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RUPTURA EM 3 ACORDES
Associated Press
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Sid Vicious (esq.) e Johnny Rotten, líderes da banda punk Sex Pistols, se apresentam em San Francisco, na Califórnia,
em 1978 |
MOVIMENTO QUE NOS ANOS 70 DERRUBOU TABUS CULTURAIS,
LINGÜÍSTICOS E DE COMPORTAMENTO SOBREVIVEU COMO IDÉIA LIBERTÁRIA, MAS SEUS ÍCONES FORAM ABSORVIDOS PELO ESTABLISHMENT
ENRICO FRANCESCHINI
Londres. "Minha loja se chama
Championship Vynil. Vendo
discos de música punk." E não
só de punk: também de blues,
soul, R&B, umas coisinhas das Antilhas, pop dos anos 60, "tudo para o
exigente colecionador de discos",
como diz a frase na vitrine. "Alta Fidelidade" (Rocco), o romance que
deu fama a Nick Hornby, 48, começa
praticamente assim, se excluirmos o
prólogo com o ranking dos "fracassos" sentimentais do protagonista.
Uma história fundamentalmente
autobiográfica, tanto do ponto de
vista amoroso quanto, talvez mais
ainda, no aspecto musical. Porque o
escritor gostava muito de punk. E,
em certo sentido, continua gostando, como nos diz Nick Hornby 30
anos depois.
Pergunta - Qual a sua lembrança do
nascimento desse fenômeno musical, social, cultural, enfim, do surgimento de uma enésima "moda" inglesa que conquistaria o mundo?
Nick Hornby - O ano de 1976 foi
quando comecei a cursar a universidade, e a Universidade de Cambridge era talvez o lugar menos apropriado para entrar em contato com o
punk. Qual o motivo que tínhamos
para estar com raiva, ali, em Cambridge? Por outro lado, eu estava
com 19 anos de idade, não tinha nada para fazer durante o dia, e o outono de 1976 parecia tremendamente
excitante.
Comprei todos os discos de punk
que me caíram nas mãos, mas não é
que houvesse muitos à venda nos
primeiros dois ou três meses.
Na época deviam existir uns 40 ou
50 punks em toda a Inglaterra, mas
era absolutamente claro que alguma
coisa estava acontecendo, e você tinha que escolher de que lado ficar.
Era possível optar pela velha guarda, pelas bandas de rock grandes,
chatas e repetitivas como os Rolling
Stones, o Led Zeppelin ou Rod Stewart; ou então escolher esses caras
que, para ser sincero, não sabiam tocar, mas tinham uma extraordinária
energia e atitude.
Pelos meus adjetivos, você pode
deduzir de que lado eu fiquei.
Pergunta - O que o punk tinha de
tão extraordinário?
Hornby - O grande lance é que, nos
dez anos precedentes, o rock tinha
começado a ser visto seriamente, de
uma maneira muito pomposa, e o
punk destruía essa seriedade pomposa. Por exemplo, havia um terrível
crítico musical no "Sunday Times"
que adorava o Yes e o Pink Floyd,
defendendo que aquilo é que era
música autêntica, séria e complexa
como a música erudita. E, a meu ver,
pessoas como ele estavam acabando
com o rock, porque queriam vendê-lo a meus pais e a todo tipo de gente
que não seria capaz de entender ou
apreciar aquilo.
A essa altura, de repente, surgem
uns caras que só conhecem três
acordes, sujeitos crus e simples ao
extremo, e isso era para mim, e continua sendo, o ponto central. Eu não
estava à procura de uma nova música erudita nem buscava complexidade ou seriedade. Eu queria alegria,
velocidade e o volume no máximo.
Com os olhos de hoje, vejo que a
música punk me fez pensar muito,
sobre um monte de coisas. Foi uma
fantástica educação cultural.
Pergunta - Como era Londres naqueles anos? Você sente saudade de
alguma coisa?
Hornby - A revista musical mais recente que tenho no banheiro, datada
de fevereiro de 2006, está cheia de
propagandas para shows de Sparks,
Joan Baez, Judy Collins, Bon Jovi,
Bonnie Raitt, Eagles e Santana, só
para citar alguns. Todos eles poderiam ter tocado na Londres de 1975,
e alguns deles já eram veteranos naquela época. Ao que parece, estamos
de novo enterrados na areia.
A saudade que sinto daquela época está ligada à explosão fulminante
de coisas novas -novos hábitos,
novos escritores, novas idéias e, naturalmente, novos grupos musicais.
Clash, Sex Pistols, Jam, Elvis Costello, Ian Dury, Buzzcocks e muitos
outros se tornaram famosos em menos de um ano e mantiveram a fama
pelos 30 anos seguintes.
