São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 2005 |
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Filmes em ligação direta
Coletânea de 14 ensaios discute a produção cinematográfica e o papel da crítica no Brasil de 1995 até hoje
O livro "Cinema Brasileiro 1995-2005 - Ensaios sobre uma Década" não se limita a uma coisa nem à outra, mas se alimenta delas para expressar uma insatisfação ("nestes dez anos, como há muito não víamos, o cinema brasileiro não construiu uma cinematografia sólida, embora tenha produzido muitos filmes"), um mal-estar ("podemos perceber claramente tendências, vícios, recorrências e distanciamentos internos, numa produção tornada bastante prolífica, embora carregada de problemas e contradições"), um descontentamento ("seguimos com algum atraso a tendência internacional"), uma frustração com o cinema brasileiro ("atrelado que está ao subdesenvolvimento técnico-econômico"). Não o que a produção norte-americana é, mas do que ela diz que o cinema é ("uma diversidade cooptada, sintetizada de acordo com propósitos econômicos e ideológicos") propicia a criação de um espaço imaginário de onde é possível romper a ligação direta com os filmes que fazemos ("como é difícil lidar com a produção brasileira quando estamos inseridos nela") para observá-los à distância. Seguir o caminho indicado pela mídia permite estabelecer um confronto não com o que os filmes são, mas com o que se lamenta ("a ausência de referência à classe média"; "a ausência da figura do intelectual") que eles não sejam. Filmes adjetivos "Como já afirmava o crítico francês Serge Daney", lembra um dos textos, "todo filme é, antes de qualquer outra coisa, um documentário sobre seu modo de produção". A afirmação pode ser transferida para os ensaios desta coletânea: a crítica aqui é, antes de qualquer outra coisa, um documentário sobre seu modo de produção. Não é tema de nenhum trabalho, como de hábito nos balanços que se fazem ao final de cada década, embora nos dez anos examinados aqui a presença da crítica tenha sido relevante -quer pela hostilidade aos filmes brasileiros no começo, quer pela gradativa redução de seu espaço de atuação, no final. A revista "Contracampo", de certo modo, surgiu em 1998 na internet como uma resposta à redução do espaço crítico, que, sim, nas entrelinhas, indiretamente, é o que se discute no livro ("a disposição de participar do debate em torno do cinema brasileiro atual e a vontade de ampliar as visões fazem valer o risco das percepções históricas feitas sem distanciamento histórico"). São 14 ensaios ("diversos olhares sobre temas específicos") organizados em quatro blocos ("Temas e Gêneros", "Abordagens", "Características Históricas" e "Crônicas"), precedidos de uma apresentação ("Histórico de uma Década") e seguidos de breves depoimentos de cinco técnicos e nove diretores. Para melhor entrar no livro, vale talvez lembrar a observação no começo de um dos ensaios: "Nas discussões e debates envolvendo o termo "cinema brasileiro", o substantivo "cinema" quase sempre é ofuscado pelo adjetivo "brasileiro", ou seja, o significante sempre é jogado para escanteio pela origem". Ter em conta que o adjetivo ofusca o substantivo ajuda a perceber na leitura, simultaneamente, campo (o cinema) e contracampo (a crítica). José Carlos Avellar é crítico de cinema, autor de "Glauber Rocha" (Cátedra). Cinema Brasileiro 1995-2005 352 págs., R$ 40 Daniel Caetano (org.). Associação Cultural Contracampo/ed. Azougue (praça Mahatma Gandhi, 2, salas 208-210, RJ, CEP 20031-908, tel. 0/xx/21/ 2240-8812). Texto Anterior: + livros: Perambulações diabólicas Próximo Texto: + livros: Aquela que não deve ser nomeada Índice |
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