenção do leitor do essencial:
fazer compreender a política
colonial de Napoleão -e seu
doloroso fracasso.
Desde o início, os dois historiadores lembram a perspectiva que rege a aventura colonial
francesa.
Para começar, Colbert, que,
longe de promover o povoamento das colônias, visava apenas o enriquecimento da metrópole por meio da exploração
econômica das terras conquistadas. O regime de exclusividade -em que os colonos são meros concessionários do Estado-, assim como a adoção do
código negro sustentam o "milagre do açúcar", que fez a fortuna da França.
A partir desse momento, a
agitação que se espalha pelas
Antilhas a partir dos primórdios da Revolução passa a preocupar Paris, que teme a perda
de São Domingos, a "pérola" do
império. Numa iniciativa movida pelo realismo, a Convenção abole a escravidão, para
evitar que a ilha escape das
mãos da França.
Golfo do México francês
Igualmente pragmático, Bonaparte sonha em fazer do Golfo do México um "lago francês"
banhando a Louisiana, a Flórida e as Antilhas açucareiras.
Ele se adaptaria ao avanço de
Toussaint Louverture, líder das
revoltas de 1791, que controla
São Domingos desde 1797, se
este se submetesse a sua autoridade. O jogo duplo do general
negro leva o primeiro cônsul a
decidir por uma expedição armada para retomar o controle
do país de suposta abundância.
A empreitada não tem bom
resultado. Preso, Louverture é
deportado e morre na França,
em 1803. A colônia mergulha
na violência e numa autêntica
guerra "patriótica", na qual cada um dos lados quer não tanto
combater o inimigo quanto exterminá-lo.
O retorno progressivo à escravidão desencadeado pela lei
de 20/5/1802, que supostamente poupava São Domingos,
não impediu a espiral de violência sangrenta de arruinar o
vínculo entre a colônia e sua
metrópole.
Abandonando seu sonho
desfeito, Napoleão deixa a
questão antilhana de lado
-nesse contexto, a venda da
Louisiana seria o reconhecimento disso-, inteiramente
ocupado por sua guerra contra
a Inglaterra, que ele já perdera
em escala mundial.
Inteligente, vivo e bem argumentado, este livro instigante
evita todas as interferências
contemporâneas que confundem o sentido e obscurecem o
debate contemporâneo.
Este texto foi publicado no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain.
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