Não é um exagero dizer que, naqueles dias, alguma coisa nova, boa,
importante e divertida acontecia
praticamente toda semana. E é disso
que eu tenho saudades.
Pergunta - Em sua opinião, quais foram os melhores momentos da era
punk?
Hornby - Em 1977, a colisão do
punk com o Jubileu de Prata da rainha [Elizabeth 2ª] foi um momento
bem interessante. Em junho, a BBC
maquiou as vendas de "God Save the
Queen" [Deus Proteja a Rainha], dos
Sex Pistols, para que a música não ficasse no topo da parada durante as
comemorações do Jubileu.
Outros grandes momentos: o primeiro álbum do Clash, se bem que
meu álbum preferido do grupo seja
"London Calling" [1979], lançado na
verdade quando os dias gloriosos do
punk já haviam passado. E os concertos "Rock against Racism" [Rock
contra o Racismo]. Mas não se tratava de muitos momentos grandes e
isolados. Tudo foi um único, longo e
forte momento.
Pergunta - E os piores momentos?
Hornby - A morte de Sid [Vicious,
baixista do Sex Pistols] e Nancy
[Spungen, namorada de Vicious] foi
um caso sórdido e deprimente. Vicious sempre parecera um tipo brincalhão, uma paródia irônica da percepção que o establishment tinha do
punk -e de repente nos demos
conta de que tudo aquilo era sério,
tão estúpido e confuso quanto parecia. Outro momento realmente baixo foi o do flerte com as suásticas,
muito embaraçoso para os que estavam sempre prontos a defender tudo o que fosse ligado ao punk.
Pergunta - Mas você ainda gosta da
música punk?
Hornby - Danny Baker, que fundou
o primeiro jornal punk e depois se
tornou um célebre DJ, disse recentemente: "A era punk foi a fase mais
bela de minha vida, e eu me sinto
agradecido por cada momento que
vivi naqueles dias. Mas hoje eu poderia muito bem passar sem nunca
mais ouvir uma nota punk, pois já
não me importa". Também penso
mais ou menos assim.
Às vezes ouço "London Calling",
mas não acredito que, no geral, a
música punk tenha resistido à prova
do tempo. Exceto a versão americana do punk, que ainda soa fantástica
aos meus ouvidos -Patti Smith, Television, Ramones. Talvez porque
estivesse enraizada em todo tipo de
coisas; já na Inglaterra, o ponto fundamental do punk era o fato de que
1976 era o ano zero.
Pergunta - Mas ainda se vê o visual
punk por aí. Em Londres, é so ir ao
bairro de Camden para ter a impressão de que se está no fim dos anos 70.
Hornby - Mas isso é uma moda para turistas, nada mais. Um punhado
de jovens europeus mascarados,
com cabelos coloridos e argolinhas
no nariz. Não significa nada.
Pergunta - Mas então o que significa
o fenômeno punk 30 anos depois?
Hornby -Acho que ele mudou algumas coisas para sempre. Em primeiro lugar, a Inglaterra ficou menos
afetada, menos sensível ao que foge à
regra. Quando os Sex Pistols falaram
obscenidades na TV em 1976, aquilo
foi um escândalo nacional de primeira página, e é difícil imaginar algo parecido hoje.
Também acho que, desde então,
continua viva a idéia de que qualquer um pode fundar uma banda ou
um jornal ou publicar um livro ou
gravar um álbum.
De certo modo, as novas tecnologias nos ajudaram a preservar o espírito punk, porque agora é muito
mais fácil fazer qualquer coisa. Mas,
naqueles anos, minha geração
aprendeu com o punk uma coisa
fundamental: que era possível fazer
mais do que nunca imagináramos.
Pergunta - Umberto Eco diz no "Nome da Rosa" (Nova Fronteira) que, no
final, quando uma coisa desaparece,
dela só fica o nome. E de fato a palavra
punk sobreviveu, ainda que o sentido
varie no tempo (ao pé da letra, quer
dizer "pessoa insignificante", mas o
significado mais comum na gíria inglesa é o de "delinqüente"). O que você sente, hoje, quando a ouve?
Hornby - Concordo com que seja
usada para qualquer coisa, menos
para a música. Gostaria de ler um romance punk, assistir a um filme
punk, ver algo punk no teatro. Mas
música punk significa sempre aqueles mesmos três acordes, aquelas calças sadomasoquistas de couro preto,
aquelas cusparadas. Deixa pra lá, tudo isso já terminou.
Este texto saiu no "La Repubblica".
Tradução de Maurício Santana Dias.
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