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O francês Michel Schneider fala de "Mortes Imaginárias", que reúne ensaios
sobre as derradeiras palavras de autores como Nabokov e Truman Capote
Aquela que não deve ser nomeada
JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL
Sentindo o próprio corpo a definhar e a desfazer-se sobre os
lençóis, teria dito o romancista Henry James, perdendo a
discrição habitual: "Ei-la, finalmente, a coisa admirável". Mais simples
e melancólico do que ele, ao menos
nesse instante, há de ter sido Laurence Sterne: "Agora sim. Ela chegou".
Victor Hugo, por sua vez, entregou-se a um último verso: "É aqui o combate entre o dia e a noite". André Gide, a uma última aflição: "Tenho
medo de que minhas palavras se tornem gramaticalmente inexatas".
Últimos versos, últimas aflições,
palavras derradeiras que improvisaram aqueles que devotaram toda
uma vida às palavras. Quem as recolhe, em longa pesquisa agora publicada nos ensaios de "Mortes Imaginárias", é o francês Michel Schneider, que concedeu à Folha a entrevista abaixo.
Folha - O que há de fascinante nas
últimas palavras dos escritores?
Michel Schneider - Na verdade, estava mais interessado em escrever
sobre o fim das palavras do que sobre as palavras do fim. Há algo que
me fascina nesse último duelo:
quem é que fala nesse momento?
Ainda o escritor ou já a morte?
A morte é o acontecimento por excelência, mas ela não acontece sem
ser dita.
Folha - Não há morbidez no desejo
de conhecer essas minúcias?
Schneider - Nada é mais vivo do
que os escritores quando falam da
morte e escrevem contra o medo de
morrer. Nada é mais morto do que
tudo aquilo que nega a morte. Não
obstante hoje em dia editores e leitores fogem de títulos que contenham
a palavra morte. Os escritores franceses Georges Bataille ou Louis-Ferdinand Céline agora seriam convidados a encontrar algo "que venda
melhor".
Hoje a morte acontece calada, como se pudéssemos fazê-la desaparecer de nossas vidas apagando-a de
nossa língua.
Folha - Então a morte é um tabu?
Schneider - Vivemos na sociedade
da negação da morte, mais do que da
repressão sexual. As representações
sexuais são tão reprimidas quanto
sempre foram. A pornografia e os
"talk shows" não passam de um
meio paradoxal de fugir da parte dolorosa da sexualidade, assim como
as inúmeras representações de mortes violentas (crimes, catástrofes
etc.). O espectador as vê e diz a si
mesmo: "Não vou morrer assim; logo, não vou morrer".
Folha - Escrever é sempre tentar escapar da morte por meio da imortalidade das palavras?
Schneider - Eu quis saudar o esforço da linguagem para justificar o desaparecimento, não para escapar dele. É verdade que a imortalidade é
sempre almejada na escrita, mas ela
é uma ilusão, pois os livros também
morrem, muitas vezes antes de seus
autores.
Folha - Os escritores sabem "morrer
bem", "sem se lamentar e trazendo
nos lábios um dito espirituoso", como
recomendava Borges?
Schneider - Encontramos de tudo:
humor, verborragia, desespero, serenidade. Mas seria um erro acreditar que os escritores morrem como
escritores. Eles morrem como todos
nós: crianças.
Folha - Como entender a morte "plagiária" de Stefan Zweig? Sua angústia
era legítima ou ele queria uma morte
memorável?
Schneider - No livro, ressalto as
"mortes imitadas": Marcel Schwob
buscando a sua no túmulo de Stevenson, Zweig suicidando-se como
Henrich von Kleist, Hermann Broch
deixando de escrever e morrendo
depois de fazer uma longa descrição
da morte de Virgílio.
A aflição de quem morre é sempre
legítima, mas, sim, na mesma busca
de partilha com a mulher amada, em
seu "pedido em suicídio" semelhante ao pedido em casamento, Zweig
quis situar sua morte na estante das
mortes heróicas dos escritores.
Folha - O que mostram as circunstâncias da morte de Kant? Sua racionalidade incorruptível ou, pelo contrário, seu medo do irracional?
Schneider - Mostram uma crença
muito pouco racional no valor absoluto da razão. Kant não queria ter
afetos, paixões. Não queria ter inconsciente. E, como todos nós, foi alcançado por esses fantasmas no momento de morrer.
Folha - E com relação a Alexandre
Dumas? Produziu para si uma morte
digna de seus personagens?
Schneider - Dumas costumava dizer que sua morte seria suave, pois
ele "lhe contaria uma história". Ele
era, afinal, um grande narrador de
mortes. Mas Dumas morreu como
se fecha um livro: cedo demais.
Folha - Qual é, para o senhor, a frase
mais memorável dita por um escritor
no momento da morte?
Schneider - Gosto daquela de Dorothy Parker: "Me perdoem pela
poeira". Pessoalmente, chegado o
momento, gostaria de ainda poder
falar qualquer coisa, mas duvido que
a tecnologia de respiração assistida
me deixe essa opção. Se for o caso,
como Stendhal, direi: "Vivi, amei,
escrevi". Mas colocando estes dois
últimos verbos no modo hipotético:
teria gostado de amar e de escrever.
Tradução de Clara Allain.
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